Mundo

O que o Brasil deve apresentar na COP26?

Embora a NDC brasileira não tenha sido revisada formalmente, declarações recentes dão uma ideia dos avanços que o país vai levar às negociações da conferência do clima

O presidente da República, Jair Bolsonaro, participa de lançamento do Programa de Crescimento Verde do Governo Federal (Fabio Rodrigues/Agência Brasil)

O presidente da República, Jair Bolsonaro, participa de lançamento do Programa de Crescimento Verde do Governo Federal (Fabio Rodrigues/Agência Brasil)

A delegação brasileira da COP26 vai desembarcar em Glasgow, na Escócia, neste fim de semana, cercada de expectativas. O Brasil, protagonista no cenário ambiental há quase três décadas, desde a Rio-92, tem sido alvo de críticas da comunidade internacional e chega à conferência do clima como um dos mais pressionados para divulgar seus compromissos e, principalmente, planos claros de como implementá-los.

Até o momento, o que se tem formalizado das propostas do país é a sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), enviada às Nações Unidas no fim de 2020. 

No documento, a meta é reduzir, até 2025, as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 37% abaixo dos níveis de 2005, até 2030, chegar a uma redução de 43% e, até 2060, alcançar emissões líquidas zero.

Nos últimos meses, entretanto, alguns anúncios do governo trouxeram novidades significativas, que devem ser levadas à COP26, embora nenhuma tenha ganhado status de decreto, portaria ou submissão à ONU por enquanto. Ou seja, nada é oficial ainda, está apenas no discurso, o que aumenta a expectativa do que a comitiva brasileira vai mostrar de positivo na conferência.

Dez anos antes

O anúncio mais importante, que será destacado pelo país no evento, é certamente a promessa de adiantar a meta de neutralidade climática em dez anos – para 2050 em vez de 2060 –, feita pelo presidente Jair Bolsonaro em discurso durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima em abril.  

Alinhadas com esse objetivo, serão duas as grandes frentes de atuação do Brasil na COP, redução concreta de emissões de GEE e proteção de florestas e vegetação nativa, conforme declaração recente do ministro do meio ambiente, Joaquim Leite, que chefiará a comitiva brasileira na Escócia.

Desmatamento zero

Na questão florestal, o plano levado para a convenção será o de zerar o desmatamento ilegal antes de 2030, confirmado por Leite no início do mês, após reunião preparatória com diplomatas que também vão participar das negociações.

A informação já havia sido anunciada pelo presidente Bolsonaro na Cúpula de Líderes. “Destaco aqui o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal. Com isso, reduziremos em quase 50% nossas emissões até essa data”, disse em seu discurso.

A apresentação da meta será uma oportunidade de o Brasil mudar sua atual reputação, já que a questão do desmatamento tem prejudicado consideravelmente a imagem do país no exterior.

“Vínhamos reduzindo as emissões em mais de 80% entre 2004 e 2012. Tínhamos 3 milhões de hectares de desmatamento por ano e caiu para 500 mil hectares, por exemplo. Então, chegamos à COP de Paris liderando as negociações depois de ter feito a lição de casa. De 2015 para cá, o desmatamento aumentou. Por isso, o Brasil é visto hoje como um dos vilões na questão do uso da terra”, esclarece Marcos Jank, professor sênior de agronegócio no Insper e coordenador do centro Insper Agro Global. 

De acordo com Jank, no Brasil, 98% é desmatamento ilegal, portanto tem a ver com a lei brasileira – com comando e controle na Amazônia, implementação do código florestal e regularização fundiária. “Se fizermos essas três coisas, especialmente no Norte, podemos reduzir emissões por meio da redução do desmatamento”, avalia.

Crescimento verde

Outra ação que será apresentada na COP é o novíssimo Programa Nacional de Crescimento Verde, lançado nesta semana, um trabalho conjunto dos ministérios do Meio Ambiente e da Economia. 

O projeto será guiado por incentivos econômicos, transformação institucional e política de priorização. O objetivo, segundo o governo, é aliar redução das emissões de carbono, conservação de florestas e uso racional de recursos naturais com geração de empregos verdes e crescimento econômico. 

“Vamos incentivar, apoiar e priorizar os projetos verdes, para que promovam empreendedorismo e inovação sustentável, mostrando ao mundo que o futuro verde está aqui, no Brasil”, ressaltou Leite.

