Exame Logo

Ex-detentos de Guantánamo começam vida nova no Uruguai

Ex-detentos da prisão americana se preparam para começar uma vida nova como homens livres, segundo ministro da Defesa do Uruguai

Entrada do hospital militar de Montevidéu, Uruguai, para onde seis detentos de Guantánamo foram levados (Mario Goldman/AFP)
DR

Da Redação

Publicado em 8 de dezembro de 2014 às 21h59.

Montevidéu-Os seis ex-detentos de Guantánamo que chegaram na madrugada de domingo ao Uruguai se sentem felizes por terem deixado o cárcere onde estiveram reclusos por mais de 12 anos, querem aprender espanhol e se apressam em começar uma vida como homens livres.

"Havia uma grande diferença entre sua voz há um mês e ontem (domingo)", disse nesta segunda-feira à AFP Alka Pradhan, uma das advogadas do sírio Jihab Diyab, um dos ex-prisioneiros que chegaram ao Uruguai e foram levados para o Hospital Militar para serem submetidos a exames médicos.

Diyab, de 43 anos, havia se declarado em greve de fome e recorreu à justiça americana para fazer valer seu direito de não ser alimentado à força.

No momento, o ex-detido "não está em um bom estado de saúde" após o tratamento "extremamente cruel que recebeu durante quase 13 anos" no centro de detenção americano, afirmou Pradhan, explicando que "consegue apenas caminhar e usa uma cadeira de rodas na maior parte do tempo".

Mas "está bem mentalmente, concentrado em recuperar sua saúde e se reunir com sua família".

Os outros libertados são o tunisiano Abdul Bin Mohammed Abis Ourgy, de 49 anos, o palestino Mohammed Tahanmatan (35) e os sírios Ahmed Adnan Ahjam (37), Ali Hussain Shaabaan (32) e Omar Mahmoud Faraj (39).

Todos faziam parte do primeiro grupo de detidos que entraram em Guantánamo em 2002, quando os Estados Unidos abriram a prisão em sua base militar na ilha de Cuba, no início de sua guerra contra o terror após os atentados de 11 de setembro.

Aprender espanhol

O governo uruguaio explicou que recebe os ex-detidos como refugiados e, como tais, serão homens livres no país sul-americano.

Nesse sentido, o ministro da Defesa do Uruguai, Eleuterio Fernández Huidorom, afirmou na segunda-feira que "em poucas horas" os refugiados poderão sair do hospital "e se incorporarem à vida comum e corrente".

Esse parece ser também o desejo dos ex-detentos, segundo seus advogados.

Pradhan explicou que Diyab "está tão agradecido pela oportunidade oferecida pelo Uruguai que acredita poder se recuperar o suficiente e aprender rápido o espanhol para ser capaz de integrar-se e mostrar sua gratidão aos uruguaios, provando que tudo que foi dito erroneamente sobre ele e os outros cinco é falso".

Ramzi Kassem, professor na City University em Nova Yorque e que representa Abdelhadi Omar Mahmoud Faraj, junto a seus estudantes do Immigrant & Non-Citizen Rights Clinic, assegurou à AFP que seu cliente "quer contactar sua família e aprender espanhol para poder contribuir para a sociedade uruguaia".

Ainda não se sabe se sua família poderá ir ao país sul-americano, mas "agora considera o Uruguai seu país e não tem intenção de ir embora por enquanto", explicou o advogado.

Em uma carta divulgada nesta segunda-feira pelo jornal local El País, o próprio Faraj relatou como chegou àquela prisão.

De nacionalidade síria, conta que aos 19 anos viajou ao Irã em busca de trabalho e depois ao Afeganistão.

"Quando a guerra no Afeganistão explodiu, no fim de 2001, eu temia que uma das partes beligerantes, a Aliança do Norte, me mataria por ser árabe. Fugi por terra para o Paquistão", afirma.

"Quando cheguei à fronteira com o Paquistão, fui detido por soldados paquistaneses. Um dia depois me entregaram a membros do Exército americano em troca de uma recompensa. Por um período de seis meses, os americanos me prenderam em Kandahar, Afeganistão, em condições sub-humanas".

