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Carter critica religião e homens que degradam mulheres

Em seu novo livro, o ex-presidente dos EUA não hesita em atacar as forças que transformam as mulheres em cidadãs de segunda categoria.


	Jimmy Carter: ex-presidente ataca o corte de genitais, as noivas ainda crianças, os crimes de honra e o tráfico, além de definir “um caminho para o progresso”
 (Jessica McGowan/Getty Images)

Jimmy Carter: ex-presidente ataca o corte de genitais, as noivas ainda crianças, os crimes de honra e o tráfico, além de definir “um caminho para o progresso” (Jessica McGowan/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 2 de abril de 2014 às 23h37.

Nova York - Em um povoado de Gana, o ex-presidente dos EUA Jimmy Carter parou para cumprimentar uma jovem mulher amamentando um bebê.

Carter descreve o encontro em seu novo livro, “A Call to Action: Women, Religion, Violence, and Power”. (Você pode acrescentar pobreza e doenças a essa lista).

“Mas não havia nenhum bebê; ela estava segurando seu seio direito, que tinha quase 30 centímetros de comprimento e havia um verme saindo do mamilo. Depois eu soube que um total de doze vermes emergiu de diferentes partes do corpo dela”, escreveu.

Cerca de 20 anos depois, os poços erradicaram o verme da Guiné, que afetou desproporcionalmente mulheres que transportavam zelosamente pesados jarros de água de lagos fétidos.

Em seu novo livro, o ex-presidente – que viajou a 145 países com sua esposa, Rosalynn e ativistas do Carter Center, em Atlanta, Georgia – não hesita em atacar as forças que transformam as mulheres em cidadãs de segunda categoria.

Ele mostra como os líderes religiosos adulteraram de propósito os textos sagrados para glorificar os homens e manter essas mulheres buscando água. Ele ataca o corte de genitais, as noivas ainda crianças, os crimes de honra e o tráfico, além de definir “um caminho para o progresso”.

Conversei pelo telefone com o ex-presidente Carter, 89, quando ele estava a caminho do aeroporto de São Francisco para continuar as viagens de apresentação de seu livro.

Hoelterhoff - Sua agenda acabaria com uma pessoa de 25 anos. Qual é o seu segredo? O senhor tem uma ótima aparência pela TV.

Carter - Exercícios! E eu sempre dou ouvidos a Rosalynn.


- O senhor empoderou muitas mulheres africanas com o simples fato de fornecer-lhes uma bomba de água.

Carter - Eu imaginei essas mulheres, com seus vestidos de cores muito vibrantes, caminhando com baldes de quase 20 litros na cabeça. As mulheres desejavam ter uma chance, pela primeira vez em suas vidas, de realizar um papel relativamente proeminente em assuntos da comunidade. Foi uma espécie de movimento pela liberação da mulher que começou quando o Carter Center as reconheceu como iguais aos homens.

Mulheres fazendeiras

Aproximadamente a metade das fazendas na África é dirigida por mulheres. Os homens cuidam dos animais. Eles são responsáveis por armazenar o excedente de grãos que suas esposas produzem e eles lidam com o dinheiro.

- O senhor descreve uma cerimônia do povoado em que um fazendeiro recebe uma medalha pelo trabalho realizado pela esposa. O senhor pediu que ele lhe mostrasse as plantações, o que revelou a ignorância dele. Tive a sensação de que o senhor gostou daquele momento.

Carter - Bem, minha esposa estava comigo e ela conta essa história com mais frequência que eu. Tenho certeza de que os aldeões sabiam de antemão que as mulheres realizam a maior parte do trabalho e recebem muito pouco reconhecimento por isso.

Então eles tiveram que compartilhar esse segredo, essa política do povoado, com o mundo exterior. Acho que eles podem ter começado a ter um apreço maior pelas mulheres depois que eu fui embora.

Papa Francisco

- O Papa Francisco escreveu recentemente para o senhor que as mulheres deveriam ter um papel mais importante na igreja. E este realmente parece ser um bom momento, devido à falta de sacerdotes homens e os casos de abuso. Quantos anos o senhor acha que ainda vai demorar até que tenhamos uma mulher sacerdotisa?

