Mundo

EUA não querem se envolver a fundo nos conflitos de Israel, diz ex-diretor no governo Trump

Javed Ali, especialista em contraterrorismo, avalia que país não quer novas operações no Oriente Médio como as que fez no Afeganistão e Iraque

Javed Ali, especialista em contraterrorismo e ex-diretor no Conselho de Segurança Nacional nos EUA
 (Divulgação)

Javed Ali, especialista em contraterrorismo e ex-diretor no Conselho de Segurança Nacional nos EUA (Divulgação)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 7 de outubro de 2024 às 16h13.

Última atualização em 7 de outubro de 2024 às 16h31.

Nos Estados Unidos, tanto democratas quanto republicanos defendem ajuda firme a Israel nos confrontos contra o Hamas e o Hezbollah, mas nenhum dos dois partidos americanos parece estar disposto a defender uma ação militar americana ampla no Oriente Médio, como ocorreu após o 11 de Setembro, avalia Javed Ali, especialista em terrorismo e que integrou o governo de Donald Trump.

"Não estamos vendo, pelo lado dos EUA, uma resposta como a que vimos após o 11 de setembro, com as guerras no Iraque e no Afeganistão. Esta administração [Biden] não quer envolver os EUA na região dessa maneira. A administração Trump (2017-2021) também não quis. Estamos a um mês da próxima eleição e acho que nenhum dos candidatos quer operações de combate da forma que foram conduzidas após o 11 de Setembro", disse Ali, em conversa com a EXAME.

Ali foi diretor sênior de contraterrorismo no Conselho de Segurança Nacional, durante o primeiro ano do governo Trump. Ele atua na área há mais de 20 anos, com passagens pela Agência de Inteligência de Defesa, pelo Departamento de Segurança Interna e pelo FBI. Atualmente, é professor de contraterrorismo na Universidade de Michigan. Veja a seguir mais trechos da entrevista.

Como vê a situação atual do conflito entre Israel e Hamas e Hezbollah? A situação pode escalar para uma guerra regional?

Eu não acho, pelo menos por enquanto, que as operações na campanha atual contra o Hezbollah vão envolver outros países. O que certamente mudou, um ano após o 7 de outubro, é que Israel está lutando em várias frentes: primeiro contra o Hamas, por causa do que aconteceu em 7 de outubro, e agora contra o Hezbollah. Israel está atualmente envolvido em uma guerra multifacetada, que pode se expandir ainda mais. Mas, mesmo assim, o que é diferente após o 7 de outubro, um ano depois, é que ainda não envolveu outros países. O Irã ainda não está em guerra aberta com Israel, apesar dos ataques periódicos. Israel está lutando em várias frentes, mas tentando não se comprometer em excesso. Mas o cenário é de incerteza. Nas últimas duas semanas, os eventos se sucederam rapidamente, com ataques israelenses sem precedentes. As coisas podem mudar amanhã. 

Como vê a participação dos EUA?

Os Estados Unidos estão fazendo o possível para não se envolver diretamente. Os EUA têm uma presença militar significativa na região, principalmente para fins de defesa e para proteger seus interesses. Mas, até agora, não estamos vendo, pelo lado dos EUA, uma resposta como a que vimos após o 11 de Setembro, com as guerras no Iraque e no Afeganistão. Esta administração [Biden] não quer envolver os EUA na região dessa maneira. A administração Trump (2017-2021) também não quis. Agora, estamos a um mês da próxima eleição e acho que nenhum dos candidatos quer operações de combate da forma que foram conduzidas após o 11 de Setembro. 

O que o governo dos EUA poderia fazer melhor para tentar ajudar a resolver a situação?

Infelizmente, a situação mostra os limites da diplomacia e da influência dos EUA quando as partes diretamente envolvidas no conflito, como o Hamas e o governo israelense, não parecem ter interesse em um cessar-fogo no momento. Acho que os EUA estão tentando fazer o certo ao tentar trazer os dois lados para a mesa. Os EUA tem um relacionamento mais próximo com Israel e há outros países mais próximos tentando se aproximar do Hamas e Hezbollah para falar sobre um cessar-fogo. Mas acho que há muita raiva entre as partes no conflito neste momento e um desejo de continuar lutando. Assim, os EUA e outros países ocidentais não têm como impor um cessar-fogo. 

O governo Trump tentou aproximar Israel dos países árabes com os Acordos de Abraão. Pelo acerto, países como Emirados Árabes Unidos e Bahrein fizeram acordos com Israel. O conflito atual colocou essa aproximação em pausa?

Na administração Trump, os Acordos de Abraão eram vistos como uma grande barganha que permitiria a Israel normalizar suas situação com países da região com os quais não tinha relações, como Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita. Isso traria benefícios diplomáticos, militares, econômicos e de inteligência, e formaria um tipo de nova coalizão contra o Irã, já que Israel e Arábia Saudita veem o Irã como seu maior adversário. No entanto, após o 7 de outubro e a resposta de Israel contra o Hamas, com o alto número de vítimas civis e a destruição da infraestrutura palestina, muitos desses países, como a Arábia Saudita, colocaram os Acordos de Abraão em pausa. Eles querem ver uma resolução para o conflito e um plano para o que virá depois, algo como sobre como ficaria o mundo com uma solução de dois estados. De dentro da administração Trump, cinco anos atrás, os acordos eram vistos como um novo tipo de desenvolvimento na região, que teria múltiplos benefícios. No entanto, para Gaza, isso pode ser visto como ameaça, pois eles possuem uma parceria estratégica com o Irã. 

