Eleições nos EUA: votação em condado decisivo é feita em igrejas e 'drive-thru'
Em Grand Rapids, cidade que simboliza a disputa no país, eleitores podem receber cédulas pelo correio e depositá-las na urna sem sair do carro
Repórter de macroeconomia
Publicado em 7 de agosto de 2024 às 12h28.
Última atualização em 7 de agosto de 2024 às 13h32.
Grand Rapids, Michigan - Uma caixa grande, no meio da calçada, guarda o futuro da política nos Estados Unidos. É uma urna, onde eleitores podem depositar seus votos, sem sair do carro.
A EXAME ficou ali, do lado de uma delas, na frente da biblioteca Yankee Cliper, em Grand Rapids, no oeste de Michigan, na votação das primárias, no fim da tarde de terça-feira, dia 6. Michigan é um dos estados mais decisivos da eleição, e Grand Rapids, com 198 mil habitantes, integra o condado de Kent, um dos mais disputados do estado.
Na primária desta terça, estavam em disputa cargos como prefeito, deputado federal, deputado estadual e senador, além de um plebiscito com três questões.
Nessa etapa, cada eleitor escolhe os candidatos do partido com o qual se identifica, como se fosse um primeiro turno. A decisão final, com a disputa entre os partidos, será em 5 de novembro.
Além de bibliotecas, havia pontos de votação e de entrega de cédulas em lugares diversos, como escolas, clubes comunitários e igrejas, de várias denominações — católica, batista, anglicana... Cabines de votação, supervisionadas por funcionários do governo, foram montadas em áreas abertas nos templos.
Já a votação " drive-thru " é parte do modelo utilizado pelo correio, que ficou mais fácil em Michigan depois de 2022. Antes, quem estava longe de sua zona eleitoral poderia pedir uma cédula pelo correio e depois enviá-la de volta pelo correio ou depositá-la em uma urna em locais públicos, mas era preciso ter uma justificativa.
Depois da mudança, não é preciso mais informar uma razão: basta pedir a cédula e recebê-la em casa. Além disso, quem pedir uma vez passa a poder optar por receber para sempre as cédulas desta forma. As cédulas, no entanto, precisam chegar para a contagem até às 20h do dia da eleição. Assim, quem não mandou pelo correio a tempo ou não entregou antes estava correndo para entregar o documento a tempo.
A votação desta forma é criticada pelo ex-presidente Donald Trump e por outros republicanos, que dizem que há maior risco de fraude, mas sem apresentar provas. Autoridades de Michigan dizem que conferem os nomes e assinaturas dos eleitores em cada cédula, para garantir a segurança do processo.
Em meia hora na biblioteca, a EXAME viu oito pessoas depositarem seus votos na caixa do lado de fora. Duas vieram a pé, uma, de bicicleta e as demais, de carro. Bastava parar do lado, estender a mão e depositar.
Já outras dez entraram para votar do modo tradicional: foram até a cabine e preencheram a cédula na hora. Embora sem fila, o processo era demorado pois havia muitas coisas para opinar.
Por que Grand Rapids importa nas eleições dos EUA?
Grand Rapids integra Kent, um dos maiores condados de Michigan, com mais de 600 mil habitantes. Tanto a cidade quanto o estado têm se comportado como pêndulos. Em Kent, por exemplo, Donald Trump venceu em 2016, por três pontos percentuais de diferença, e Joe Biden foi o mais votado em 2020, com seis pontos percentuais de vantagem.
Não à toa, a cidade — e os condados próximos a ela — entraram no radar das campanhas eleitorais de Trump e de Kamala Harris.
Grand Rapids foi a primeira parada de Trump após a convenção republicana, no dia 20 de julho. Até aquele momento, o republicano vivia uma fase de impulso na campanha, depois de escapar por um triz de um atentado e consolidar sua dominância sobre seu partido.
"Eu estou aqui em frente de vocês só pela graça de Deus. Eu não deveria estar aqui. Algo muito especial aconteceu", disse, logo no início do discurso.
Dois dias antes, Kamala Harris havia estado em Kalamazoo, uma cidade do Michigan de 73 mil habitantes a 80 quilômetros de Grand Rapids. Na época, ela ainda não era a candidata democrata à Presidência — embora o processo de fritura de Biden estivesse avançado.
Nas eleições presidenciais dos EUA, o candidato que tiver mais votos populares em cada estado leva todos os votos daquele estado no Colégio Eleitoral. Assim, quem for bem em Grand Rapids aumenta suas chances de levar Michigan inteiro. E, com isso, a Casa Branca.
Plebiscito sobre estádio
Uma das questões do plebiscito em Grand Rapids na terça era se a cidade deveria aumentar uma taxa sobre hotéis para custear a construção de um estádio de futebol e de outras estruturas turísticas. As outras duas se referiam a aumentar recursos para um programa de bibliotecas e outro de apoio à primeira infância.
Entre os eleitores que falaram com a EXAME quase todos defendiam as medidas.
"Vim votar hoje porque queria votar a favor das propostas, que são importantes", disse Christine, que veio junto com o marido.
"Estou muito preocupada sobre preservar nossos direitos. Eu nasci em 1950. Lembro um pouco como as coisas eram nos anos 1960 e 1970, quando as coisas realmente mudaram, e não podemos ter retrocessos", disse Lenora, outra eleitora que deixou seu voto no fim da tarde de terça.
"Eu queria votar, mas preciso fazer dinheiro. Vou deixar para dar meu voto quando importa, em novembro", disse Julius, motorista de aplicativo da cidade que buscou a reportagem na biblioteca.
"Kamala deu uma energizada na campanha, seria um feito histórico se ela ganhar, por ser mulher e negra. Mas a inflação está alta e Trump, por ser empresário, pode saber lidar melhor com isso", comenta ele, um homem negro, que veio do Congo para os EUA há 23 anos e tem dois empregos.
Além de motorista de aplicativos, também entrega comida para completar a renda. "No governo Trump, a gasolina custava US$ 1,70, US$ 2 o galão. Agora custa US$ 4, e as tarifas para os usuários subiram pouco", lamenta. "Não sei quem vai ganhar, muita coisa pode acontecer até lá."
Nesse ponto, o homem está correto. Faltam pouco menos de 100 dias para a eleição, e muita coisa ainda acontecerá. Em Grand Rapids e por todos os lados do país.