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China enfrenta epidemia fatal de estresse

Segundo o jornal China Youth Daily, cerca de 600.000 chineses morrem por ano por trabalhar demais

Operador de tráfico trabalha em um terminal de operações na estação Tsing Yi, de Hong Kong (Brent Lewin/Bloomberg)

Operador de tráfico trabalha em um terminal de operações na estação Tsing Yi, de Hong Kong (Brent Lewin/Bloomberg)

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Da Redação

Publicado em 30 de junho de 2014 às 17h44.

Hong Kong - O regulador bancário chinês Li Jianhua, literalmente, se matou de trabalhar. Após 26 anos de “sempre colocar a causa do partido e o povo” em primeiro lugar, como disse seu empregador neste mês, o funcionário de 48 anos morreu enquanto corria para terminar um relatório antes que o sol nascesse.

A China está enfrentando uma epidemia de estafa laboral, de acordo com a imprensa controlada pelo Estado e segundo as redes sociais chineses.

Por ano, cerca de 600.000 chineses morrem por trabalhar demais, segundo o jornal China Youth Daily. A China Radio International informou em abril que o total de vítimas é de 1.600 pessoas por dia.

O site de microblogging Weibo está repleto de reclamações sobre vidas estressadas e conversas sobre relatórios que falam de outros, jovens e idosos, que trabalharam até morrer: um funcionário júnior de 24 anos na Ogilvy Public Relations Worldwide, uma auditora de 25 anos da PricewaterhouseCoopers, um dos principais designers da próxima geração de aviões de combate da China na estatal AVIC Shenyang Aircraft Corp.

“Qual é o sentido de trabalhar a mais até se matar de trabalhar?”, perguntou um usuário do Weibo, lamentando que seu chefe tenha dito aos funcionários que dediquem mais tempo ao emprego.

As crescentes taxas de mortalidade aparecem ao mesmo tempo em que a força de trabalho chinesa parece estar assumindo uma posição dominante, pois um conjunto reduzido de trabalhadores é capaz de demandar salários mais altos e os operários entram em greve regularmente.

A mensagem não foi recebida pelos guerreiros de colarinho branco da China.

Em troca de salários iniciais que costumam ser o dobro dos recebidos pelos operários, eles somam horas extras pagas aos dias de trabalho de oito horas, frequentemente violando as leis trabalhistas chinesas, de acordo com Geoffrey Crothall, porta-voz do grupo de advogados trabalhistas China Labour Bulletin, com sede em Hong Kong.

Cultura de trabalho duro

“A China ainda é uma economia em ascensão, e as pessoas ainda acreditam piamente naquela cultura de trabalho duro”, disse Jeff Kingston, diretor de estudos sobre a Ásia no campus Japão da Universidade Temple, em Tóquio.

“Eles ainda não chegaram à afluência que levou ao questionamento de normas e valores no Japão”.

O Japão é o lugar onde o termo “karoshi”, que significa morte por estafa laboral, ganhou notoriedade em décadas anteriores.

Ele abrange as mortes por AVC, ataque cardíaco, hemorragia cerebral ou outras causas súbitas relativas às demandas do ambiente de trabalho.

Como a relação causal com o estresse relacionado ao trabalho pode não ser evidente, a quantidade de mortes pode ser subjetiva e difícil de ser compilada.

Na China, essas mortes são conhecidas como “guolaosi”.

“Observamos que o excesso de horas extras na China se tornou um problema”, disse Tim De Meyer, diretor do escritório da China na Organização Internacional do Trabalho, em resposta por e-mail a perguntas. “É preocupante como uma ameaça à saúde física e mental”.

O equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho recebe pouca atenção numa sociedade que combina a busca moderna pela riqueza com a antiga crença de que a comunidade está acima do indivíduo, disse Yang Heqing, decano da Faculdade de Economia do Trabalho na Universidade Capital de Economia e Negócios em Pequim.

Em partes da capital chinesa pesquisadas por ele, 60 por cento dos trabalhadores reclamaram que computam mais do que o limite legal de duas horas extras por dia, o que cobra um preço à família e à saúde dos trabalhadores, disse.

Ele é cético em relação ao valor de 600.000 que, segundo ele, pode incluir outras causas, e está trabalhando para compilar seus próprios dados.

‘Dedicação total’

“Mais do que no Sistema corporativo anglo-americano, na Coreia, na China e no Japão – os países do cinturão de Confúcio – há uma crença na dedicação total”, disse Kingston, da Universidade Temple.

“Qualquer trabalho que valha a pena fazer, vale a pena realizar excessivamente”.

O regulador bancário Li tinha motivos para estar estressado.

