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De Kirchner a Macri: quem representa a mulher argentina?

Superando a lei de cotas, o governo do país tem a maior participação feminina da América Latina, mas isso não se traduz em mudanças significativas

Argentina: o país tem uma população feminina que supera os 50% (Nicolas Janowski//Bloomberg)

Alexa Meirelles

Publicado em 10 de junho de 2017 às 06h00.

Última atualização em 12 de junho de 2017 às 18h05.

São Paulo — Susana Malcorra, Patricia Bullrich, Carolina Stanley, María Eugenia Vidal, Gabriela Michetti são alguns nomes de peso e muito conhecidos na Argentina . Ao contrário do que se possa imaginar a princípio, as mulheres citadas anteriormente não são celebridades, mas sim figuras políticas do país vizinho.

As três primeiras são ministras. María Eugenia é a primeira governadora mulher da capital Buenos Aires, eleita em 2015, e Gabriela é a vice-presidente do país. Tendo uma população feminina que supera os 50%, a Argentina possui o maior índice de representação feminina na política da América Latina.

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Para Rosana Schwartz, doutora em Sociologia e professora titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da PUC-SP, a mulher parlamentar conseguiu finalmente se desligar da figura masculina: “Antigamente, as [mulheres] que estavam na política eram esposas ou filhas de políticos. Um exemplo conhecido é própria Evita Perón”.

O governo Macri tem 39% de suas cadeiras ocupadas por congressistas do sexo feminino e 40%, por senadoras, o que supera a lei de cotas no país, que estabelece que 30% do Congresso seja composto por mulheres. Atualmente, há um projeto em tramitação que busca a total equidade: 50% dos cargos ocupados deverão ser destinados às mulheres. Para se ter um panorama comparativo, no Brasil esses números correspondem a 11% e 16% (na Câmara e no Senado, respectivamente).

Contudo, essa inserção da figura feminina em um universo majoritariamente masculino nem sempre garante representatividade direta para mulher comum, a argentina que é eleitora. Carla Cristina Garcia, doutora em Ciências Sociais e professora da PUC-SP, acredita que, acima dessa representatividade direta, existe um fator muito mais forte, algo que ela chama de “interseccionalidade”.

Ou seja: a classe social difere muito essas mulheres. “O fator da classe social vem primeiro, inevitavelmente. Em um governo neoliberal como é o de Macri, algumas pautas que beneficiariam as mulheres comuns podem ser vistas como pautas de ‘esquerda’, como a descriminalização do aborto, por exemplo”.

Aborto

Em um país majoritariamente cristão, com 76% da sua população designada como tal, mais de 500 mil mulheres abortam no ano, segundo dados do jornal El Clarín .

Em 2014, uma jovem de 27 anos identificada como Belén foi presa após ser acusada de ter abortado. Considerada culpada pela morte de um feto de 32 semanas, foi acusada de homicídio com agravante do vínculo. A moça, contudo, havia sofrido um aborto espontâneo. Ainda assim, passou dois anos presa.

Naquele mesmo ano foi apresentado o 5º projeto de descriminalização do aborto no Congresso argentino – todos os outros foram deixados de lado e acabaram perdendo a validade. Mesmo a ex-presidente Cristina Kirchner, cujo governo tinha um viés mais progressista, se declarava contra a descriminalização.

De acordo com Rosana, a religião é um fator de grande relevância. “Tocar em assuntos como o aborto, para um governante, é complicado. A Argentina tem um hibridismo religioso menor que o Brasil. É um país católico. Falar sobre aborto é sempre delicado”. Ela ainda reitera o fato de que, atualmente, a própria figura de Macri pode ser um fator intimidador.

“Ele pode não ter força para barrar algumas pautas, até porque algumas conquistas não vão regredir. Mas, sendo presidente, e levando em consideração todas as instâncias nas quais um projeto de lei tramita até ser aprovado, a descriminalização do aborto perde grau de prioridade ou urgência”.

Governo de mulheres para mulheres

No ano passado, o país estabeleceu multa de 1000 pesos (cerca de R$ 200) para quem assediar mulheres na rua. A morte da adolescente Lúcia Pérez, que foi brutalmente estuprada e empalada em um crime que chocou a América Latina, trouxe às ruas o movimento Ni Una Menos.

Desde 2012, o feminicídio (assassinato motivado pelo gênero) está no Código Penal Argentino. Em um ranking de 145 países, baseado no relatório do Fórum Econômico Mundial, a Argentina está na 33º posição quando o assunto é igualdade de gênero. Um cenário mais animador quando comparado ao Brasil, que está em 79º.

Entretanto, apesar das muitas conquistas, para Rosana, são poucas as mulheres que criam políticas públicas para mulheres. “Também são poucas as que exercem cargos de decisão. A mulher foi construída dentro de um universo machista. Há a reprodução dessa própria cultura, muitas desconhecem o campo de luta, e acabam discutindo pautas que não atendem às suas semelhantes”.

De acordo com a professora Carla Cristina, a única forma de a mulher ser amparada pelo Estado é por meio dos movimentos sociais. “A mudança deve vir de baixo para cima, e não o contrário. A Argentina tem uma história recente de luta social muito relevante”.

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