Série de foguetes disparados por militantes palestinos da Cidade de Gaza em direção a Israel, em 7 de outubro de 2023 (AFP/AFP)
Editor de Macroeconomia
Publicado em 7 de outubro de 2023 às 15h40.
Última atualização em 7 de outubro de 2023 às 16h09.
Os ataques do Hamas em Israel nesse sábado, 7, desnudaram que o conflito na região, que perdeu os holofotes nos últimos tempos por causa da guerra na Ucrânia, permanece em alta intensidade e longe de um desfecho.
No curto prazo, é evidente que o estado israelense, liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, não poupará esforços para demonstrar sua força. "Israel empurrará de volta os palestinos de Gaza para Gaza, vão se reconstruir as cercas e retornaremos a um estado de maior securitização da região, que já é securitizada. Sem dúvida, teremos entrada de mais militares, policiamento mais ativo e agressão contra civis na região de Gaza, que é o grande pecado disso tudo", diz em entrevista à EXAME Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
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Especializado na região, Amaral avalia na conversa a nova configuração de poderes geopolíticos no Oriente Médio, os efeitos imediatos para a conturbada política interna israelense e quais reações são importantes de observar após os ataques do Hamas a Israel.
Leia a íntegra de entrevista.
Os ataques do Hamas em Israel chamaram a atenção e surpreenderam o mundo. Como os avalia?
Há um elemento tático no sentido das lutas de insurgência de maneira geral, que são os ataques surpresa. São parte da estratégia de combater um inimigo extremamente superior em capacidade militar. Israel é um país que é uma potência militar e produz uma série de práticas e armamentos que são exportados pelo mundo todo. A força comparativa é desproporcional. O ataque é surpresa, mas ser surpresa não é uma surpresa. É natural em uma resistência que seja inesperado. Mesmo que haja nesse caso uma efeméride, os 50 anos da guerra de Yom Kippur. Tem essa lembrança e memória histórica de 50 anos atrás. Em 1973, havia consenso geral árabe de combate a Israel após a Guerra dos 6 dias. Muito rapidamente ocuparam o Sinai e chegaram às Colinas de Golã. A resposta árabe veio anos depois com Síria e Egito.
Qual a relação entre os dois episódios a novidade nos ataques atuais?
Essa efeméride explica um pouco esse momento. Um ataque de proporções tão grandes de uma força insurgente que tem capacidade militar. Essa incursão é nova e diferente. Ataques não são novidade. A proporção e o avanço territorial são surpreendentes.
Nos últimos tempos, a política israelense tem passado por turbulências locais, inclusive com grandes manifestações populares contra a corrupção. É possível pensar em uma falta de foco na questão de segurança?
Tem uma série de aspectos novos no Oriente Médio que explicam esse atentado do ponto de vista da perspectiva regional em si. Vemos a ascensão notória de novos atores na região. Um deles é a China, intermediário entre países que historicamente não se comunicavam (Irã e Arábia Saudita). Trata-se de uma reconfiguração geopolítica que mantém os mesmos poderes, ou uma reconfiguração de alianças. Em Israel, temos um governo de extrema direita, o mais conservador da história do país, com grandes representações de radicais, que foram a base do governo Netanyahu. Ele já foi presidente outras vezes. Dessa vez, ele dependeu dos radicais. Sem dúvida, esse é outro elemento. Toda a perspectiva extremista gera instabilidade, que será explorada pelo inimigo.
Por um lado, reflete a lógica contínua da ocupação israelense dos territórios palestinos. Até aí, tudo bem. A resistência sempre existiu. Por outro lado, existe um momento de intensa agressão. Alguns documentos de grupos ativistas apontam como essa repressão contra parte da população palestina tem se intensificado na região, em lugares como Jenin e outras cidades e bairros com presença palestina. Essas imagens, que não são incomuns (violência policial, na prática), fomentam a existência do Hamas e está na carta que eles enviaram. Eles publicaram uma carta oficial, dizendo que vivem um processo de violência contra a comunidade palestina e esses ataques são manifestações de resistência. Indicam a continuação do conflito. Estamos muito longe de resolver esse problema.
