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Bons exemplos verdes que vêm do campo

Empresas agropecuárias adotam práticas sustentáveis para se proteger contra acusações que arranhem sua imagem. Além de preservar sua atividade principal, elas descobrem novas oportunidades de negócio

Tim van Eldik, da Precius Wood: a madeira certificada vale até 15% mais (.)

Tim van Eldik, da Precius Wood: a madeira certificada vale até 15% mais (.)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

O que parecia improvável até pouco tempo atrás - produção agropecuária em larga escala que leve em conta padrões de excelência em sustentabilidade socioambiental - tornou-se não apenas possível como já faz parte da realidade de um grupo ainda restrito de empresas no Brasil. Elas não investiram em práticas mais responsáveis apenas por simpatizar com a causa verde ou com questões sociais.

A opção foi resultado, sobretudo, da percepção de que a própria sobrevivência do negócio estaria em risco pelo esgotamento dos recursos naturais e pelos novos desafios criados pela dinâmica do mercado. "Hoje, é necessário avaliar o desempenho do agronegócio atrelado também aos resultados sociais e ambientais", diz Meire Ferreira, superintendente do Instituto para o Agronegócio Responsável (Ares), entidade fundada em setembro de 2007 pelas principais associações do agronegócio no país para promover práticas sustentáveis.

Temas como desmatamento da Amazônia, uso de trabalho escravo, queimadas nos canaviais e negligência sanitária tornaram-se argumentos poderosos dos que tentam impedir a entrada de produtos brasileiros em alguns mercados. Uma forma de se proteger contra essas acusações é justamente adotar práticas agropecuárias responsáveis. É o que tem feito o empresário Otaviano Pivetta, um dos milhares de gaúchos que migraram para Mato Grosso no início da década de 80 e conseguiram vencer nas terras ácidas do cerrado. Dono de várias fazendas e atualmente deputado estadual, Pivetta fundou o grupo Vanguarda, que faturou 348 milhões de reais em 2007 com a produção de soja, milho e algodão e a criação de suínos e bovinos. Em março do ano passado, a principal fazenda do grupo, a Ribeiro do Céu, no município de Nova Mutum, a 270 quilômetros de Cuiabá, tornou-se a primeira no mundo a ter lavouras de soja e milho certificadas pela Globalgap, entidade criada pelas maiores redes varejistas e tradings da Europa para certificar produtores que adotam boas práticas sociais e ambientais.

Na Fazenda Ribeiro do Céu várias medidas foram implantadas para minimizar os impactos sobre o meio ambiente, reduzir o uso de insumos químicos e melhorar as condições de trabalho. Uma das principais preocupações é com a redução do consumo de energia. Nos armazéns e nas unidades processadoras de grãos e algodão da fazenda, motores foram substituídos por modelos mais eficientes, o que resultou na diminuição de 22% no consumo de energia elétrica. Para dar um destino ambientalmente mais adequado aos dejetos de sua criação de 80 000 porcos, a Vanguarda participa de um projeto no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) que resultou na construção de sete biodigestores. A fazenda conta também com uma unidade de biodiesel à base de óleo de caroço de algodão, com capacidade para produzir 30 000 litros por dia. Além de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, o projeto possibilitará, até 2009, a substituição total do diesel consumido pela frota do grupo - em torno de 10 milhões de litros ao ano.


Há vários benefícios ligados ao investimento em certificações como as da Globalgap. Um dos principais é que elas ajudam a melhorar a imagem das empresas, sobretudo no mercado externo - algo fundamental para setores que passaram a ser muito questionados nos últimos - caso da área de frigoríficos. "Há clientes que identificam nossa iniciativa e, claramente, nos transformam em sua primeira opção", diz Roberto Russo, presidente do frigorífico Independência, que conta com várias certificações ambientais.

A companhia faturou 1,5 bilhão de reais em 2007 e é um dos cinco maiores exportadores de carne bovina do Brasil. Uma das mais recentes medidas da gestão responsável foi a decisão, tomada em fevereiro deste ano, de eliminar o uso de lenha de mata nativa em sua principal unidade industrial, em Nova Andradina, em Mato Grosso do Sul. A lenha alimenta as caldeiras que produzem o vapor utilizado nas operações de limpeza do frigorífico. Para ampliar o uso de fontes alternativas de energia, o Independência pretende substituir a lenha nas caldeiras pelo sebo bovino, já utilizado na produção de biodiesel, que abastece a frota de caminhões. Outra iniciativa é a produção de adubo orgânico. Certificado pelo Instituto Biodinâmico, o adubo é fabricado desde 2002 com base no carvão vegetal das caldeiras, na poda do gramado, nos restos de alimentos e nos resíduos do curtume e do frigorífico. No ano passado, a venda de adubo orgânico gerou receita de 800 000 reais para o Independência.

