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Entenda a crise que levou à renúncia de Evo e polarizou a América Latina

Alguns presidentes denunciaram um "golpe" e outros comemoraram a saída do presidente bolivariano; confira a cronologia

Bolívia: renúncia de Evo Morales reforçou a polarizou dos governos de toda a região (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)

Bolívia: renúncia de Evo Morales reforçou a polarizou dos governos de toda a região (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)

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Reuters

Publicado em 11 de novembro de 2019 às 11h37.

Última atualização em 11 de novembro de 2019 às 16h18.

Caracas — A renúncia do presidente da Bolívia, Evo Morales, um dos últimos líderes no poder da onda de esquerda que se espalhou pela América Latina duas décadas atrás, reforçou a polarização dos governos na região, com alguns presidentes denunciando um "golpe" e outros comemorando sua saída.

Morales, o primeiro líder indígena da Bolívia a chegar à presidência, encerrou seu governo de 13 anos depois que aliados o abandonaram na esteira de semanas de protestos contra a eleição contestada de 20 de outubro, que abalaram a nação andina. No domingo, os militares e apoiadores políticos cruciais pediram a renúncia do presidente.

Governos latino-americanos de direita, entre eles Colômbia e Peru, pediram ao Estado boliviano que garanta a lisura das novas eleições. O Brasil disse que uma "tentativa de fraude eleitoral maciça deslegitimou" o líder boliviano".

Já o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro — cujo antecessor socialista, Hugo Chávez, serviu de mentor ocasional de Morales —, disse aos seus apoiadores que se mobilizem em apoio ao ex-líder da Bolívia.

"Temos que cuidar de nosso irmão Evo Morales", disse Maduro em uma transmissão gravada na televisão estatal venezuelana. "Precisamos declarar uma vigília em solidariedade para protegê-lo".

A posição de Maduro se fortaleceu com a volta de líderes de esquerda aos governos do México e da Argentina, mas a renúncia de Morales pode prejudicar o líder venezuelano, que vem se aferrando ao poder neste ano apesar de uma campanha oposicionista para convencer as Forças Armadas a se rebelarem.

O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, outro aliado de longa data de Morales, tuitou sua "solidariedade" e disse: "O mundo precisa ser mobilizado pela vida e pela liberdade de Evo".

O governo mexicano rejeitou o que classificou como uma operação militar em andamento na Bolívia, acrescentando que não deve haver "nada de golpe". O México ofereceria asilo a Morales se ele o pedisse, disse o ministro das Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrard, no Twitter, mas não surgiu nenhum pedido de imediato.

Já o presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, que conquistou uma vitória arrasadora em uma eleição no mês passado na terceira maior economia da América Latina, disse que "a ruptura institucional na Bolívia é inaceitável".

O governo brasileiro disse que apoiaria uma transição democrática na Bolívia e rechaçou o argumento da esquerda sobre um golpe de Estado.

"Não há nenhum golpe na Bolívia. A tentativa de fraude eleitoral maciça deslegitimou Evo Morales, que teve a atitude correta de renunciar diante do clamor popular. Brasil apoiará transição democrática e constitucional. Narrativa de golpe só serve para incitar violência", disse o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, em publicação no Twitter.

Renúncia de Morales

No domingo, Morales disse que renunciaria para apaziguar a violência que tomou conta da nação sul-americana desde a eleição, mas despertou o temor de mais tumultos ao repudiar um "golpe" contra ele e dizer que sua casa foi atacada.

Evo pediu aos seus rivais políticos Carlos Mesa e Luis Fernando Camacho, que assumam a responsabilidade de pacificar o país e os chamou de "golpistas". "Mesa e Camacho, descriminadores e conspiradores, entrarão na história como racistas e golpistas. Que assumam a responsabilidade de pacificar o país e garantir a convivência pacífica de nosso povo", afirmou Morales no Twitter.

As tensões no país, que está em ebulição há semanas, aumentaram durante a noite em meio ao vácuo político criado pela saída de Morales, seu vice-presidente e muitos de seus aliados políticos.

Na capital La Paz e na cidade de Santa Cruz, no leste, multidões comemoraram a renúncia de Morales, que provocou ira ao concorrer a um quarto mandato, desafiando os limites legais de mandatos, e declarar vitória em uma eleição maculada por alegações de fraude.

Com a chegada da noite, porém, gangues percorreram as ruas saqueando negócios e ateando fogo em propriedades. Waldo Albarracín, acadêmico e figura destacada da oposição, tuitou que sua casa foi incendiada por apoiadores de Morales.

Outro vídeo muito compartilhado pareceu mostrar pessoas dentro da propriedade de Morales e pichações nas paredes depois que o líder de esquerda viajou para outra parte do país.

Inicialmente, não ficou claro quem assumirá o comando da Bolívia até a convocação de novas eleições, mas a senadora de oposição Jeanine Añez disse em comentários transmitidos pela televisão que aceitaria a responsabilidade.

