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China tem desafio de convencer o mundo a confiar em suas vacinas

As vacinas da China visavam marcar uma vitória diplomática clara para o governo de Pequim, estreitando laços com dezenas de países mais pobres

Vacina da Sinovac (Nicolas Bock/Bloomberg)

Vacina da Sinovac (Nicolas Bock/Bloomberg)

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Bloomberg

Publicado em 29 de dezembro de 2020 às 16h12.

Última atualização em 29 de dezembro de 2020 às 16h13.

De todos os países em desenvolvimento que testam as vacinas contra a Covid-19 da China, poucos têm relações mais amigáveis com o governo de Pequim do que o Paquistão.

Nos anos que antecederam a pandemia, a China financiou quase US$ 70 bilhões em estradas, ferrovias e usinas elétricas no país do sul da Ásia, e o Paquistão agora tem dois ensaios clínicos chineses em andamento. Até mesmo autoridades do governo foram vacinadas.

No entanto, entrevistas com pessoas em Karachi, a maior cidade do país - bem como em outros países em desenvolvimento, da Indonésia ao Brasil, juntamente com pesquisas e comentários oficiais -, mostram que a China não conseguiu convencer milhões de pessoas que podem depender de suas vacinas.

“Eu não vou tomar”, disse Farman Ali Shah, motoqueiro em Karachi do aplicativo de transporte Bykea, enquanto as lojas locais fechavam antes do toque de recolher às 20h por causa da pandemia. “Não confio.”

Essa desconfiança e a dependência da China por parte de dezenas de países mais pobres para inocular suas populações podem criar o cenário para uma grande dor de cabeça política global se os cidadãos que receberam a vacina chinesa sentirem que estão recebendo um produto inferior.

Quase 100 países têm algum tipo de acordo de compra de vacina ou empréstimo com o governo chinês (Bloomberg/Bloomberg)

As vacinas da China visavam marcar uma vitória diplomática clara para o governo de Pequim, estreitando laços com dezenas de países mais pobres em meio a uma antecipada escassez de imunizantes desenvolvidos pelo Ocidente.

Mas há poucas informações sobre como as versões chinesas se saíram nos ensaios clínicos de estágio final: apenas os Emirados Árabes Unidos e a própria China aprovaram as vacinas para uso emergencial até agora. Enquanto isso, algumas empresas americanas e europeias publicaram dados sobre a segurança e eficácia de suas vacinas e começaram a distribui-las.

“A China tem uma grande oportunidade de fazer diplomacia de vacinas e distribuir um produto que salve vidas”, disse Jorge Guajardo, diretor sênior da McLarty Associates, que foi embaixador do México na China por seis anos. “Na minha experiência, cada vez que eles se envolvem em diplomacia, estragam tudo - conseguem decepcionar os países que recebem sua ajuda.”

Em resposta às perguntas da Bloomberg, o Ministério de Relações Exteriores da China disse que as empresas chinesas que desenvolvem vacinas cumprem rigorosamente a lei e que os ensaios clínicos nas duas primeiras fases mostraram que as vacinas eram seguras e eficazes. O governo chinês administrou mais de um milhão de doses de vacinas de emergência desde julho, disse, e “não encontramos nenhuma reação adversa grave”.

O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores, Zhao Lijian, disse em tuíte na segunda-feira que as vacinas chinesas podem ser a “única escolha” para governos que não garantiram o fornecimento, uma vez que “países ricos” reservaram três quartos dos estimados 12 bilhões de vacinas a serem produzidas no próximo ano.

Do lado da China está a matemática. O desafio de fabricar, distribuir e administrar bilhões de doses significa que muitos países em desenvolvimento podem ter pouca escolha a não ser usar vacinas chinesas para pelo menos parte de suas populações. Muitos não têm instalações suficientes para armazenar a vacina da Pfizer, que precisa ser refrigerada a -70 graus Celsius.