Em alguns casos, as certificações ambientais podem até valorizar os produtos. Na indústria madeireira, o selo mais cobiçado é o do Conselho de Manejo Florestal (FSC, do inglês Forest Stewardship Council). Em 1997, dois anos depois de se instalar em Itacoatiara, no Amazonas, onde comprou uma área de 450 000 hectares, a suíça Precious Woods tornou-se a primeira empresa a receber o selo do FSC na região Amazônica. A certificação assegura que a empresa retira madeira de poucas árvores a cada hectare (no máximo, meia dúzia) e somente retorna à mesma área depois de 25 a 30 anos. Além disso, a empresa respeita as áreas de preservação permanente, não usa trabalho escravo nem infantil, não invade terra indígena e colabora no desenvolvimento social das comunidades no entorno de sua reserva. "A madeira certificada é vendida por preços 10% a 15% superiores aos da madeira extraída legalmente e sem o selo do FSC", diz Tim van Eldik, diretor de sustentabilidade da Precious Woods no Brasil.


Conseguir adequar toda a produção a padrões socioambientais adequados exige rever uma série de práticas. Na área sucroalcooleira, a usina Jalles Machado, em Goianésia, no interior de Goiás, tornou-se uma das principais produtoras brasileiras de açúcar orgânico e representa um modelo de eficiência nessas questões. A cana-de-açúcar produzida sem agrotóxicos ocupa atualmente 5 300 hectares. Na plantação pelo método convencional, que totaliza 31 000 hectares, a usina vem reduzindo gradualmente a aplicação de defensivos. Estão sendo eliminados inicialmente os pesticidas de faixa vermelha, os mais perigosos para a saúde humana.

Os outros ainda são empregados na cultura da cana, mas apenas depois de se esgotarem todas as possibilidades de controle biológico da praga. Foi graças à implementação do manejo integrado de pragas que a usina descobriu que não precisava matar todos os cupins que proliferavam em suas terras. Alguns deles são benéficos, pois revolvem a terra e permitem melhor infiltração de água, nutrientes e oxigênio. Das cinco espécies, apenas três são alvo de inseticidas, o que propiciou uma economia de 9 milhões de reais em gastos com agrotóxicos nos últimos cinco anos.

Para muitas empresas do agronegócio, a busca de parcerias eficientes tem sido um caminho para conciliar a necessidade de proteger o meio ambiente e melhorar as condições de vida de seus funcionários e das comunidades afetadas por seus empreendimentos. Com uma fábrica instalada em Botucatu, no interior de São Paulo, a Centroflora, produtora de extratos vegetais para as indústrias farmacêutica, de cosméticos e alimentícia, parece ter encontrado uma fórmula para relacionar essas duas dimensões da responsabilidade corporativa. No início da década, lançou o projeto Parcerias para um Mundo Melhor, com o objetivo de assegurar o fornecimento regular de plantas cultivadas por pequenos agricultores orgânicos, sem o uso, portanto, de agrotóxicos e fertilizantes químicos. Hoje, quase metade da receita anual da Centroflora - 97 milhões de reais em 2007 - é obtida com a venda de extratos produzidos em parceria com cerca de 70 produtores orgânicos. Entre os principais clientes da empresa estão Natura, Pepsi e laboratório Aché.


"Além de gerar renda para pequenos produtores, nosso projeto contribui para a conservação da biodiversidade, pois a indústria deixa de coletar plantas que correm o risco de extinção", afirma Peter Andersen, presidente da Centroflora.

Ações pioneiras
Quatro empresas que estão colhendo resultados com negócios sustentáveis

Independência

Sede - Cajamar (SP)

Faturamento em 2007 - 1,5 bilhão de reais
A principal unidade do frigorífico, em Nova Andradina (MS), substituiu o uso de lenha de mata nativa por eucalipto de plantações próprias. Outro projeto pioneiro é o aproveitamento dos resíduos das unidades industriais, que viram adubo orgânico

Grupo Vanguarda

Sede - Nova Mutum (MT)

Faturamento em 2007 - 348 milhões de reais
As lavouras de soja e milho na fazenda do grupo em Nova Mutum (MT) são uma das poucas no país certificadas pelo Globalgap, entidade formada pelos principais varejistas e indústrias de alimentos da Europa que assegura que os alimentos com seu selo foram produzidos com baixo impacto ambiental

Centroflora

Sede - Botucatu (SP)

Faturamento em 2007 - 97 milhões de reais
Fornecedora de extratos vegetais para as indústrias farmacêutica, de cosméticos e alimentícia, criou um projeto de cultivo orgânico de ervas que contribui com a conservação da biodiversidade e a geração de renda para pequenos produtores

Precious Woods

Sede - Itacoatiara (AM)

Faturamento em 2007 - 30 milhões de reais
De origem suíça, foi a primeira empresa no Brasil a receber o selo do FSC (Conselho de Manejo Florestal) na Amazônia. Toda sua área de 450 000 hectares em Itacoatiara possui certificação do FSC.

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