Após meses de interrogatórios, em 8 de junho de 2002, foi transferido a Guantánamo, onde esteve por 12 anos "frequentemente em condições cruéis, sem acusações, julgamento ou processo justo". Segundo seu relato, em 2009 uma equipe do governo dos Estados Unidos revisou seu processo e determinou de forma unânime que deveria ser libertado.

Faraj agradece ao Uruguai e especialmente ao presidente uruguaio, José Mujica, "por seu ato nobre de solidariedade".

"Quanto a mim e aos outros prisioneiros, desejo garantir a todos os uruguaios, incluindo ao governo uruguaio, que daremos apenas boa vontade e contribuições positivas ao Uruguai enquanto aprendemos espanhol e refazemos nossas vidas aqui".

Seguir o exemplo

A transferência dos presos ao Uruguai, realizada na madrugada de domingo em meio a uma rígida operação de segurança, é a primeira a partir de Guantánamo a um país sul-americano e a segunda à América Latina, depois que El Salvador acolheu em 2012 como refugiados dois detidos uigures, que posteriormente abandonaram o país.

O secretário geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, comemorou no domingo a decisão uruguaia e pediu ações similares a países da região, uma mensagem que compartilhou com a organização Centro de Direitos Constitucionais (CCR, na sigla em inglês), com sede em Nova York.

"Oferecendo lares a homens que há tempos sabe-se que não representam nenhum risco, a comunidade internacional pode ter um papel crucial para encerrar este capítulo negro na história dos Estados Unidos", indicou a CCR em um comunicado.

O presidente Mujica - um ex-guerrilheiro que esteve por mais de uma década preso, na maior parte do tempo em condições desumanas - defendeu sua decisão como um gesto humanitário, em um país em que certa de 60% dos uruguaios rejeita a chegada dos detidos, segundo pesquisas.

Após 13 anos, ainda existem em Guantánamo 136 detidos, dos quais a maioria não enfrenta acusações nem foi julgada.

Obama prometeu fechar o centro de detenção antes de concluir seu mandato, em janeiro de 2017.

*Atualizada às 22h59 do dia 08/12/2014

Veja também

Montevidéu-Os seis ex-detentos de Guantánamo que chegaram na madrugada de domingo ao Uruguai se sentem felizes por terem deixado o cárcere onde estiveram reclusos por mais de 12 anos, querem aprender espanhol e se apressam em começar uma vida como homens livres.

"Havia uma grande diferença entre sua voz há um mês e ontem (domingo)", disse nesta segunda-feira à AFP Alka Pradhan, uma das advogadas do sírio Jihab Diyab, um dos ex-prisioneiros que chegaram ao Uruguai e foram levados para o Hospital Militar para serem submetidos a exames médicos.

Diyab, de 43 anos, havia se declarado em greve de fome e recorreu à justiça americana para fazer valer seu direito de não ser alimentado à força.

No momento, o ex-detido "não está em um bom estado de saúde" após o tratamento "extremamente cruel que recebeu durante quase 13 anos" no centro de detenção americano, afirmou Pradhan, explicando que "consegue apenas caminhar e usa uma cadeira de rodas na maior parte do tempo".

Mas "está bem mentalmente, concentrado em recuperar sua saúde e se reunir com sua família".

Os outros libertados são o tunisiano Abdul Bin Mohammed Abis Ourgy, de 49 anos, o palestino Mohammed Tahanmatan (35) e os sírios Ahmed Adnan Ahjam (37), Ali Hussain Shaabaan (32) e Omar Mahmoud Faraj (39).

Todos faziam parte do primeiro grupo de detidos que entraram em Guantánamo em 2002, quando os Estados Unidos abriram a prisão em sua base militar na ilha de Cuba, no início de sua guerra contra o terror após os atentados de 11 de setembro.

Aprender espanhol

O governo uruguaio explicou que recebe os ex-detidos como refugiados e, como tais, serão homens livres no país sul-americano.