Carter - Não saberia dizer. Essa seria uma enorme mudança na infraestrutura da Igreja Católica e não acho que um papa, pelo menos em uma etapa inicial de seu pontificado, poderia realizar essa mudança. Mas percebi que, na semana passada, o papa nomeou um comitê de oito pessoas para lidar com os abusos contra nossas crianças que foram cometidos por sacerdotes. E quatro dos membros desse comitê são mulheres.


Abuso infantil

Uma das mulheres nomeadas foi abusada por um sacerdote quando era criança. Não sou católico, mas para mim isso talvez seja uma decisão transformadora tomada pelo papa para dar às mulheres um papel igualitário na erradicação do abuso infantil.

- Não consigo pensar em outra mudança que melhorasse tão rapidamente a vida das mulheres. Se as mulheres pudessem ser servas de Deus seria mais difícil que elas fossem escravizadas pelos homens na Terra.

Carter - Sim. A senhora sabe, há um grupo de freiras que reconhecem que o sacerdócio poderia ser uma mudança muito grande imediatamente. Elas estão tentando fazer com que as mulheres sejam diáconos na Igreja Católica.

- Há outra questão à qual o senhor dá muita atenção: o tráfico sexual, um negócio em expansão. Quando li que de 200 a 300 crianças são vendidas todos os meses em Atlanta, foi um choque. E que a multa caso alguém seja pego é de só US$ 50? O senhor acha que faria diferença se a multa fosse de US$ 50.000?

Tráfico sexual

Carter - Duvido. Atlanta tem uma reputação repugnante, que é verdadeira, porque é o maior aeroporto do mundo.

Acho que uma mulher do hemisfério sul é vendida a um cafetão por aproximadamente US$ 1.000. Ao passo que uma com a pele branca pode custar de US$ 2.000 a US$ 8.000 cada.

- Por isso é tão lucrativo.

Carter - Quase 800.000 meninas são vendidas em fronteiras internacionais por ano e 80 por cento delas são crianças pequenas. Nos EUA, cerca de 100.000 meninas são vendidas para a escravidão sexual por ano.

- E isso ainda está fora do radar, parece.

Carter - Não prestamos nenhuma atenção a isso. Há prostíbulos, ou casas de prostituição, ou bordéis, como a senhora quiser chamá-los, em cada cidade dos EUA e todos eles são conhecidos pelos funcionários municipais: o prefeito, os vereadores, os policiais. Os policiais de patrulha são subornados com sexo gratuito ou têm uma ordem do chefe de polícia: não vamos criar problemas. E em nosso país isso é particularmente abusivo para as meninas, que são muitas vezes vendidas como escravas. Há 50 prostitutas presas nos EUA para cada proprietário de bordéis, ou cafetões ou clientes homens.


Modelo sueco

- Seu livro se chama “A Call to Action” (Um chamado à ação, na tradução livre). Como lidar com esses números inacreditáveis e com a violência?

Carter - Precisamos imitar o que a Suécia fez. Eles puniram os clientes, os cafetões e os proprietários dos bordéis. Eles não puniram as meninas. Diversos países da Europa estão atualmente imitando o que a Suécia fez com um recorde comprovado de sucesso.

- Há alguma cidade nos EUA que tenha seguido o modelo da Suécia?

Carter - Não.

- Algum líder religioso criticou seu livro, digamos, a respeito da contracepção?

Carter - Não sobre a contracepção. Soube que alguns líderes da Convenção Batista do Sul me acusaram de condená-los. Mas eu não os condeno porque eles são tão sinceros em suas crenças quanto eu. Sempre fui contra o aborto, a menos que o aborto seja realizado porque a vida da mulher está em risco ou por estupro ou por incesto. Essa é a minha interpretação dos ensinamentos de Jesus Cristo. O que eu acho deplorável, obviamente, são os abortos seletivos de fetos por pais que descobrem que seu bebê será uma menina.

Assassinato lógico

- Uma mulher na Índia confessou ter estrangulado oito das suas filhas.

Carter - E ela nem estava tão arrependida, porque disse que ela e o marido não poderiam sustentar diversos filhos e que queriam um menino, então ela simplesmente resolveu que isso era o mais lógico a fazer.

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