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Jovens "herdam" os números que marcaram do Holocausto

O braço de Ayal Guelles se parece com que tinha seu avô Abramo Najson há quase sete décadas: fez-se uma tatuagem idêntica


	Judeu tem número de Campo de Concentração tatuado na mão: alguns o mostram com orgulho, inclusive com arrogância e de forma provocadora quando viajam à Alemanha
 (Chip Somodevilla/ Getty Images)

Judeu tem número de Campo de Concentração tatuado na mão: alguns o mostram com orgulho, inclusive com arrogância e de forma provocadora quando viajam à Alemanha (Chip Somodevilla/ Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 15 de outubro de 2012 às 09h29.

Tel Aviv - Cerca de 4.000 sobreviventes do Holocausto têm até em seu braço esquerdo os números com os quais os nazistas os marcaram como animais. Para que a abominação não seja esquecida quando desaparecer, alguns de seus descendentes se tatuam hoje com o mesmo número em sua própria pele.

O braço de Ayal Guelles se parece com que tinha seu avô Abramo Najson há quase sete décadas: fez-se uma tatuagem idêntica, no mesmo lugar, com os mesmos caracteres, o mesmo número: A-15510, com a qual um alemão o marcou no campo de extermínio de Auschwitz.

"É um símbolo de minha forte conexão com meu avô, sua herança. Mas também tem outro significado mais abstrato: uma denúncia de como transformamos as pessoas em objetos", explica este jovem de Tel Aviv de 28 anos.

Guelles estava de viagem pela Argentina quando decidiu se tatuar.

"Estava pensando nisso muito tempo mas, um dia, vi como marcavam uma vaca e decidi fazer", assegurou à Agência Efe.

Quando retornou a Israel mostrou a seu avô seu braço. Ele não gostou, mas entendeu que era sua forma de impedir que se esquecesse sua história.

O caso de Eli Sagir é diferente. Ela pediu permissão a seu avô, Joseph Diamant, para copiar seu número, o 157622, ao qual acrescentou um pequeno diamante que representa seu sobrenome.

Sua mãe, irmão, tio e primo também gravaram o número.


"Quando o mostrei, meu avô chorou e me beijou o braço. Me perguntou por que tinha feito isso. Eu disse a ele que, quando tiver filhos, me perguntarão o que é e eu lhes contarei. E assim ganharemos tempo, prolongaremos sua memória", disse à Efe esta jovem de 21 anos, que economiza para pagar os estudos universitários.

Seu avô morreu há um ano e meio e a marca permanente em seu braço evita que sua lembrança desvaneça.

Diamant esteve dois anos em Auschwitz, os últimos, foi um dos poucos que sobreviveu até que os aliados libertaram o campo, mas perdeu ali seus pais e três irmãos.

Ela se tatuou após visitar Auschwitz e Birkenau onde, seguindo um mapa que seu avô fez, encontrou seu beliche.

Continuamente a perguntam por esses números e ela aproveita para contar e se assegurar que ninguém esqueça o genocídio perpetrado contra os judeus.

Embora não seja um fenômeno de massas, há dezenas de casos em Israel, alguns dos quais foram expostos por Dana Doron e Uriel Sinai em seu projeto "Numbered" (Numerados), no qual fotografaram e gravaram sobreviventes falando de sua relação com o número.

Com este trabalho descobriram como jovens gerações fazem sua tatuagem para não esquecer e, sobretudo, para que ninguém esqueça o que passaram seus ancestrais.

"Os motivos que os levam a lembrar assim o trauma de seus antepassados são muito pessoais. Uma, por exemplo, decidiu herdar a marca poucos dias antes de seu pai morrer, com o qual nunca tinha falado do campo de concentração. Foi uma última tentativa de que ele não lhe escapasse, de reforçar sua conexão com ele", explicou à Efe Doron.


Um jovem sonhou com tatuar-se e, na manhã seguinte, o fez. Outro, simplesmente, queria fazer uma tatuagem e pensou que o número de seu avô seria a única que seus pais permitiriam. Duas irmãs religiosas compraram braceletes de ouro com o número de seus dez filhos depois que um pediu permissão para se tatuar, algo proibido pelo Judaísmo.

"Para alguns é uma forma de expressar ira, para outros uma garantia de que nunca esquecerão e, para alguns, é um modo de estabelecer um forte laço emocional com seu passado ou de tentar dar sentido a uma história horrível", acrescenta a diretora.

"Um sobrevivente nos contou como seu neto, de 16 anos, lhe pediu para extirpar o pedaço de pele que tem o número quando seu avô morrer", explica Sinai.

Com "Numbered", Doron e Sinai tentam refletir como os sobreviventes se relacionavam com esse pedaço de Auschwitz incrustado em seu braço.

Quando começaram a fotografá-los, em 2008, se calculava que havia cerca de dez mil pessoas no mundo com a marca nazista e hoje se estima que só restaram cerca de 4.000.

"É um monumento vivo que está desaparecendo. São pessoas que tiveram uma experiência única e foram expostos pelo número toda a vida: todo mundo que vê sabe pelo que passaram", diz Doron.

Alguns, sobretudo nos anos imediatamente depois do Holocausto, viam o número como uma vergonha, o escondiam, nunca vestiam manga curta.

Outros o viam com carinho, era a prova de seu heroísmo, de sua resistência e força, e alguns o usam como senha de sua caixa-forte.

Alguns o mostram com orgulho, inclusive com arrogância e de forma provocadora quando viajam à Alemanha.

Controvertido e doloroso, com seu significado de sobrevivência mas, também, de morte, este potente símbolo começou, surpreendentemente, a prolongar sua vida na pele das novas gerações. 

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