Nesse sentido, o ministro da Defesa do Uruguai, Eleuterio Fernández Huidorom, afirmou na segunda-feira que "em poucas horas" os refugiados poderão sair do hospital "e se incorporarem à vida comum e corrente".

Esse parece ser também o desejo dos ex-detentos, segundo seus advogados.

Pradhan explicou que Diyab "está tão agradecido pela oportunidade oferecida pelo Uruguai que acredita poder se recuperar o suficiente e aprender rápido o espanhol para ser capaz de integrar-se e mostrar sua gratidão aos uruguaios, provando que tudo que foi dito erroneamente sobre ele e os outros cinco é falso".

Ramzi Kassem, professor na City University em Nova Yorque e que representa Abdelhadi Omar Mahmoud Faraj, junto a seus estudantes do Immigrant & Non-Citizen Rights Clinic, assegurou à AFP que seu cliente "quer contactar sua família e aprender espanhol para poder contribuir para a sociedade uruguaia".

Ainda não se sabe se sua família poderá ir ao país sul-americano, mas "agora considera o Uruguai seu país e não tem intenção de ir embora por enquanto", explicou o advogado.

Em uma carta divulgada nesta segunda-feira pelo jornal local El País, o próprio Faraj relatou como chegou àquela prisão.

De nacionalidade síria, conta que aos 19 anos viajou ao Irã em busca de trabalho e depois ao Afeganistão.

"Quando a guerra no Afeganistão explodiu, no fim de 2001, eu temia que uma das partes beligerantes, a Aliança do Norte, me mataria por ser árabe. Fugi por terra para o Paquistão", afirma.

"Quando cheguei à fronteira com o Paquistão, fui detido por soldados paquistaneses. Um dia depois me entregaram a membros do Exército americano em troca de uma recompensa. Por um período de seis meses, os americanos me prenderam em Kandahar, Afeganistão, em condições sub-humanas".

Após meses de interrogatórios, em 8 de junho de 2002, foi transferido a Guantánamo, onde esteve por 12 anos "frequentemente em condições cruéis, sem acusações, julgamento ou processo justo". Segundo seu relato, em 2009 uma equipe do governo dos Estados Unidos revisou seu processo e determinou de forma unânime que deveria ser libertado.

Faraj agradece ao Uruguai e especialmente ao presidente uruguaio, José Mujica, "por seu ato nobre de solidariedade".

"Quanto a mim e aos outros prisioneiros, desejo garantir a todos os uruguaios, incluindo ao governo uruguaio, que daremos apenas boa vontade e contribuições positivas ao Uruguai enquanto aprendemos espanhol e refazemos nossas vidas aqui".

Seguir o exemplo

A transferência dos presos ao Uruguai, realizada na madrugada de domingo em meio a uma rígida operação de segurança, é a primeira a partir de Guantánamo a um país sul-americano e a segunda à América Latina, depois que El Salvador acolheu em 2012 como refugiados dois detidos uigures, que posteriormente abandonaram o país.

O secretário geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, comemorou no domingo a decisão uruguaia e pediu ações similares a países da região, uma mensagem que compartilhou com a organização Centro de Direitos Constitucionais (CCR, na sigla em inglês), com sede em Nova York.

"Oferecendo lares a homens que há tempos sabe-se que não representam nenhum risco, a comunidade internacional pode ter um papel crucial para encerrar este capítulo negro na história dos Estados Unidos", indicou a CCR em um comunicado.

O presidente Mujica - um ex-guerrilheiro que esteve por mais de uma década preso, na maior parte do tempo em condições desumanas - defendeu sua decisão como um gesto humanitário, em um país em que certa de 60% dos uruguaios rejeita a chegada dos detidos, segundo pesquisas.

Após 13 anos, ainda existem em Guantánamo 136 detidos, dos quais a maioria não enfrenta acusações nem foi julgada.

Obama prometeu fechar o centro de detenção antes de concluir seu mandato, em janeiro de 2017.

*Atualizada às 22h59 do dia 08/12/2014

Acompanhe tudo sobre:América LatinaEstados Unidos (EUA)José MujicaJustiçaPaíses ricosPrisõesUruguai

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Mundo

Mais na Exame