Do ponto de vista mais amplo, como entender esse ataque em um contexto diferente do Oriente Médio? Há veículos internacionais falando em um 11 de setembro israelense...
Há vários fatores internacionais. Por exemplo, estamos no contexto de guerra na Ucrânia. Não é igual há cinco ou 10 anos, quando esperaríamos uma resposta imediata de apoio dos EUA. Até aqui, houve manifestações diplomáticas bastante básicas de que apoiam, mas nenhuma mobilização militar ativa. Israel, por si só, está tendo uma capacidade de contrainsurgência. O resultado que prevejo: Israel empurrará de volta os palestinos de Gaza para Gaza, vão se reconstruir as cercas e retornaremos a um estado de maior securitização da região, que já é securitizada. Sem dúvida, teremos entrada de mais militares, policiamento mais ativo e agressão contra civis na região de Gaza, que é o grande pecado disso tudo. Apesar da grande aventura militar do Hamas, que fez questão de publicizar muito o ato para mostrar que a resistência existe, é totalmente desproporcional. É um exagero falar em um 11 de setembro israelense. Não se trata de um atentado terrorista, mas um ataque militar irregular. Temos soldados atacando, matando outros soldados e militares israelenses. Não foram homens-bomba. Além disso, podemos ver pela quantidade de pessoas mortas: mais ou menos 100 soldados israelenses que morreram até agora e mais de 200 palestinos.
Como avalia a resposta dos Estados Unidos aos ataques?
O discurso de Joe Biden foi bem protocolar. Foi assertivo na crítica do atentado e disse que oferecerá todo apoio na defesa de Israel. É importante verificar a continuação da parceria EUA e Israel. Em um cenário de guerra na Ucrânia, disputa de hegemonia com a China e instabilidade política com a proximidade das eleições americanas, é um protocolo de auxílio a Israel. Mas com intensidade muito menor do que veríamos nos anos 90 e 2000. Portanto, trata-se de continuidade de auxílio que os EUA já têm com Israel. Não seria surpreendente se houvesse ampliação dessa ajuda militar americana nos próximos dias.
O que é possível prever como consequência para Netanyahu e a política interna de Israel?
Pode ter um efeito dúbio para Netanyahu. Em um lado, pode evidenciar a fragilidade política (podem dizer: 'todo esse aparato militar e sofremos esse ataque'). De outro lado, pode ser uma oportunidade porque quando se recebe um ataque a resposta natural é ser justo contra-atacar. Ele, que é apoiado pela ala de extrema direita, vai agradar e intensificar a segurança. O ataque tende a unir, a fortalecer o sentimento de união nacional e resistência do Estado. Você pode ser sionista de esquerda ou direita, mas nesse sentido haverá consenso. Manifestações que havia serão temas secundários. O tema agora é resistência estatal. Todos os momentos da história de Israel chegam a esse ponto. A criação do Estado, a crise de Suez, a Guerra dos 6 dias, Yom Kippur, essas datas têm em comum esse senso de unidade, da sobrevivência do estado de Israel. O momento da conflitualidade gera esse tipo de sentimento nacionalista. Esse é o ponto em que Netanyahu é forte e engrandece.
O que devemos observar agora?
Várias reações que são importantes. Em primeiro lugar, observar tradicionais "inimigos de Israel", como Irã. Ele provavelmente vai se manifestar com apoio discreto. Além disso, observar as reações de Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, que firmaram um acordo - desenvolvido com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump - que conectava esses países a Israel, os Acordos de Abraão. Importante ver quais os posicionamentos formais deles.
Outro ponto interessante será observar a China. Vamos lembrar que em julho, Xi Jinping (presidente da China) recebeu a liderança da Autoridade Palestina. Ele já disse que essa era uma das missões diplomáticas que mais aguardava. Isso demonstra uma vontade hegemônica na política internacional. Nas entrelinhas, é como se a China dissesse: essa questão nunca foi resolvida, agora vou me envolver. Por isso, é importante observar a posição chinesa nesse cenário. Ela está interessada em penetrar no Oriente Médio (e já está), uma série de Estados têm comércio em moeda chinesa (e não em dólar). Vale um olhar nisso.