OMS anuncia erradicação da poliomielite na África
Doença afeta principalmente as crianças, atacando a medula espinhal e sendo capaz de provocar uma paralisia irreversível
AFP
Publicado em 25 de agosto de 2020 às 19h12.
Última atualização em 25 de agosto de 2020 às 19h15.
O "poliovírus selvagem", mais conhecido como pólio , foi declarado oficialmente "erradicado" do continente africano pela Organização Mundial da Saúde ( OMS ), após quatro anos consecutivos de esforços em massa de vacinação infantil e sem casos declarados no nordeste da Nigéria, uma região devastada pelo conflito contra os jihadistas do grupo Boko Haram.
"A Comissão de Certificação para a região África (ARCC), organismo da OMS, declarou que a transmissão do poliovírus selvagem foi interrompida" na África, afirmou seu presidente, Rose Leke.
"Graças aos esforços mobilizados pelos governos, profissionais de saúde e comunidades, mais de 1,8 milhão de crianças foram salvas desta doença", afirmou a OMS em um comunicado publicado antes do evento histórico, uma etapa crucial na erradicação mundial da enfermidade.
O anúncio oficial conta com a presença do diretor-geral da OMS, o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, da diretora da organização para a África, Matshidiso Moeti, assim como dos bilionários filantropos Aliko Dangote e Bill Gates, entre outros.
"É uma vitória formidável, um alívio", declarou à AFP o doutor Tunjui Funshuo, do comitê Pólio Nigéria, da associação Rotary International.
"Há mais de 30 anos começamos este desafio. Dizer que estou feliz é um eufemismo!", disse o médico nigeriano, que dedicou a vida a esta causa.
Provocada pelo "poliovírus selvagem" (PVS), a poliomielite é uma doença infecciosa aguda e contagiosa que afeta principalmente as crianças. Ela ataca a medula espinhal e é capaz de provocar uma paralisia irreversível.
Era endêmica em todo planeta até o desenvolvimento de uma vacina nos anos 1950. Os países mais ricos tiveram acesso ao medicamento rapidamente, mas Ásia e África continuaram durante muitos anos como focos infecciosos.
Em 1988, a OMS contabilizava 350.000 casos no mundo e mais de 70.000, oito anos depois, apenas na África.
Graças a uma consciência coletiva incomum e a grandes esforços financeiros (19 bilhões de dólares em 30 anos), apenas dois países do mundo apresentam atualmente contágios de "poliovírus selvagem": Afeganistão (29 casos em 2020) e Paquistão (58 casos).
Até recentemente, a Nigéria, um país de 200 milhões de habitantes, também aparecia na lista. No início dos anos 2000, ainda era um epicentro da doença.
Na região norte, de maioria muçulmana, a pressão dos círculos salafistas interrompeu as campanhas de vacinação contra a pólio entre 2003 e 2004. Um boato afirmava que eram uma ferramenta de um grande complô internacional para esterilizar os muçulmanos.
As autoridades precisaram de um grande trabalho de conscientização com os líderes tradicionais e religiosos para convencer a população a vacinar os filhos.
Mas o conflito com o grupo extremista Boko Haram, em 2009, acabou com as esperanças de erradicar a doença na década passada. Em 2016, foram detectados quatro novos casos de poliomielite no estado de Borno (nordeste), foco da insurreição jihadista.
"Naquele momento, 400.000 crianças ficaram à margem das campanhas médicas, devido à violência", recorda o doutor Funsho.
A segurança continua extremamente volátil no nordeste da Nigéria, onde o Boko Haram e o Estado Islâmico da África Ocidental (Iswap) controlam grandes áreas, especialmente ao redor do Lago Chade.
Nas áreas "parcialmente acessíveis", as campanhas de vacinação foram organizadas com a proteção do Exército e de milícias de autodefesa, explicou o médico Musa Idowu Audu, coordenador da OMS para o estado de Borno.
Nas zonas totalmente controladas pelos jihadistas, a OMS e seus sócios estabeleceram contato com a população nas estradas, ou nos mercados, para formar uma rede de "informantes de saúde" e "sentinelas" que alertavam sobre casos.
Quase 20 profissionais da saúde e voluntários morreram nos últimos anos no nordeste da Nigéria por esta causa, recorda o doutor Audu.
Atualmente, 30.000 crianças permanecem "inacessíveis", um número "muito baixo" para que aconteça uma transmissão epidêmica, de acordo com os especialistas.