Importadores argentinos evitam compras externas de alimentos
Ao contrário do discurso oficial, grandes importadores reconhecem que deixaram de emitir ordens de compras
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h46.
Buenos Aires - O discurso oficial da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, nega as restrições à importação de produtos alimentícios, mas os grandes importadores argentinos reconhecem que deixaram de emitir ordens de compras. Os empresários explicam que os cancelamentos se devem à advertência do secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, de que não permitiria a importação de alimentos similares aos produzidos pela indústria local.
Uma fonte diplomática brasileira relatou à Agência Estado que, diante da reclamação de um negociador europeu ao governo argentino, Moreno se fez de desentendido: "Não existem barreiras, mas não podemos fazer nada se os supermercados preferem comprar os produtos nacionais em lugar de importá-los", teria respondido Moreno ao diplomata europeu.
Os empresários só aceitam falar com a imprensa sem revelar a identidade, temendo represália de Moreno. A AE apurou com três fontes do setor de supermercados e importadores que a anulação dos pedidos é o efeito visível das ameaças de Moreno. Os resultados da balança comercial de junho vão mostrar a retração das importações de alimentos, segundo uma fonte da Câmara de Importadores da República Argentina (Cira). A fonte também confirmou as informações da Federação das Indústrias de São Paulo à AE de que, em maio, cerca de 25% dos pedidos foram cancelados.
A Cira ainda tenta negociar com Moreno a liberação de alimentos que complementem a produção local para atender à demanda dos consumidores. Contudo, a entidade reconhece que a batalha não é fácil, porque há uma decisão do governo de aumentar o superávit comercial. "Sabemos que não há uma norma escrita, mas o aviso do Moreno é suficiente para que ninguém queira arriscar-se a perder a mercadoria na fronteira ou no porto ou sofrer uma blitz da Afip (a receita federal argentina) fora de lugar", confessou a fonte.
O diretor de uma das redes de supermercados que operam no país fez as contas da situação e a conclusão confirma o efeito da restrição verbal do secretário argentino: "No nosso faturamento mensal, os alimentos importados representam menos de 2% e, é claro, que com essa cifra preferimos evitar atrito com Moreno e atender ao pedido dele para não importar".
Aumento de preço
O presidente da Câmara de Comércio Argentina-Brasil (Cambras), Jorge Rodríguez Aparício, alerta para o risco de que a situação leve a maior aumento de preços dos produtos nacionais. "Tem importadores argentinos cancelando ordens de compras do Brasil, especialmente de milho em conserva e de molho de tomate. E esses produtos nacionais estão sendo estocados para que voltem às prateleiras com preços mais elevados", afirmou ele, dando a entender que existe especulação de preços com as barreiras. Ele ressaltou que, além da falta de uma norma de restrição, não há detalhes sobre os produtos afetados.
Além disso, vários produtos nacionais não são suficientes para atender a toda demanda doméstica, como os dois casos citados anteriormente. Por isso, os analistas estimam que a inflação dos alimentos, que acumulou alta de 20% somente no primeiro quadrimestre de 2010, pode aumentar ainda mais.
"Estamos violando toda classe de normas, convênios, acordos e deteriorando nossa reputação de um país que cumpre com sua palavra", opinou o ex-secretário de Comércio da Argentina, Juan Dumas, em entrevista à emissora de TV Todo Notícias (TN). Dumas afirmou que "nenhuma empresa enfrenta o Estado porque tem medo".