Ironicamente, as fabricantes chinesas de vacinas estiveram inicialmente na liderança da pesquisa, mas o rápido controle do contágio da China dificultou a disponibilidade de lugares para realizar ensaios clínicos da terceira fase, enquanto rivais dos EUA avançavam. As empresas chinesas agora têm ensaios de terceira fase em execução em pelo menos 16 países, com estudos da China National Biotec Group (CNBG) da Argentina ao Marrocos; da Sinovac Biotech no Brasil, Turquia e Filipinas, entre outros; e ensaios da CanSino Biologics no Paquistão, México e Arábia Saudita.

Representantes do Instituto Butantan, que coopera na condução dos ensaios clínicos para a vacina da Sinovac, disseram em 23 de dezembro que o imunizante mostrou eficácia acima de 50%, o que atende ao padrão mínimo estabelecido por reguladores dos EUA para autorização emergencial de vacinas contra a Covid. O instituto não forneceu detalhes, citando o pedido de Sinovac para reconciliar dados de diferentes ensaios.

UTI do Emílio Ribas, em São Paulo: parte dos brasileiros desconfia da vacina da Sinovac (Jonne Roriz/Bloomberg)

O ensaio no Brasil é o maior da Sinovac até agora, com cerca de 13 mil participantes. Um ensaio na Turquia indicou que a vacina mostrou eficácia de 91%, embora seja considerado inconclusivo, pois teve como base apenas 29 casos, em comparação com os 170 identificados no Brasil. As vacinas da Pfizer e da Moderna produziram resultados bem acima de 90%.

“Em um país onde a vacina chinesa é a única disponível, você aceita ou não aceita”, disse Yanzhong Huang, pesquisador sênior de saúde global do Conselho de Relações Exteriores de Nova York. “Mas, quando você tem opções entre diferentes vacinas, as pessoas são racionais. Certamente vão escolher vacinas fabricadas no Ocidente porque são a opção número 1, os dados já estão disponíveis e são seguras. Sobre a China, até agora, não tiveram nenhum dado sistemático disponível.”

CNBG e CanSino não responderam a pedidos de comentários da Bloomberg. Um porta-voz da Sinovac citou conferências de imprensa recentes em Pequim, onde autoridades de saúde disseram que as vacinas inativadas em ensaios de fase três e aprovadas para uso emergencial foram consideradas seguras, com apenas efeitos colaterais leves, e que existe um mecanismo para ser seguido com pessoas que tomam as vacinas. Um porta-voz da Sinovac também disse que a empresa só poderia divulgar os dados de eficácia depois de revisados por reguladores chineses.

Aplicação de vacina da Pfizer/BioNTech: empresas americanas e europeias saíram na frente na corrida pela vacina (Eric Lee/Bloomberg)

Em poucos lugares a questão se tornou tão politizada quanto no Brasil, o terceiro país com mais casos, depois dos Estados Unidos e da Índia.

Pesquisa do Datafolha no início do mês mostrou que metade dos brasileiros não tomaria a vacina Sinovac-Butantan, a maior taxa de rejeição entre todas as vacinas. Cerca de 36% dos entrevistados disseram que também rejeitariam uma vacina russa, enquanto 23% disseram que não tomariam um imunizante dos EUA.

Natalia Pasternak Taschner, microbiologista e fundadora do Instituto Questão de Ciência, diz que a Anvisa vai avaliar os dados quanto à eficácia e segurança, mas destacou que isso precisa ser bem comunicado à população. Segundo ela, é um grande desafio fazer isso quando o presidente e o governo federal são os que levantam dúvidas sobre a produção da vacina na China.

A China também pode estar superestimando sua capacidade de vacinar simultaneamente sua própria população de 1,4 bilhão e atender à demanda de outras centenas de milhões em populosos países em desenvolvimento, disse Huang, do Conselho de Relações Exteriores, que participou de audiências perante comitês do Congresso dos EUA.

A CNBG disse ser capaz de produzir 1 bilhão de doses de suas vacinas inativadas, enquanto a Sinovac pode produzir 600 milhões de doses, com base em unidades existentes e nas que serão concluídas em breve. A CanSino disse que poderia produzir de 200 milhões a 300 milhões de doses de suas vacinas de vetores virais.

-- Com a colaboração de Arys Aditya, Yudith Ho, Yantoultra Ngui, Anisah Shukry, Jing Li e David Malingha.

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