Javier Milei: figura antissistema da direita radical projetou-se no cenário político em 2020. (Luis Robayo/AFP)
Redação Exame
Publicado em 18 de novembro de 2023 às 08h02.
Última atualização em 19 de novembro de 2023 às 23h06.
A Argentina elegeu neste domingo, 19, Javier Milei como novo presidente do país. Com 86,59% das urnas apuradas, o deputado somava 55,95% dos votos, ante 44,04% de Sergio Massa, ministro da Economia.
Milei se define como "anarcocapitalista": defende que o capitalismo funcione sem regulação do Estado. Ele defende mudanças radicais na Argentina, como adotar o dólar como moeda oficial, acabar com o Banco Central e "passar a motoserra" no Estado, para cortar gastos. Também já falou em reforma tributária para reduzir impostos, facilitar o porte de armas e permitir a compra e venda de órgãos humanos.
O discurso forte tem atraído argentinos cansados de um sistema político que não consegue resolver a crise econômica do país. Na última década, a oposição de centro-direita e governos de inspiração peronista se alternaram no poder, mas nenhum conseguiu conter a inflação, que supera 100% ao ano, e a disparada do dólar. Os dois fenômenos reduzem o poder de compra e aumentam a pobreza, que atinge 40% dos argentinos.
Em agosto de 2018, há cinco anos, um dólar comprava 30 pesos, na cotação oficial. Nesta sexta, 17, a moeda americana passou a valer 353 pesos. Na prática, no entanto, poucos argentinos conseguem essa taxa. Como comparação, no Brasil, um dólar valia R$ 4,10 em agosto de 2018 e hoje vale R$ 4,91.
Sem credibilidade internacional, o governo argentino tem poucas opções para manejar a crise. O país já pegou empréstimos com o FMI e busca agora renegociar as regras do acordo, em busca de mais vantagens.
Milei repete a receita da direita populista que deu certo nas urnas com Donald Trump e Jair Bolsonaro: culpar a elite política do país e o "sistema" pelos problemas e prometer combatê-la, se mostrar como uma pessoa autêntica, que não tem medo de falar o que pensa, e prometer recuperar a força do homem comum. Ele diz na campanha que veio "despertar leões".
O novo presidente argentino é formado em economia, escreveu 11 livros, ficou conhecido por fazer comentários ácidos na TV e assumiu o primeiro mandato como deputado em 2021.
O fato de mesmo políticos tradicionais terem desistido do pleito, como os presidentes Cristina Kirchner e Mauricio Macri, e o atual mandatário, Alberto Fernández, ajudaram a abrir espaço para Milei.
Seis anos antes de ser eleito deputado em 2021, projetando-se para concorrer à Presidência da Argentina neste ano, Javier Milei era o economista-chefe da Corporação América, que controla, entre outras empresas, a Aeroportos Argentina 2000. Naquele ano, 2015, ele decidiu levar suas teorias econômicas libertárias aos canais de TV locais com a meta de se tornar conhecido.
Um certo dia almoçava em um restaurante de Palermo e pediu a um colega de trabalho que o apresentasse ao conhecido apresentador de programas de entrevistas e debates Alejandro Fantino, que estava no mesmo local. Pouco depois de uma primeira conversa improvisada, Fantino convidou Milei para ir a seu programa, e naquele dia a audiência, segundo lembrou o próprio apresentador em entrevistas a meios locais, subiu.
Demorou pouco tempo para que o economista passasse a ser convidado por outros programas e se tornasse, como tinha sido seu plano desde o início, uma figura midiática relevante no país.
Milei chamava a atenção dos argentinos com suas ideias disruptivas, entre elas a de eliminar o Banco Central — pilar de seu programa de governo —, seu estilo intempestivo e seu visual. Era, em palavras de uma pessoa que o conhecia muito bem naquela época, “um combo perfeito para a TV: um economista de cabelo bagunçado, que falava coisas que pareciam delirantes, explosivo, briguento, que tinha sido goleiro de um time portenho e cantor de uma banda de rock inspirada nos Rolling Stones”.
