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Equipe econômica do talibã: ilustres desconhecidos e zero qualificações

Nesta semana, o grupo extremista anunciou seu novo governo, que vai passar a administrar o Afeganistão

Talibã: grupo anunciou a nova formação de seu governo nesta semana. (Haroon Sabawoon/Getty Images)

Talibã: grupo anunciou a nova formação de seu governo nesta semana. (Haroon Sabawoon/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 10 de setembro de 2021 às 16h16.

Por Carlo Cauti*

Na última quarta-feira os talibãs anunciaram seu novo governo, que vai administrar o Afeganistão reconquistado pelos estudantes integralistas islâmicos. 

O mundo ficou chocado ao saber que o ministro do Interior é um terrorista com mandato de prisão emitido pelo FBI, que ofereceu uma recompensa de US$ 10 milhões (cerca de R$ 55 milhões) para quem o capturasse. Ou que o primeiro-ministro está na lista dos procurados pelas Nações Unidas. Ou que dois prisioneiros da prisão de Guantánamo vão ser ministros. 

O que pouca gente está olhando é a qualidade dos homens (pois não há mulheres no novo Executivo) que liderarão a economia do Afeganistão. 

O país está prestes a mergulhar em uma crise econômica e de liquidez sem precedentes, capaz de causar uma gigantesca crise humanitária. 

Há dias, os caixas eletrônicos tem um funcionamento intermitente. As instituições de crédito locais estão à beira da falência. A moeda afegã, já em baixa histórica, está em franca hiperdesvalorização, enquanto a inflação (especialmente dos preços dos alimentos) está em níveis recorde. 

O suprimento físico de dinheiro do Afeganistão está sendo comprometido, pois o Banco Central parou de imprimir sua própria moeda.

Por isso é necessário agir imediatamente. 

Se o Afeganistão fosse um país "normal", a prioridade do governo seria um plano para relançar a economia. 

Só que na melhor das hipóteses, as novas autoridades encarregadas de presidir o Banco Central, ou liderar os principais Ministérios econômicos são ilustres desconhecidos ou autoridades religiosas. Sem nenhuma preparação técnica ou econômica. 

Por exemplo, Mohammad Idris, o novo governador do Banco Central Afegão. O homem que terá de inventar uma política monetária de emergência. Mas cujo currículo deixa muito perplexos. Sua posição de maior prestígio foi quando foi apontado chefe da Comissão Econômica do Talibã. Uma espécie de superministro da Fazenda que cuidava das atividades ilegais utilizadas para financiar o grupo extremista. Entre elas, as extorsões impostas à população dos territórios que o Talibã conquistava, ou o contrabando de minerais e de outros bens. 

"Idris tratará dos problemas crescentes do setor bancário e da população", assegurou o porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahed no momento da apresentação do governo. 

Mas uma coisa é lidar com o fluxo de dinheiro ilegal para a guerrilha, outra é desenvolver uma política monetária e financeira capaz de superar a desconfiança no exterior e salvar um país à beira do desastre.

Outra figura problemática é o novo ministro da Economia. Embora mais conhecido, Din Mohammad, 61 anos, é um político especialista em questões religiosas, e não um economista. 

Ex-membro do Conselho Supremo do Talibã, fez parte da equipe que negociou no Catar a saída dos americanos do Afeganistão. 

No primeiro governo Talibã (1996-2001),  Mohammad foi ministro do planejamento e educação superior. 

Diz-se dele que aos 15 anos já sabia de cor o Alcorão. E quem, fugindo para o Paquistão durante a guerra, continuou o processo de Dars-i Nizami, o estudo religioso nas escolas islâmicas, as madrassas. O que não inclui estudar assuntos econômicos.

Menos ainda se sabe sobre o mulá Hidayatullah Badri, o atual ministro das Finanças. Exceto que ele também é religioso. E que nunca estudou economia.

Em suma, os responsáveis das pastas econômicas do novo Emirado Islâmico do Afeganistão não parecem ter o currículo suficiente para convencer os americanos a descongelar os US$ 10 bilhões de reservas do Banco Central afegão. 

Por outro lado, o Talibã ainda está sob sanções internacionais. E nenhum país parece querer tomar decisões arriscadas. Por enquanto, nem mesmo a China.

Nesse vazio criado entre a queda do antigo governo, reconhecido pela comunidade internacional, e a chegada do Talibã, há milhões de salários públicos a pagar. 

Mesmo antes dos extremistas islâmicos chegarem ao poder, mais da metade da população do país dependia de ajuda humanitária. 

Considerando que a ajuda externa representou 3/4 dos gastos do governo, e que, segundo a ONU, uma gravíssima crise alimentar está cada vez mais próxima, o Talibã não sabe mais o que fazer

O que eles mais precisariam é de conhecimentos para superar a desconfiança dos estrangeiros. E é por isso que, ainda mais do que a fuga de capitais, que já se esgotaram, o novo governo Talibã tem muito mais medo de outra fuga, a de cérebros. Sem eles, a falência de novo Emirado parece inevitável.

*Carlo Cauti é editor multimídia da EXAME Invest.

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