De acordo com a lei boliviana, na ausência do presidente e do vice-presidente, o chefe do Senado assumiria provisoriamente -- mas a ocupante do cargo, Adriana Salvatierra, também renunciou na noite de domingo.

Parlamentares devem se reunir nesta segunda-feira para aprovar uma comissão ou parlamentar que teria o controle administrativo temporário da nação, segundo um advogado constitucionalista que conversou com a Reuters.

Um relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) divulgado no domingo disse que a eleição de 20 de outubro deveria ser anulada e que uma nova votação deveria ser realizada depois de descobrir "manipulações claras" do sistema eleitoral que criaram dúvidas sobre o triunfo de Morales.

A cronologia da crise após as eleições

Eleição presidencial

Em 20 de outubro foi celebrada na Bolívia a eleição presidencial. O esquerdista Evo Morales, primeiro chefe de Estado indígena no país e no poder há 13 anos, tenta o quarto mandato, apesar de a possibilidade ter sido rejeitada em um referendo em 2016 e posteriormente avalizada pela justiça. De nove candidatos, só o centrista Carlos Mesa, que exerceu a Presidência entre 2003 e 2005, estava na corrida para enfrentá-lo em um eventual segundo turno.

Rumo a um segundo turno

Na noite da votação, Morales liderava a apuração com 45,28% dos votos à frente de Mesa, que tinha 38,16%. Os dois candidatos se encaminhavam, assim, para um segundo turno sem precedentes na Bolívia, após a apuração de 84% dos votos. Para evitar um segundo turno, o candidato principal deve obter a maioria absoluta ou pelo menos 40% dos votos com uma diferença de dez pontos percentuais sobre o segundo colocado.

A oposição e os observadores internacionais criticaram o ritmo lento das autoridades para divulgar o resultado final, temendo uma possível fraude. Na segunda-feira, 21 de outubro, o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) atribui 46,4% dos votos a Morales contra 37,07% para Mesa, com 95,63% das urnas apuradas. A brecha se aproxima dos dez pontos necessários para a vitória no primeiro turno. Mesa denuncia "fraude".

As ruas ardem

Em várias regiões eclodiram incidentes violentos, que incluíram incêndios, confrontos com a Polícia e saques. Manifestantes queimaram na segunda-feira três escritórios regionais do TSE. Na terça, 22, organizações civis opositoras convocaram uma greve geral a partir da quarta-feira por tempo indeterminado. Na quarta, 23, Morales denuncia que "está em andamento um golpe de Estado" por parte da direita boliviana, com apoio internacional. A greve, replicada em todo o país, é salpicada de incidentes entre partidários dos dois lados.

Adversários de Morales protestam em Cochabamba, na Bolívia

Adversários de Morales protestam em Cochabamba, na Bolívia (Danilo Balderrama/Reuters)

Vitória oficial

Na sexta, dia 25, após os resultados definitivos, Morales é declarado oficialmente vencedor com 47,08% dos votos contra 36,51% para Mesa. A oposição, a União Europeia, os Estados Unidos, a Organização de Estados Americanos (OEA), a Colômbia e a Argentina exigem um segundo turno. Os bloqueios nas ruas e os confrontos continuam.

Auditoria da OEA

Na segunda, 28, os protestos se intensificam com vários bloqueios e enfrentamentos com a polícia ou entre simpatizantes e opositores de Morales. No dia 31, começa uma auditoria da OEA sobre a apuração, solicitada pelo governo, mas rejeitada pela oposição.

Camacho lidera o desafio

Em 2 de novembro, Luis Fernando Camacho surge como a face mais visível e radical da oposição, ao chamar o Exército e a Polícia a "se colocar ao lado do povo" e exortar o presidente a renunciar. Morales convoca as Forças Armadas a "servir ao povo boliviano", mantendo-se junto de seu governo. No dia 4, Mesa exige que se realize uma nova votação.

Luis Fernando Camacho durante protestos na Bolívia

Luis Fernando Camacho durante protestos na Bolívia (Carlos Garcia Rawlins/Reuters)

Demissão

No domingo, 10, Morales anuncia que vai convocar "novas eleições nacionais que, mediante o voto, permitam ao povo boliviano eleger democraticamente novas autoridades". Pouco antes, ao divulgar o informe preliminar de sua auditoria, a OEA havia exigido a anulação das eleições presidenciais de outubro e a realização de novas eleições. A organização assegurou ter encontrado várias "irregularidades" em sua análise das eleições.

Dois ministros e o presidente do Congresso renunciam depois que seus partidários são atacados por oposicionistas. As Forças Armadas e a Polícia, por outro lado, exigem a renúncia de Morales. Finalmente, de sua região natal no centro da Bolívia, Morales renuncia depois de quase 14 anos no poder.

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