O sucesso na TV o levou ao teatro e, paralelamente, às redes sociais, sua principal plataforma de projeção nacional. Milei se tornou um fenômeno do mundo digital e, aos poucos, conquistou uma legião de fãs em redes como Youtube, Instagram e TikTok. Num país mergulhado na decadência econômica e acostumado aos permanentes escândalos de corrupção, as falas de Milei cativaram, sobretudo, os mais jovens, base de sua militância mais radical.
Antes de entrar para a política como uma figura antissistema da direita radical, Milei foi um showman construído por ele mesmo, com características idênticas às que mostrava na vida real. O economista, formado na Universidade de Belgrano, instituição de pouco prestígio na Argentina, vem de uma família de classe média e suportou, segundo ele mesmo conta, abusos por parte de seu pai.
Em entrevistas a meios locais, Milei chegou a dizer, no passado, que para ele seus “progenitores” estavam “mortos”. Seu principal vínculo na vida é sua irmã, Karina, chefe de sua campanha e principal assessora do candidato, que já a comparou com Moisés. Os cachorros — vivos e mortos — também são muito importantes para Milei, que dedicou o resultado das primárias de agosto, quando foi o candidato mais votado, a “meus filhos de quatro patas”.
Pessoas que trabalharam com o economista nunca imaginaram que ele terminaria se transformando numa celebridade. Milei, lembram algumas dessas pessoas, era um economista que se destacava por sua inteligência, mas também por uma personalidade forte, que não titubeava na hora de chamar alguém de burro numa reunião.
Milei continuou trabalhando na Corporação América por alguns anos, até que, em 2021, quando elegeu-se deputado pelo partido que fundou, A Liberdade Avança, passou a dedicar sua vida à política. Sua relação com o dono do grupo econômico — que tem presença no Brasil —, o empresário Eduardo Eurnekian, é errática e entrou em crise quando Milei insistiu em atacar publicamente o Papa Francisco — posição que modificou nos últimos meses de campanha.
Eurnekian disse que seu ex-funcionário “tem falhas” e, numa declaração que provocou a ira de Milei, assegurou que “a Argentina não está em condições de aguentar outro ditador”.
Muitos argentinos acreditam que Eurnekian é quem está por trás da carreira política de Milei, mas pessoas próximas ao empresário garantem que ele nada teve a ver com as ambições do economista. Na reta final da campanha, a relação entre ambos se rompeu. Eurnekian sempre reconheceu a inteligência de Milei, mas não apoia o caminho escolhido pelo economista para conquistar o poder.
O candidato é uma pessoa solitária, tem poucos amigos e construiu um partido político do zero, que chegou muito mais longe do que muitos que o conheceram poderiam ter imaginado. Seu principal calcanhar de Aquiles é a falta de estrutura, que a aliança com o ex-presidente Mauricio Macri busca compensar. Mas a convivência entre ambos é uma grande incógnita, dada à dificuldade que Milei tem para tolerar críticas e opiniões contrárias às suas.
Sua relação com a rede global de extrema direita e figuras como os ex-presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump é uma peça importante em sua história. Um ex-assessor de Milei admite que surfar na onda de Bolsonaro e Trump foi uma 'ideia genial do economista' para se instalar na política argentina. O candidato conseguiu romper a aliança opositora Juntos pela Mudança e se tornar o adversário de peronistas e kirchneristas no segundo turno, uma verdadeira proeza.
Apenas oito anos depois de ter se apresentado pela primeira vez perante a sociedade argentina num programa de TV, e sem governadores, prefeitos e com uma bancada minúscula, Milei chega à disputa pela Presidência argentina tendo já conquistado o feito de ter sacudido o tabuleiro político nacional.
Não, o economista de 52 anos é solteiro e não tem filhos.
Milei é considerado um ultraliberal. Ele se define como "anarcocapitalista": defende que o capitalismo funcione sem regulação do Estado.
(Com informações da Agência O Globo)