O planejamento, a execução e o monitoramento de resultados do programa serão coordenados por um comitê de governança, o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima e Crescimento Verde. “Ele trará mais transversalidade à agenda verde, que agora está em 11 ministérios, reforçando essa como uma das principais políticas públicas do Governo Federal”, explicou o ministro. 

Agro sustentável

A agropecuária brasileira também será evidenciada, por meio do Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agricultura e Pecuária (Plano ABC+), o maior plano de fomento a tecnologias sustentáveis de produção do mundo, segundo a Embrapa. 

O programa incrementou suas metas no último dia 18, com a projeção de reduzir as emissões de CO2 em 1,1 bilhão de toneladas até 2030. O número é sete vezes maior que o valor definido na versão original, o Plano ABC, que foi implementada de 2010 a 2020.

Essa nova etapa visa introduzir tecnologias sustentáveis em 72,68 milhões de hectares no Brasil nos próximos nove anos. 

E agora são oito as técnicas em seu escopo: recuperação de áreas degradadas; plantio de 4 milhões de hectares de florestas; tratamento de dejetos animais; acabamento intensivo a pasto; uso de microrganismos de bioinsumos; semeadura direta de grãos com revolvimento mínimo do solo e cobertura permanente com plantas vivas ou palha; sistemas de irrigação eficientes que consomem pouca água; e sistemas de semeadura integrados entre diferentes culturas e vegetais.

Para Tereza Cristina, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a COP26 é a ocasião para o país apresentar ao mundo “o papel positivo da agropecuária brasileira para a mitigação de emissões e para a adaptação às mudanças climáticas”. 

Ministra Tereza Cristina: "Iremos demonstrar todo o potencial da agropecuária brasileira como parte da solução e oferecer nossa experiência aos países de realidades semelhantes”. Foto: Alan Santos/PR

Marcos Jank, do Insper, concorda. “Se temos, de um lado, o papel de vilão com relação ao desmatamento ilegal, que precisa ser resolvido, por outro, temos também um papel muito importante do agronegócio”. 

“Fazemos de duas a três safras por ano sem irrigação, na mesma área, na mesma estação de chuvas – coisa que nenhum país de clima temperado faz. Temos um processo muito intenso de lavoura-pecuária, uma grande experiência no plantio direto, com técnicas de agricultura de baixo carbono, e ainda quase metade da nossa matriz energética limpa e renovável. Então, o Brasil tem diversas soluções para a questão das emissões que precisam ser valorizadas na COP26”, diz o professor. 

Mercado de carbono 

A regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, que prevê a monetização dos créditos de carbono, é outro elemento-chave do debate climático para o Brasil. Para o ministro, caso os mecanismos já estivessem regulamentados, seria mais fácil o país mostrar agora que tem uma indústria, agricultura e produção de energia sustentáveis.

Na visão do governo federal, o ponto mais importante é “remunerar quem cuida da floresta”. 

A fim de que o país demonstre solidez e comprometimento na COP26 quanto a essa e outras questões, a estratégia tem sido o alinhamento com outros governos – foram dezenas de encontros com autoridades estrangeiras.  

“Estamos tendo reuniões bilaterais para alinhar os posicionamentos dos outros países com os do Brasil de forma que a gente chegue a um consenso no livro de regras do mercado de carbono e no volume de recursos de financiamento de clima”, declarou Leite no início do mês. 

Para além desses temas, o objetivo da postura proativa é também recuperar a liderança do país. “O Brasil sempre foi ativo e relevante nesse processo e queremos continuar a ocupar esse espaço de protagonismo. Vamos a Glasgow com a expectativa de encerrar de vez a fase de negociações das regras e implementar o acordo de Paris”, afirmou em coletiva o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto.

Acompanhe tudo sobre:COP26JBSNetZero

Mais de Mundo

Violência após eleição presidencial deixa mais de 20 mortos em Moçambique

38 pessoas morreram em queda de avião no Azerbaijão, diz autoridade do Cazaquistão

Desi Bouterse, ex-ditador do Suriname e foragido da justiça, morre aos 79 anos

Petro anuncia aumento de 9,54% no salário mínimo na Colômbia