Incêndio no conjunto residencial Wang Fuk Court: polícia de Hong Kong prendeu 13 pessoas por homicídio culposo (AFP)
Repórter
Publicado em 2 de dezembro de 2025 às 17h50.
Última atualização em 2 de dezembro de 2025 às 17h54.
O chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, anunciou nesta terça-feira, 2, a criação de um "comitê independente" liderado por um juiz para investigar o incêndio da semana passada que matou 156 pessoas em um complexo de arranha-céus residenciais em reforma.
As autoridades afirmam que as chamas se propagaram rapidamente através das redes de plástico que cobriam os andaimes de bambu instalados para as obras e que não cumpriam as normas de segurança contra o fogo. O incêndio foi o maior a ocorrer na cidade em mais de 70 anos – mais de 2.000 bombeiros combateram as chamas por 40 horas após o começo do incêndio.
Hong Kong dispõe de um mecanismo legal para criar "comissões de investigação", lideradas no passado por juízes para coordenar tarefas complexas de investigação, uma prática herdada do domínio colonial britânico.
A cidade de Hong Kong tem status de semi-autonomia em relação à China, o que permite que tais investigações sejam mais profundas e que haja discussão pública sobre incidentes – algo que não ocorre em toda a China, onde o judiciário é vinculado ao Partido Comunista e a discussão é controlada, segundo apuração do The Guardian.
Mesmo assim, tal comitê ainda desfrutaria de menos pressões legais do que uma investigação oficializada, que é capaz de forçar testemunhos sob juramento, enquanto um comitê independente depende fortemente de cooperação voluntária, reporta a Bloomberg.
"Estabelecerei um comitê independente para realizar uma revisão ampla e profunda, reformar o sistema de obras em edifícios e evitar tragédias semelhantes no futuro", afirmou Lee em uma entrevista coletiva. O oficial acrescentou que a comissão também será presidida por um juiz.
Lee disse à AFP que as autoridades identificaram várias falhas e que são necessárias mudanças nas normas de segurança, supervisão, construção e manutenção.
"Os culpados tentaram misturar redes de qualidade inferior com redes certificadas para enganar os órgãos de inspeção e as forças de segurança", afirmou Lee à AFP. Além disso, investigadores disseram em uma coletiva de imprensa na segunda, 1, que os materiais inferiores estariam em áreas de difícil acesso, efetivamente os escondendo de inspeções de segurança.
Alarmes de incêndio também não funcionaram – moradores passaram batendo de porta em porta para alertar seus vizinhos sobre o incêndio, o que resultou em evacuação ineficaz e lenta.
Até o momento, o órgão anticorrupção de Hong Kong e a polícia, que estão conduzindo uma investigação conjunta, anunciaram a detenção de 15 pessoas suspeitas de homicídio culposo pelo incêndio no complexo, chamado Wang Fuk Court, no distrito de Tai Po, ao norte da cidade.
Das 156 pessoas que morreram, 29 ainda não foram identificadas, informou a polícia nesta terça-feira. Cerca de trinta continuam desaparecidas.
A imprensa local disse que várias pessoas que pediam explicações sobre a tragédia foram detidas. Miles Kwan, um estudante de 24 anos, foi supostamente detido pela polícia por "intenção sediciosa" após distribuir panfletos que exigiam a responsabilização do governo pela tragédia.
Uma petição online que continha as quatro demandas de Kwan, incluindo o pedido de uma investigação independente, reuniu mais de 10.000 assinaturas em menos de um dia, antes de ter o conteúdo apagado.
Jonathan Sumption, que foi juiz da Suprema Corte do Reino Unido e também atuou como juiz não permanente em Hong Kong, escreveu em um editorial publicado pelo Financial Times no ano passado, ao renunciar do Tribunal de Última Instância da cidade: “O Estado de Direito fica profundamente comprometido em qualquer área sobre a qual o governo tenha uma opinião forte”.
Segundo a imprensa local, outras duas pessoas, incluindo o ex-vereador Kenneth Cheung, também foram detidas. Cheung informou na segunda-feira em uma postagem no Facebook que havia "retornado para casa após o pagamento de fiança".
Ao ser questionado sobre as detenções, Lee respondeu à AFP: "Não vou tolerar nenhum crime, em particular dos que se aproveitam da tragédia que estamos vivendo".
"Algumas pessoas com motivações ocultas [tentam] colocar em perigo a segurança de Hong Kong e a segurança nacional da China", afirmou. "Portanto, devemos adotar as medidas adequadas, incluindo medidas policiais", acrescentou, sem revelar mais detalhes. Os comentários de Lee precedem as eleições da cidade, que vão ocorrer no domingo.
Hong Kong viu o controle de Pequim ser reforçado com uma rigorosa lei de segurança nacional promulgada em 2020 como resposta a manifestações pró-democracia.
Desde então, os candidatos à liderança de Hong Kong devem ser “patriotas” aprovados pelo governo chinês. A Reuters avalia que a quantidade de participantes nessas eleições servirá como medição da percepção pública à resposta do governo ao incêndio, e ao que os cidadãos acham do estado de governo do país.
No ano passado, uma lei aumentou a pena por sedição para sete anos. Desde o início de novembro, as autoridades do centro financeiro de Hong Kong prenderam 348 pessoas por diversos crimes relacionados à segurança nacional e condenaram 172.
As organizações de direitos humanos Amnesty International e Human Rights Watch criticaram a falta de transparência das investigações e as detenções:
“Agora é o momento para as autoridades de Hong Kong investigarem, de forma transparente, as causas do incêndio devastador… em vez de silenciar aqueles que fazem perguntas legítimas”, afirmou a Amnesty International.
Com AFP.