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O exterminador que abraça árvores

Como governador da Califórnia, o ex-fisiculturista, ator e republicano Arnold Schwarzenegger se tornou uma das principais lideranças contra o aquecimento global

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Quando foi eleito para o primeiro mandato de governador da Califórnia, em 2003, Arnold Schwarzenegger, 12 vezes campeão de torneios mundiais de fisiculturismo e protagonista de filmes como Conan, o Bárbaro e O Exterminador do Futuro, era apenas mais um astro de Hollywood que se aventurava na política americana.

Na época, muita gente achou que aquilo não passava de piada e que ele faria uma gestão tão estabanada quanto o policial que cuida de crianças em um de seus filmes. No final de 2007, Schwarzenegger conseguiu chegar a seu segundo mandato. Eleito com 56% dos votos, ele já não era mais conhecido como o bufão recém-chegado ao cenário político, mas como um dos mais importantes líderes contra o aquecimento global.

Parte dessa importância deve-se à pujança do estado que Schwarzenegger comanda - a Califórnia concentra 12% da população americana e tem um PIB de 1,3 trilhão de dólares por ano. (Se fosse um país, seria a oitava maior economia do mundo.) A outra razão é que Schwarzenegger - o "governator", como é hoje conhecido - tem um estilo um tanto briguento, como a maioria dos personagens que interpretou no cinema. Hoje, seus rivais mais recorrentes na luta contra o aquecimento global são a indústria automobilística americana e o governo federal de George W. Bush, um republicano como ele próprio. "Estamos fazendo nossa parte, e o governo federal, não", disse Schwarzenegger em tom desafiador numa campanha de TV de 30 segundos veiculada em rede nacional no final do ano passado. "Agora é a vez deles."

A jornada verde do ex-exterminador do futuro já registrou algumas conquistas, como uma legislação para impor limites à emissão de gases de efeito estufa e os primeiros resultados de um programa de mudança da matriz energética do estado da Califórnia. "O governador Schwarzenegger assumiu a liderança entre os estados americanos na luta pela redução das emissões de carbono. E está no caminho certo", afirmou a EXAME Tom Smith, diretor do instituto para o meio ambiente da Universidade da Califórnia e um dos mais respeitados especialistas no assunto do país. 


O PRIMEIRO - E MAIS POLÊMICO - EMBATE de Schwarzenegger foi pela legislação para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Logo em 2004, ele apoiou a agência ambiental californiana na iniciativa de tirar do papel uma lei aprovada dois anos antes que obriga os fabricantes de automóveis a desenvolver carros que emitam 30% menos gás carbônico até 2016. As montadoras foram à Justiça contestar, com o argumento de que essas normas só podem ser impostas pela esfera federal. Juntamente com outros 12 estados, a Califórnia levou o caso à Corte Suprema dos Estados Unidos.
 

Num dos rounds mais recentes, no final do ano passado, a poderosa agência de proteção ambiental americana (EPA, na sigla em inglês) negou autorização para que a Califórnia regulasse normas próprias para as emissões de automóveis. Em 2006, o governator - uma corruptela das palavras governor e Terminator (título em inglês de O Exterminador do Futuro) - foi mais longe e costurou um acordo com os democratas, que controlam o Legislativo estadual, para aprovar uma lei que obriga todas as indústrias do estado a diminuir em 25% a emissão de gases de efeito estufa até 2020. Os representantes republicanos defendem que a estratégia para enfrentar o problema deve ser nacional, e não estado por estado.

Um dos maiores méritos do discurso do governator até agora tem sido o efeito multiplicador e a capacidade de levar o debate a todo o país. Outros governadores, como Jon Huntsman Jr., do estado de Utah, e Brian Schweitzer, de Montana, passaram a adotar metas semelhantes de redução das emissões de carbono (o mesmo aconteceu com os planos em relação à mudança da matriz energética desses estados). Por insistência de Schwarzenegger, a meta de a Califórnia obter 20% de sua eletricidade de energias renováveis em 2017 foi antecipada para 2010. Para 2020, o objetivo é atingir 33% de participação de fontes renováveis, como biomassa, pequenas hidrelétricas e energias solar e eólica. As estimativas apontam que, até lá, a indústria de energias renováveis movimentará 60 bilhões de dólares por ano na Califórnia.

O esforço começa a se disseminar por outros 20 estados americanos, que criaram leis com metas de ampliação da fatia de renováveis na matriz elétrica. Além de outros governadores, o discurso de Schwarzenegger conquistou o apoio de acadêmicos e ambientalistas. "A forte liderança de Schwarzenegger contrasta com as ações mínimas do governo federal diante da crise climática", diz Michael Tottlen, da ONG Conservação Internacional, com sede em Washington. Segundo Tottlen, as iniciativas de Schwarzenegger revitalizaram a musculatura da agenda ambiental da Califórnia, que desde os anos 70 é uma das pioneiras em medidas governamentais para a redução do consumo de energia. 


