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Nova etapa na crise da Venezuela tem início com a Constituinte

A Assembleia Nacional Constituinte começará os trabalhos neste sábado, sem ser reconhecida por uma dezena de governos latino-americanos

Venezuela: a oposição considera a Constituinte uma "fraude" (Marco Bello/Reuters)

Venezuela: a oposição considera a Constituinte uma "fraude" (Marco Bello/Reuters)

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AFP

Publicado em 4 de agosto de 2017 às 20h25.

Última atualização em 4 de agosto de 2017 às 21h58.

A poderosa Assembleia Constituinte do presidente Nicolás Maduro foi instalada nesta sexta-feira na Venezuela, apesar da rejeição internacional e da oposição, que alertam para a ameaça à democracia.

Embora não tenha comparecido à posse, Maduro apareceu depois em um ato militar junto com a presidente da nova assembleia, Delcy Rodríguez. "Temos Constituinte e com a Constituinte a verdade e a justiça chegarão", disse o presidente.

A Constituinte começará suas deliberações neste sábado com a instalação de uma comissão que investigará a violência nos protestos opositores que começaram há quatro meses e deixam cerca de 125 mortos.

"Começaremos a atuar a partir de amanhã. Não se surpreendam", afirmou em seu discurso a beligerante ex-chanceler Delcy Rodriguez, de 48 anos, que prestou juramento vestida de vermelho, com uma bandeira venezuelana nas mãos, junto com a Carta Magna que será mudada.

Com um grande retrato do ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013) e do libertador Simón Bolívar, Rodríguez entrou, junto com o poderoso dirigente Diosdado Cabello e com a primeira-dama Cilia Flores - também constituintes - no salão elíptico do Palácio Legislativo.

O órgão plenipotenciário foi instalado e começará os trabalhos neste sábado sem ser reconhecido por uma dezena de governos latino-americanos, Estados Unidos e União Europeia, após sérios questionamentos por acusações de "fraude" na eleição de domingo passado.

A Constituinte trabalhará por tempo indefinido, no salão elíptico, em frente ao hemiciclo onde acontecem as sessões do Parlamento de maioria opositora.

"O povo hoje regressa à Assembleia de onde não tinha que sair", disse Euclides Vivas, de 72 anos, com um distintivo no peito com a frase "Não ao fascismo" em uma marcha de simpatizantes do governo nos arredores do Legislativo.

Um protesto contra a Assembleia Constituinte convocado pela oposição foi disperso com bombas lacrimogêneo pelos forças de segurança.

"A Constituinte só oferece cacetes, bombas e violência ao povo venezuelano. Ódio, mortes e repressão", denunciou o deputado opositor José Manuel Olivares, depois que policiais dispersaram cerca de 2.000 manifestantes que se mobilizavam no leste de Caracas.

Ao final da tarde foram registrados distúrbios perto do Palácio Legislativo, onde foram juramentados os delegados da Constituinte.

Maduro alega que seu projeto trará paz a um país abalado por protestos que já deixaram pelo menos 125 mortos em quatro meses. O presidente garante também que vai tirar o país da crise econômica.

Pouco antes da instalação, o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, voltou para casa, em prisão domiciliar, depois de ter sido detido na terça-feira com o opositor Leopoldo López.

"Não se meta com a Venezuela"

Em uma mensagem à comunidade internacional, Rodríguez assegurou: "À comunidade internacional, não se enganem com a Venezuela. A mensagem é clara, bem clara: nós, venezuelanos, resolvemos nosso conflito, nossa crise, sem nenhum tipo de interferência estrangeira, sem nenhum tipo de mandato imperialista".

Hoje, o Vaticano pediu que se suspenda a Constituinte por fomentar "um clima de tensão" e por "hipotecar o futuro".

A presidente da Constituinte criticou duramente os Estados Unidos, que sancionou Maduro e outros 13 funcionários, acusados de ferir a democracia, de corrupção e de violação de diretos humanos.

"Império, selvagem e bárbaro, não se meta com a Venezuela, que a Venezuela nunca se deprimirá, nem se entregará", afirmou, entre aplausos.

A crise venezuelana será tratada pelos chanceleres do Mercosul em São Paulo neste sábado e pelos ministros de todo o continente no Peru na semana que vem.

"Justiça contra os fascistas"

Rodríguez advertiu aos dirigentes da oposição, chamando-os de "fascistas", que serão entregues à Justiça.

"À direita violenta: se não seguir o caminho democrático e da ação política, a Justiça será imposta", alertou.

A legitimidade da Constituinte foi questionada desde o início porque Maduro a convocou sem um plebiscito e porque seu sistema eleitoral, segundo os opositores, favorecia o controle ao governo.

E nesta semana houve mais um duro golpe. A empresa Smartmatic, que deu suporte tecnológico às eleições, denunciou que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), segundo o qual votaram oito milhões de pessoas, "manipulou" e inflou o número em pelo menos um milhão de eleitores.

O projeto gerou protestas e rachou o chavismo. A procuradora-geral, Luisa Ortega, chavista assumida, o considera um "cheque em branco" para satisfazer uma "ambição ditatorial".

O governo alertou que a Constituinte, encarregada de substituir com um novo texto a Carta Magna de 1999 promovida por Chávez, se ocupará da procuradora, dos parlamentares e de dirigentes opositores.

Ortega recebeu nesta sexta-feira uma medida de proteção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por considerar que sua vida está em "risco".

Apesar de 80% de venezuelanos rejeitarem o governo de Maduro e 72% sua Constituinte, segundo o instituto Datanálisis, Maduro levou seu projeto adiante com o apoio dos poderes judicial, eleitoral e militar.

"Mais do que mudar a Constituição, o objetivo é governar sem limites. É o mecanismo de autocratização do governo (...), seu salva-vidas", declarou à AFP o analista Benigno Alarcón.

Embora Maduro tenha prometido que a nova Constituição será submetida a referendo, a Constituinte tomará decisões de aplicação imediata.

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