Mulher africana: três milhões de adolescentes sofrem a cada ano na África com a mutilação genital (Anna Langova/Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 6 de fevereiro de 2014 às 09h06.
Nairóbi - O retorno à escola após as férias de verão, que em grande parte da África coincide com o Natal, foi diferente para milhares de meninas que foram submetidas à mutilação genital, uma prática ancestral que, segundo organizações defensoras das menores, só acabará depois de sua ilegalização.
A lei é o principal antídoto contra a cirurgia forçada, que três milhões de adolescentes sofrem a cada ano na África, segundo ativistas consultados pela Agência Efe por ocasião do Dia Internacional contra a Mutilação Genital Feminina, comemorado nesta quinta-feira.
As ruas de Nairóbi ficaram desertas durante o Natal, pois famílias inteiras aproveitaram as férias escolares para voltar a suas localidades de origem, frequentemente afastadas da capital.
Acobertada pela comunidade, a mutilação genital continua sendo uma prática comum que ainda marca a transição social de menina para mulher após a chegada da menstruação, apesar de sua impopularidade crescente no Quênia, explica o responsável de programas da ONG Equality Now ("Igualdade Agora") no continente, Grace Uwizeye.
Algumas crianças conseguem fugir para abrigos como o de Agnès Pareyio, uma mulher da etnia masai que não escapou da mutilação e foi escolhida pelas Nações Unidas como a "Mulher do Ano", em 2005, por seu trabalho no centro que dirige em Narok (sudoeste do Quênia).
Pareyio explica à Efe que, graças a sua parceria com a ONG espanhola Mundo Cooperante, o centro de amparo conta também com uma escola, onde as alunas aprendem a se defender de seus pais contra a mutilação genital feminina.
No entanto, o Quênia é um dos países que mais avançou na luta: se há uma década 38% das quenianas tinha sofrido a mutilação, hoje em dia a porcentagem caiu para 27%.
"No Quênia as leis contra a mutilação genital feminina funcionaram: o presidente critica a prática e está começando a prender os acusados, levá-los aos tribunais e a resgatar as meninas em risco", disse o porta-voz da Equality Now.
A lei queniana de 2011 que proíbe a cirurgia forçada prevê penas de três anos de prisão e elevadas multas para os autores, que podem ser condenados à prisão perpétua se a menina morrer após a intervenção.
"Em países como Quênia e Burkina Fasso, a prática está diminuindo, mas em outros como Egito e Mali continua igual. Estamos tentando ver o que funcionou nestes países para implantar em outros", afirma Uwizeye, cuja organização defende os direitos civis, políticos, econômicos e sociais de meninas e mulheres.
A lei também poderia ajudar a Gâmbia, onde a condenação de um casal gambiano na Espanha que submeteu suas filhas à mutilação durante as férias, serviu para "dar exemplo", segundo a ativista desse país africano Isatou Tourey.
"Foi uma coisa para comemorar. Se a lei espanhola foi violada, deve haver punição", diz a gambiana em alusão à condenação a 24 anos de prisão imposta em maio passado aos pais das duas menores, de 11 e 6 anos, cuja mutilação foi descoberta em uma consulta médica na Espanha.
Segundo Tourey a notícia "teve um grande impacto no costume de trazer meninas para a Gâmbia para serem mutiladas."
A mutilação genital feminina é praticada principalmente na África, em um total de 28 países, e a previsão é que mais de 30 milhões de meninas sejam mutiladas na próxima década, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
No interior de cada país, o sucesso dos avanços na luta contra esse problema é desigual, adverte o responsável de Uwizeye.
Assim, 98% das meninas somalis que vivem no Quênia continuam sofrendo a mutilação de seu clitóris, porcentagem que diminuiu para 72% entre a etnia masai.
"Não acho que a religião seja a principal barreira contra a eliminação da mutilação genital feminina. Trata-se da cultura", diz a ativista da Equality Now.
As comunidades somalis, malinesas e egípcias justificam frequentemente a mutilação genital como um "requisito religioso".
"Mas não está escrito no Corão, é apenas uma prática cultural que adotaram e agora acham que é um requisito religioso", explicou o representante da ONG.
A luta contra a mutilação genital feminina não terá sucesso apenas com as leis, ressaltou Grace Uwizeye: "Educação, sensibilização... Temos que utilizar todas as estratégias ao nosso alcance".
No entanto, insiste, "a lei serve para dar um exemplo e para que a comunidade se dê conta de que o assunto é grave".