O programa mais alardeado por Schwarzenegger até agora é o que pretende instalar 1 milhão de placas de energia solar em casas californianas nos próximos dez anos. Para isso, o governo administra um fundo de 350 milhões de dólares, capaz de cobrir um terço do custo de instalação de cada painel, tornando o equipamento mais barato para o cidadão comum. Se o plano for seguido à risca, em 2017 a Califórnia contará com 3 000 megawatts de eletricidade produzida com energia solar (quase o equivalente à capacidade de geração da usina de Ilha Solteira, no interior de São Paulo, a terceira maior hidrelétrica do Brasil). Tamanho incentivo às energias renováveis vem atraindo investidores de capital de risco. Fundos de investimento injetaram quase 1 bilhão de dólares em empresas localizadas na região que desenvolvem tecnologias limpas. A lógica de perseguir uma diversidade de fontes energéticas é evitar crises como as que ocorreram em 2000 e 2001 e levaram a um humilhante apagão estadual.

A agenda ambiental de Schwarzenegger também ganhou recentemente um caráter pessoal, quando ele adaptou sua frota particular - dois enormes e beberrões jipes da marca Hummer - para que emita menos poluentes. Um dos carros foi convertido ao hidrogênio e outro ao biocombustível. Com dupla nacionalidade (austríaco de nascimento, ele conseguiu a cidadania americana em 1983) e casado com uma integrante do clã Kennedy, Maria Shriver, Schwarzenegger conquistou o posto de governador num momento em que a Califórnia passava por uma crise. Em 2003, uma petição assinada por mais de 1 milhão de californianos levou o estado a realizar um recall. Trata-se do mecanismo pelo qual os eleitores são chamados a se pronunciar a respeito da permanência ou não de determinado político em seu cargo - no caso, o governador.

O ocupante do posto na época era o democrata Gray Davis, que estava no primeiro ano de seu segundo mandato e atolado em problemas: déficit orçamentário de 38 bilhões de dólares, alto nível de desemprego e crise nas escolas. Na mesma votação, os eleitores tinham de escolher um substituto. O eleito foi Schwarzenegger, ativo militante do Partido Republicano, entre mais de 100 candidatos. Ele ainda não resolveu o déficit do estado - embora a situação hoje seja bem melhor do que no passado. Em janeiro, declarou estado de emergência das contas públicas, com um déficit de 3,3 bilhões de dólares, em parte como desdobramento do estouro da bolha imobiliária. "Não sou um ambientalista fanático", diz Schwarzenegger. "Não vejo esse cenário em que vivemos como o fim do mundo, e sim como a oportunidade de limpar a bagunça que fizemos." 


As metas do "governator"
Os principais objetivos estabelecidos por Schwarzenegger para que a Califórnia ajude a combater o aquecimento global:

- Nos próximos 12 anos, as indústrias instaladas na região devem diminuir a emissão de gases de efeito estufa em 25%;

- Até 2016, a emissão de gás carbônico pelos carros produzidos no estado deve ser reduzida(1)30%;

- 20% da eletricidade consumida no estado deverá vir de energias renováveis até 2010. Para 2020, o objetivo é que esse percentual chegue a 33%.

*(1) Amedida ainda não entrou em vigor por causa de uma barreira na esfera federal
 


O Schwarzenegger brasileiro
No Brasil, o governador do Amazonas, Eduardo Braga, também ganha visibilidade ao criar mecanismos para defender a floresta
 
Guardadas as devidas proporções, no terreno da política o Brasil também tem seu Schwarzenegger. Trata-se do governador do Amazonas, Eduardo Braga, que fez da luta contra o aquecimento global meta de governo - uma das principais medidas foi ampliar em 10 milhões de hectares as áreas de conservação. Em julho do ano passado, ele sancionou a primeira lei estadual do país de mudanças climáticas, conservação ambiental e desenvolvimento sustentável. Uma das propostas dessa legislação foi a criação do Bolsa Floresta, que começou a ser implantado em setembro. A idéia é oferecer uma compensação financeira aos moradores de algumas regiões para que eles atuem como guardiões da biodiversidade local. O valor de 50 reais é pago mensalmente, e a idéia do governador é atingir 60 000 famílias até 2010.

Atualmente há 2 080 famílias beneficiadas. Segundo Eduardo Braga, é preciso reconhecer que quem preserva as florestas presta um serviço ambiental e deve ser remunerado por isso. "Nosso estado tem uma imensa área verde, que precisa ser compreendida como uma vantagem, como um ativo, e não como um passivo”, diz. “Compreendemos isso e transformamos o que era um problema numa solução." Além do Bolsa Floresta, a lei de Braga propõe a criação de programas de estudo para identificar projetos que privilegiem matrizes energéticas limpas e favoráveis à estabilização dos gases de efeito estufa.

O desdobramento mais recente das ações é a criação da Fundação Amazonas Sustentável, entidade sem fins lucrativos que tem por objetivo angariar fundos para financiar alguns dos projetos lançados pelo governo do estado, como o Bolsa Floresta. A instituição iniciou as atividades oficialmente em dezembro de 2007, com um capital de 40 milhões de reais - metade paga pelo governo do Amazonas e a outra pelo principal apoiador, o Bradesco. O banco se comprometeu também a doar mais 10 milhões por ano até 2012. Agora, cabe ao presidente da fundação, o empresário e ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Luiz Fernando Furlan, ampliar esse montante captando recursos na iniciativa privada. 

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