Raúl Castro: pela primeira vez em quase 60 anos, a Presidência de Cuba recairá sobre alguém que não empunhou armas na Revolução de 1959 (Adalberto Roque/AFP)
AFP
Publicado em 9 de março de 2018 às 12h13.
Havana - Cuba elegerá, neste domingo (9), os 605 membros de sua Assembleia Nacional, um processo sem sobressaltos, no qual o número de candidatos é igual ao de cadeiras disponíveis. Salvo por um detalhe: é daí que sairá, em abril, o sucessor de Raúl Castro.
Pela primeira vez em quase seis décadas, após a liderança dos irmãos Fidel (falecido em 2016) e Raúl, a Presidência de Cuba recairá sobre alguém que não empunhou armas na Revolução de 1959. O nome do novo governante será conhecido em 19 de abril.
A data não é casual. Trata-se do 57º aniversário da vitória na Baía dos Porcos, lugar da "primeira derrota do imperialismo ianque na América Latina".
Mais de 8 milhões de cubanos são convocados a ratificar tanto os delegados de suas assembleias provinciais quanto os 605 nomes propostos para o Parlamento, lista peneirada por uma comissão de candidaturas que supervisiona o governista Partido Comunista de Cuba (PCC), único autorizado a existir.
Os candidatos propostos podem, ou não, ser membros do PCC e provêm tanto de eleições locais quanto de organizações sindicais e estudantis pró-governo. Partidos não participam.
"Não concorrem partidos políticos, nem se financiam campanhas. A base para propor e eleger os candidatos é o mérito, a capacidade e o compromisso do povo", disse Raúl Castro em 2017.
"Ninguém troca promessas por votos, nem se gaba de suas capacidades para conseguir adeptos (...) Esse é o rosto verdadeiro e excepcional do que nós chamamos, com orgulho, de democracia socialista", escreve uma articulista no jornal oficial "Granma".
Na lista, está garantida a cúpula do PCC, incluindo Castro - seu primeiro-secretário-geral -, os líderes históricos da Revolução e 322 mulheres.
Depois das eleições, o Parlamento aponta 31 membros para o Conselho de Estado, que selecionam, entre eles, o novo presidente.
Raúl, de 86 anos, completa uma década de mandato, prazo-limite estabelecido por ele mesmo para exercer a Presidência do país. Cubanos e analistas acreditam que ele será substituído pelo primeiro-vice-presidente, Miguel Díaz Canel, de 57 anos.
Díaz Canel já garantiu, publicamente, a continuidade.
"Sempre haverá presidente em Cuba defendendo a Revolução, e serão companheiros que sairão do povo", disse ele em novembro passado.
Embora seja das fileiras do PCC, ele é um personagem nascido depois da Revolução, que não faz parte dos chamados líderes "históricos".
"Um cidadão cubano ostentará a primeira magistratura do país, mas não contará com a legitimidade conferida pelo processo triunfante em 1959 e por seu desenvolvimento posterior aos dois líderes que ocuparam a direção durante esse intervalo", opinou o acadêmico Julio César Guanche, no portal OnCuba.
Segundo ele, a legitimidade virá mais da qualidade de sua "performance institucional", inclusão social na tomada de decisões e proteção de direitos "do que da qualidade da história pessoal do futuro presidente".
De acordo com Rosa María Payá, promotora de uma iniciativa da dissidência chamada "Cuba Decide" para um referendo que modifique o sistema de governo na ilha, seu coletivo estará atento a sinais "de rejeição a um processo de votação, onde realmente não podem eleger". Aqueles que se opõem costumam rabiscar a cédula de votação.
Os integrantes do opositor movimento Otro18 também promovem mudanças, afirmou seu dirigente, Manuel Costa Morúa.
"Os cidadãos não participam nem da proposta, nem da eleição do presidente, e acreditamos que este seja um momento fundamental para promover uma ação partindo da cidadania para a mudança no sistema eleitoral", defendeu.
Costa explicou que, no nível local, tentaram levar propostas de candidatos próprios, "mas houve atos de repúdio contra eles, e alguns passaram pelo que poderíamos chamar de judicialização da política para impedir que os eleitores das comunidades votassem neles".