Ele dirigia a divisão da Comissão Reguladora Bancária da China (CBRC), que supervisiona o boom nos produtos fiduciários da China; investimentos que são considerados parte do sistema bancário paralelo de US$ 6,2 trilhões, que os funcionários chineses tentam submeter ao controle do governo.

Ele recorreu 10 províncias no segundo semestre do ano passado e se reuniu com todas as 68 sociedades fiduciárias da China.

Os funcionários do departamento de Li trabalharam frequentemente madrugada adentro, de acordo com um colega que pediu para não ser identificado porque não tem autorização para comentar o assunto publicamente.

A morte de Li, categorizada pela CBRC como decorrente de “trabalho excessivo a longo prazo”, foi a mais recente de uma série de casos que atraíram a atenção dos meios.

Licença médica

A auditora da PricewaterhouseCoopers em Xangai tinha registrado em seu blog pessoal que trabalhava durante os fins-de-semana, que queria sair de férias e que estava tendo febre, de acordo com a agência oficial de notícias Xinhua.

Um colega do escritório de Pequim disse que os funcionários recebiam tarefas “impossíveis de executar sem trabalhar horas extras”, e o caso gerou mais de 30.000 comentários no Weibo, de usuários que atribuíram a morte à fatiga laboral, informou Xinhua.

Um comunicado da PricewaterhouseCoopers na época da sua morte, em 2011, disse que Angela Pan, uma advogada recém-formada, tinha contraído encefalite e que solicitou uma licença médica para internar-se num hospital, onde posteriormente faleceu, de acordo com o porta-voz Wayne Yim, que disse que a empresa não tem mais comentários a fazer sobre o caso.

O funcionário da Ogilvy, que trabalhava no departamento de tecnologia do escritório de Pequim da agência, morreu em maio de 2013, chorando e tombando após levantar-se da sua mesa no primeiro dia após o fim da licença médica, de acordo com um informe do Beijing Times fornecido pela Ogilvy.

O CEO para a região Ásia-Pacífico, Scott Kronick, não quis fazer comentários adicionais sobre o caso.

Heróis modernos

Os atuais trabalhadores que morreram de tanto trabalhar são considerados heróis da era moderna na China, pérolas do mesmo colar de auto-sacrifício que os mártires do comunismo anterior, como Lei Feng, um soldado do Exército de Liberação Popular que tem sido tratado como celebridade nas campanhas de propaganda desde a década de 1960 por sua devoção altruísta ao Partido Comunista.

A morte de Luo Yang, chamado pelos meios de comunicação estatais de pai do programa de aviões de combate da China, desencadeou um acesso de questionamentos sobre a extenuante ética de trabalho do país.

Ele morreu aos 51 anos por um ataque cardíaco, no mesmo dia em que o avião que desenvolveu, o J-15, fez sua primeira aterrissagem bem-sucedida num porta-avião, em 2012.

“Só conhecemos o sacrifício de Luo Yang, mas não sabemos quantas outras pessoas da equipe morreram extenuadas – não é por causa desses admiráveis trabalhadores que o país atingiu seu status atual?”, escreveu um blogueiro do Weibo, que assina como Ordinary Young MS.

Li, o regulador bancário, está recebendo um tratamento semelhante. A CBRC divulgou um comunicado no dia 10 de junho em que dizia que ele é “um modelo para os membros do partido e grupos da Comissão Reguladora Bancária da China”.

“Para aprender com o camarada Li Jianhua, é necessário ser como ele, sempre firme em ideais e crenças, ao interesse mais amplo, leal à causa do partido e às pessoas, lutando incansavelmente, sacrificando tudo”, disse.

Sintomas incomuns

O jornal chinês Financial News informou que Li uma vez teve um surto de cobreiro provocado pelo vírus da catapora e mesmo assim continuou fazendo uma viagem de inspeção na província de Hunan.

Quando um colega descobriu que o tronco de Li estava coberto pela erupção, Li lhe pediu que não preocupasse os demais com a notícia, de acordo com o artigo.

No início de abril, o médico de Li observou alguns sintomas incomuns e sugeriu que ele fizesse um check-up num hospital. Li “sorriu e disse que não tinha tempo”, disse o jornal.

Li estava acordado até tarde em casa, quando “colapsou enquanto trabalhava e morreu de repente no início da manhã do dia 23 de abril”, disse o comunicado da CBRC.

Quando a esposa de Li tentou notificar a morte ao escritório, ela não conhecia nenhum dos colegas dele, apesar de todos os anos que ele passou neste emprego, e teve que encontrar outra pessoa que transmitisse a mensagem, de acordo com outra fonte da agência, que não quis ser identificada porque não tem autorização para falar publicamente.

“Em algum momento, alguém vai parar e se perguntar por que tantas pessoas jovens estão exigindo tanto de si mesmas, por que estamos fazendo isso com a gente”, disse Crothall do China Labour Bulletin.

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