Clima esquenta e Boris Johnson volta a dizer que pode deixar UE sem acordo
Em conversa ontem, a UE disse que só voltaria a conversar se o Reino Unido viesse com uma proposta. Hoje, Boris Johnson afirmou que pode sair sem acordo
Carolina Riveira
Publicado em 16 de outubro de 2020 às 08h58.
Última atualização em 16 de outubro de 2020 às 09h08.
O relógio está correndo na negociação entre Reino Unido e União Europeia . Terminou ontem um prazo "fictício" estipulado pelo premiê britânico Boris Johnson para que as duas partes chegassem a um acordo comercial para depois que os britânicos deixarem de ter tarifas preferenciais com o bloco, o que acontecerá no fim do ano.
Mas após uma reunião ontem, os negociadores europeus e o Reino Unido não conseguiram se entender e o clima pesou nas negociações.
Horas depois, na manhã desta sexta-feira, 16, Boris Johnson já voltou a afirmar que pode terminar a relação com a União Europeia sem um acordo comercial e disse esperar agora que os líderes europeus "venham até nós".
"A não ser que haja uma mudança fundamental de abordagem, nós devemos seguir a solução da Austrália", disse Johnson pela manhã.
A Austrália é frequentemente citada nas negociações do Brexit porque só comercializa com a UE seguindo as regras normais da Organização Mundial do Comércio (OMC) e com tarifas preferenciais somente em alguns produtos específicos.
O problema é que, depois da Reunião de ontem, a União Europeia disse exatamente o oposto e cobrou propostas do Reino Unido. A presidente da Comissão Europeia,Ursula von der Leyen, voltou a dizer hoje que a UE quer um acordo, mas "não a qualquer preço" e afirmou que o grupo negociador vai a Londres na próxima semana.
O Reino Unido é também um dos países mais afetados por novos casos de covid-19. Novas quarentenas já estão sendo implementadas em pequenas regiões em toda a Europa, e o temor é ter um novolockdowngeneralizado volte a derrubar a economia, que ainda mal se recuperou.
A preocupação de que o clima tenso a pouco mais de dois meses do fim do ano possa jogar anos de conversas por água abaixo fez até a chanceler alemã, Angela Merkel, intervir e afirmar que a União Europeia também precisa abrir mão de alguns pontos e "encontrar um meio-termo" com os britânicos.
A saída oficial do Reino Unido do bloco já aconteceu no começo do ano, após quatro anos de negociações desde o referendo do Brexit em 2016. Mas ficou para dezembro deste ano o fim das tarifas preferenciais, e as partes tentariam chegar a um acordo ao longo do ano. A pandemia, certamente, não ajudou.
O prazo de 15 de outubro surgiu há um mês porque, segundo Johnson, não faria sentido seguir com as negociações se um acordo não estivesse em vista a essa altura.
Vale lembrar que, no começo de outubro, a União Europeia abriu processo contra o Reino Unido por causa de um rascunho de lei feito por Boris Johnson. O rascunho mostrou a intenção dos britânicosde mexer justamente na situação alfandegária da Irlanda do Norte.
Por ora, nada entrou em vigor, mas a UE se ofendeu com as meras declarações sobre a possibilidade, porque vão contra os termos de um acordo do ano passado -- foi esse acordo o responsável por concretizar a saída do Reino Unido no começo do ano.
A Irlanda do Norte é o maior desafio da negociação. É preciso garantir que a Irlanda (que faz parte da UE) possa continuar comercializando com a Europa, a despeito de sua vizinha ao norte, a Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido e, portanto, não terá mais tarifas preferenciais.
A UE não deseja uma fronteira física na região para tentar evitar novos embates nos dois países, marcados por três décadas de conflitos até a assinatura de um acordo de paz, em 1998. Por isso, no texto original do Tratado de Retirada dos britânicos do bloco europeu, um protocolo garantia a ausência de uma fronteira física. Já o premiê Boris Johnson não descarta a possibilidade para fazer valer a independência britânica do bloco. Por ora, poucas soluções parecem estar em vista.