A Argentina está entre os 25 principais destinos de investimento estrangeiro no mundo segundo a Kearney, algo que não acontecia desde 2013 (Getty Images)
Repórter
Publicado em 26 de abril de 2024 às 06h00.
Última atualização em 26 de abril de 2024 às 07h06.
Pela primeira vez desde 2013, a Argentina figura entre os 25 principais destinos de investimento estrangeiro no mundo, segundo o Índice de Confiança para Investimento Direto, desenvolvido pela consultoria Kearney. Em 24º lugar no ranking, o país fica um pouco atrás do Brasil, que neste ano voltou à lista dos 20, na 19ª posição.
No caso brasileiro, o retorno à lista se deve mais a como outros países têm performado, sobretudo durante tensões globais, como os conflitos no Oriente Médio e ou a guerra na Ucrânia, do que ao desempenho interno da economia nacional, diz Mark Essle, sócio da Kearney no Brasil.
Já para a Argentina, que esteve por dez anos longe dos holofotes, as mudanças nos rumos econômicos com a vitória de Javier Milei como presidente trouxeram alento aos investidores, observa.
O outro país da América Latina na lista dos 25 principais destinos de investimentos estrangeiros é o México, que retornou ao índice na 21ª posição após um hiato de cinco anos, "talvez devido aos benefícios que está colhendo do nearshoring", na avaliação da consultoria.
"Notavelmente, o mercado viu um aumento de 5,8% nas exportações para US$ 52,9 bilhões ano a ano em maio de 2023, com base na crescente demanda dos EUA, representando a segunda maior marca registrada", diz trecho do relatório da Kearney.
Para a consultoria, o retorno de Brasil, México e Argentina ao ranking em 2024 pode ser um "reflexo do crescente movimento de reshoring, nearshoring e friendshoring", fenômenos de encurtamento de cadeias produtivas.
Para o Brasil, a Kearney aponta acertos estruturais da macroeconomia, como a histórica aprovação da reforma tributária. "Se bem implementada, ela vai desonerar a indústria e vai onerar os serviços. Agora, o país tem que criar um ambiente de negócios positivo, sem mudar as regras a toda hora e sem sobretaxar empresas", afirma Essle.
Além disso, pontua o relatório da consultoria, os investidores podem ter ficado "entusiasmados com o anúncio de setembro de 2023 do Ministro dos Transportes Renan Filho de que o mercado espera atrair cerca de 180 bilhões de reais (US$ 36,6 bilhões) de investimentos privados em novos projetos de ferrovias e rodovias nos próximos três anos".
Apesar desses avanços institucionais, pesa a favor do país sua política de neutralidade em meio aos conflitos globais — o IED é baseado em entrevistas com executivos de empresas de 30 países com receita anual superior a US$ 500 milhões.
O índice de confiança lista mercados com maior potencial de atrair investimento direto nos próximos três anos. Dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU) em janeiro mostram que o Brasil foi o terceiro principal destino de investimentos estrangeiros em 2023.
Justamente por isso, Essle faz o seguinte disclaimer: "Trata-se de um estudo do que vai acontecer, e não do que já aconteceu".
O caso da Argentina é um pouco diferente. O país amargou com uma inflação de 211% em 2023 — e que se aproximou de quase 300% no acumulado interanual neste ano — e elegeu o ultraliberal Javier Milei. Houve, de fato, uma mudança brusca nos rumos econômicos do país que, pelo menos num primeiro momento, agradou os executivos entrevistados pela Kearney.
"Em apenas dois meses, Milei conseguiu cumprir sua meta de 'déficit zero', ou seja, deixar de ter as contas no vermelho. Os mercados reagiram positivamente, com os títulos e ações do país em alta, o dólar livre estabilizado e o 'risco país', que é um índice que mede a confiança na capacidade de um Estado para pagar sua dívida, no nível mais baixo em dois anos", afirma Essle.
As medidas drásticas do presidente argentino, como a revogação de leis, privatização de empresas públicas e corte de gastos, são apontadas pelo especialista como positivas para os executivos que fazem parte do índice.
"Os fluxos de investimento estrangeiro direto na Argentina aumentaram para US$ 15,1 bilhões em 2022, de US$ 6,8 bilhões em 2021. Esse aumento de quase 125% reflete o crescente entusiasmo pelo mercado como destino de investimento", destaca a Kearney.
Além do tratamento de choque de Milei, há também o fato de que, assim como o Brasil, a Argentina tem um potencial gigante quando o assunto é transição energética – fator que aproxima muito as duas nações.
"A Argentina é o parceiro essencial do Brasil. Somos complementares", afirma Essle. "As duas nações têm um agronegócio muito potente e, apesar da similaridade dos produtos, há muito mais complementaridades e pouquíssima competição. Um produz o que o outro não tem, um é mercado do outro. Isso eu chamo de sinergia."
Para ele, uma Argentina economicamente mais sólida pode "contribuir para o crescimento das exportações brasileiras, fortalecer a relação bilateral e promover a cooperação em varias áreas. Ambos os países têm muito a ganhar". Ele cita o acordo recente de US$ 600 milhões para financiar exportações brasileiras para o país vizinho, algo fundamental para garantir que os exportadores brasileiros recebam pelas vendas, especialmente considerando a crise financeira e a escassez de dólares enfrentadas pela Argentina.
Mas isso não significa um risco ao Brasil.
"A atratividade da Argentina para os investidores pode influenciar os fluxos de capital na região. Se a Argentina oferecer melhores retornos ou condições de investimento, poderá atrair investimento estrangeiro direto que, de outra forma, iria para o Brasil. No entanto, o tamanho e a diversidade do Brasil ainda o tornam um destino de investimento significativo. O potencial de mercado, os recursos naturais e a base industrial do Brasil continuam a atrair investidores", diz Essle.
O Brasil e a Argentina, com o imenso potencial natural – e sobretudo mineral –, chamam a atenção do mundo a partir do momento em que a mudança climática impôs mudanças das fontes energéticas.
"Foram cem anos investindo no petróleo, moldando nossa sociedade e economia através dele. Em vinte anos, temos que mudar tudo de forma drástica, porque essa mudança precisa acontecer", afirma Mark Essle. E países ricos em minério, com uma indústria de mineração razoavelmente organizada, saem na frente.
Por isso, o sócio da Kearney traça o perfil do executivo que pretende investir no Brasil e Argentina nos próximos três anos: aquele entusiasmado com a transição energética.
"Quem quer investir aqui não é o Google nem a Microsoft, estes investiriam nos Estados Unidos ou China", afirma. Afinal, o maior trunfo dos dois maiores países da América do Sul não é a Inteligência Artificial, mas sim as reservas de minerais essenciais à transição energética, como o lítio, de ambas as nações, por exemplo.
Juntamente com o Chile e a Bolívia, a Argentina possui 60% das reservas conhecidas de lítio do planeta, segundo dados do US Geological Survey. O minério é usado na fabricação baterias, desde aquelas usadas em carros elétricos até as de aparelhos eletrônicos como notebooks e smartphones – e está no centro do debate sobre o desenvolvimento tecnológico no mundo. Apesar de não ter tanto lítio como as três nações sul-americanas citadas acima, o Brasil tem importantes reservas. De acordo com o Serviço Geológico dos Estados Unidos, o país fica na 15ª posição em reserva do mineral, com 800 mil toneladas do minério estimadas.