O governo Trump tentou também propor uma solução de dois estados. Como vê a possibilidade da criação de um estado palestino após tudo isso? E acha que um novo governo, seja de Kamala Harris ou Donald Trump, tentará promover essa solução novamente?

Todo presidente dos EUA, desde Bill Clinton (1993-2001), tem proposto uma solução de dois estados. Isso tem sido um tema consistente na política externa americana. O problema é que os dois lados precisam concordar. Houve várias ocasiões em que parecia haver um acordo em vista, mas em nenhum momento a Autoridade Palestina, que representa os palestinos, aceitou. Houve várias oportunidades perdidas para chegar a uma solução de dois estados. Aqui estamos de novo, em 2024, indo para outra eleição. Qualquer um que vença, seja o presidente Trump ou a vice-presidente Harris, eles vão tentar trazer para a mesa a solução de dois estados. Mas o cenário da região está diferente agora, por causa da guerra contra Gaza. E do lado de Israel, é difícil prever se há apetite político para pensar sobre isso enquanto se luta guerras em vários frentes. 

Tanto no caso da invasão de Gaza quanto na do sul do Líbano, Israel disse que seriam operações breves, para destruir as capacidades do Hamas e do Hezbollah de atacar novamente. No entanto, o conflito com o Hamas já vai para o segundo ano. O senhor vê um fim possível para estas guerras?

Pelo menos da minha perspectiva, infelizmente não. Estamos há um ano com uma campanha israelense contra o Hamas. Está levando muito mais tempo do que o previsto para as IDF (Forças de Defesa de Israel) atingirem todos os seus objetivos. O Hamas perdeu milhares de combatentes, suas capacidades militares foram degradadas, mas ainda há provavelmente milhares de combatentes restantes. Alguns líderes do Hamas ainda estão vivos, e há centenas de reféns que não foram resgatados. Esse é provavelmente o maior objetivo do público israelense, e um ano depois isso ainda não foi alcançado. Os civis estão sofrendo muito também. A infraestrutura de Gaza foi destruída.

Como vê a operação contra o Hezbollah?

Israel dizimou a liderança sênior do Hezbollah. Muitos dos líderes da época de sua fundação, nos anos 1980, foram mortos e substituídos por novos líderes, de uma nova geração. A operação contra os pagers e rádios do Hezbollah aparentemente feriu mais de 1.000 combatentes. O Hezbollah está realmente sob uma grande pressão. Perderam armas e equipamentos. Tropas de Israel estão desde novembro do ano passado destruindo metodicamente os bunkers, túneis e posições de ataque do Hezbollah. No entanto, o grupo permanece resiliente e forte, com muitos combatentes sob seu comando e ainda tem capacidades significativas para lançar mísseis. Como o confronto com o Hamas, essa guerra pode se arrastar, a menos que ambas as partes cheguem a algum tipo de cessar-fogo, mas é difícil prever quando isso pode acontecer. É um momento muito perigoso e volátil na região. Todos os dias, emergem novos detalhes e aspectos do conflito, o que sugere que a luta vai continuar. Não acho que haverá um processo de cessar-fogo neste momento, apesar de todos os bons esforços do lado diplomático. 

Israel culpa o Irã por toda essa situação. Qual o papel de Teerã na crise atual?

O Irã esteve envolvido na criação tanto do Hezbollah quanto do Hamas, e os treinou, financiou, apoiou e armou ao longo dos anos, fazendo deles o que são hoje. O Hamas tem estado sob muita pressão no último ano e teve sua força como organização terrorista atingida, mas eu diria que o Hezbollah é um adversário muito mais perigoso para Israel, tanto qualitativa quanto quantitativamente, e isso se deve ao seu relacionamento com o Irã. Sem o Irã, o Hamas e o Hezbollah não seriam o que são hoje.

Como vê os papéis da Rússia e da China neste conflito? 

Não acho que a Rússia e a China estejam diretamente envolvidas no conflito no Oriente Médio neste momento, pelo menos com relação às guerras que Israel está enfrentando. A Rússia está claramente focada na Ucrânia, e o Irã fornece armas para a Rússia. Há muitos relatos de que a China está ajudando a Rússia, especialmente com equipamentos e tecnologias de uso dual, que podem ter usos civis e militares. No entanto, esses países não parecem estar ativamente envolvidos no conflito no Oriente Médio.

Acompanhe tudo sobre:IsraelConflito árabe-israelenseHamasEstados Unidos (EUA)

Mais de Mundo

Ataque a tiros em escola mata ao menos três e deixa vários feridos em Wisconsin, nos EUA

Milei facilita acesso a armas e decreta redução da idade mínima para posse na Argentina

Ministra da Educação de Trinidad e Tobago e seus dois filhos morrem em um incêndio

Yamandú Orsi anuncia seu gabinete e escolhe Mario Lubetkin como futuro chanceler do Uruguai