Equador: Ontem, os equatorianos viveram um dia de terror, o primeiro sob o decreto de "conflito armado interno", emitido por Noboa na terça-feira (GALO PAGUAY/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 11 de janeiro de 2024 às 08h03.
Última atualização em 11 de janeiro de 2024 às 08h04.
As principais gangues equatorianas ampliaram seu desafio ao Estado, apesar da guerra declarada pelo presidente, Daniel Noboa. Nesta quarta-feira, 10, uma nova onda de atentados e assassinatos levou Peru e Colômbia a reforçarem suas fronteiras com o Equador, para evitar a fuga de criminosos.
O governo peruano enviou um reforço de 500 homens, helicópteros e drones para aumentar a vigilância. "Ainda não pensamos em fechar a fronteira, porque isso prejudicaria o comércio e a relação entre os dois países", disse o ministro da Defesa do Peru, Jorge Chávez. "Mas queremos garantir a segurança dos peruanos."
O general Helder Giraldo, comandante das Forças Armadas da Colômbia, também confirmou o envio de reforço militar para a fronteira. "Estamos realizando operações em conjunto com os equatorianos", disse. O chefe da polícia colombiana, Nicolás Zapata, despachou 100 homens para quatro pontos específicos: Ipiales, Mataje, Chiles e Carlos Lama.
Ontem, os equatorianos viveram um dia de terror, o primeiro sob o decreto de "conflito armado interno", emitido por Noboa na terça-feira, 9. Lojas fecharam as portas. Escolas não funcionaram e as aulas foram dadas a distância. Pouca gente se aventurou a sair de casa. As ruas ficaram vazias, ocupadas apenas por soldados fortemente armados.
Mas o aparato de segurança reforçado não intimidou as gangues. Explosões, atentados e ataques deixaram ontem 14 mortos. Em todo o país, 329 criminosos foram presos. No fim do dia, 139 agentes penitenciários permaneciam reféns em cinco prisões.
Duas universidades e vários hospitais foram invadidos. Na terça-feira, criminosos atacaram um canal de TV de Guayaquil, que transmitiu o terror ao vivo. O ataque aumentou o pânico entre a população.
Noboa, que já havia decretado estado de exceção, com um toque de recolher entre 23 horas e 5 horas pelos próximos 60 dias, escalou o confronto e declarou 22 gangues como organizações terroristas e mandou o Exército reprimir o crime organizado.
Ontem, Noboa prometeu deportar todos os detentos estrangeiros que estão em prisões equatorianas. De acordo com ele, a medida reduzirá a pressão nas penitenciárias e os gastos do Estado. Colombianos, peruanos e venezuelanos representam 90% da população carcerária do Equador. "Estamos em estado de guerra e não podemos ceder aos terroristas", disse o presidente.
O ministro da Justiça da Colômbia, Néstor Osuna, disse ontem que o governo aceitaria receber os cerca de 1,5 mil colombianos presos no Equador. "Cada um que chegar à fronteira terá sua vida criminal avaliada", disse. "Se houver pendências, eles serão presos. Se não houver, viverão em liberdade na Colômbia."
Em entrevista a uma rádio local, Noboa comentou sobre a oferta de ajuda de Bogotá. "Eu aceitei e disse que enviaria os 1,5 mil colombianos que estão em prisões do Equador", disse o presidente. "De acordo com a lei equatoriana e os tratados internacionais, podemos deixá-los na fronteira, e muito obrigado. Que fiquem por lá."
No entanto, em um país com uma população carcerária de mais de 30 mil detentos, o impacto das deportações de estrangeiros deve ser limitado. Na Penitenciária do Litoral, por exemplo, a maior do país, em Guayaquil, 8 mil detentos se apertam em um espaço construído para 1,5 mil.
Na mesma entrevista de ontem, Noboa garantiu que a classificação de "terrorista" também vale para juízes e promotores que ajudarem as facções criminosas, um reconhecimento de que as gangues se infiltraram no poder público. "Juízes e promotores que estejam com os delinquentes também serão considerados como parte do terrorismo", afirmou. "Serão processados porque estarão dando assistência a terroristas."
Em 2022, o Equador ficou entres os dez países mais violentos da América Latina, após um aumento de 82% no número de assassinatos em comparação com o ano anterior. Em 2023, o país escalou para o top 3, ultrapassando Honduras, Venezuela e Colômbia.
A geografia e a debilidade das instituições são um fator fundamental para a explosão da violência no Equador, um país voltado para o Oceano Pacífico e espremido entre os dois maiores produtores de cocaína do mundo: Colômbia e Peru.
As gangues equatorianas funcionam como organizações subcontratadas pelos cartéis mexicanos. Na logística do tráfico, elas buscam a droga das mãos de grupos colombianos, movem a mercadoria pelo território equatoriano até o embarque para os EUA e para a Europa por meio dos portos de Manta, Esmeraldas e Guayaquil, maior cidade do país, com 3,6 milhões de habitantes na região metropolitana, que registrou um aumento de 80% dos assassinatos no último ano.
Na Província de Los Ríos, localizada no meio de uma rota de transporte de cocaína da Colômbia para Guayaquil, os homicídios aumentaram 153%. A cidade de Esmeraldas, no noroeste do Equador, tornou-se um dos centros urbanos mais violentos da América Latina. Entre 2016 e 2022, os assassinatos subiram 500%, chegando a 81 homicídios para cada 100 mil habitantes - mais do que Caracas, com 53.
O segundo fator para o aumento da violência é a situação pré-falimentar das instituições equatorianas. A maioria da população não confia na polícia. O assassinato de Fernando Villavicencio, candidato presidencial morto no ano passado, ficou impune. Os seis suspeitos detidos morreram na prisão, dois meses depois.
Algumas cidades estão praticamente sem governo. Luis Chonillo, prefeito de Durán, de 300 mil habitantes, foi alvo de um atentado em seu primeiro dia de mandato, em maio de 2023. Desde então, raramente aparece na cidade.
Agustín Intriago, prefeito de Manta, importante cidade portuária por onde passa boa parte da cocaína colombiana, foi assassinado a tiros em julho. A ausência do Estado faz com que ladrões sejam capturados e linchados pela população, que se queixa de a polícia não aparecer após ser chamada.
Os equatorianos dizem que as forças policiais foram infiltradas pelo crime organizado. Muitos agentes faturam por fora vendendo suas armas para gangues ou fazem bico de guarda-costas de chefes do tráfico. Em 2021, Michael Fitzpatrick, embaixador dos EUA nos Equador, chamou os comandantes da polícia de "narcogenerais"