Mundo

O aquecimento está aí. E nós podemos lucrar com ele

A Conferência de Copenhague, em dezembro, ditará o ritmo com que o mundo terá de se reinventar para reduzir as emissões de CO2. A boa notícia é que nessa nova economia que se configura dois países surgem como os prováveis vencedores: China e Brasil

Obama, na época candidato à presidência dos Estados Unidos, e Al Gore, o democrata que luta contra o aquecimento global: o presidente ainda não cumpriu as promessas verdes de campanha  (.)

Obama, na época candidato à presidência dos Estados Unidos, e Al Gore, o democrata que luta contra o aquecimento global: o presidente ainda não cumpriu as promessas verdes de campanha (.)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Faltam dois meses para que representantes de 192 países do mundo se reúnam em Copenhague, na Dinamarca, para decidir o que farão em relação às mudanças climáticas. A ideia é que o encontro coordenado pela Organização das Nações Unidas seja o palco para a costura de um acordo global agressivo de redução das emissões de gases causadores do efeito estufa.

Trata-se do maior evento global desde a assinatura do Protocolo de Kyoto, em 1997. O cenário é de urgência. Um relatório divulgado no início de outubro pelo Pnuma, o programa da ONU para o meio ambiente, reuniu 400 estudos científicos e concluiu que as mudanças climáticas "podem estar ultrapassando as previsões mais pessimistas". Não se trata mais apenas de ursos polares se equilibrando em calotas de gelo que insistem em derreter. O aquecimento global começa a mostrar seu impacto diretamente na economia. Na Austrália, por exemplo, uma forte seca está acabando com o agronegócio - um dos pilares do desenvolvimento do país. Um recente estudo feito pelo Global Humanitarian Forum, presidido por Kofi Annan, revela que mais de 325 milhões de pessoas já têm sua rotina afetada pelas mudanças climáticas, a um custo econômico de 125 bilhões de dólares por ano. Mesmo com tais alertas não há hoje sinais concretos de que a reunião de Copenhague trará respostas definitivas para a questão. Enquanto União Europeia e Japão têm metas para a redução de CO2, os Estados Unidos devem chegar à conferência sem divulgar seus objetivos - embora Barack Obama tenha feito promessas de campanha ao lado de um dos mais proeminentes ambientalistas do mundo, o democrata Al Gore. Qualquer que seja o desfecho da discussão, porém, já é possível ter duas certezas. A mais óbvia é que resolver esse imbróglio é essencial para garantir o futuro do planeta. A outra é que nessa disputa alguns países vão se dar melhor que outros - e o Brasil, graças a fatores como matriz energética e florestas (nativas e plantadas), surge como uma das potências do novo cenário. "Ninguém está tão preparado para se dar bem em uma economia de baixo carbono como nós", afirma Tasso Azevedo, consultor do Ministério do Meio Ambiente em questões de clima e de florestas.

Azevedo não está sozinho nesse discurso. Um dos mais eloquentes defensores dessa tese é o físico José Goldemberg, um dos maiores especialistas do mundo na área de energia. "Quaisquer que sejam os encargos e as obrigações resultantes da Conferência de Copenhague, temos todas as condições de cumpri-los, sejam eles apresentados com a retórica de "compromissos voluntários", como prefere o Itamaraty, ou de compromissos mandatórios resultantes de um acordo internacional", diz Goldemberg. As oportunidades, segundo ele, vão da exportação de etanol à geração de empregos com negócios "verdes". O otimismo tem ganhado corpo também no setor privado. "Está claro que, daqui para a frente, as economias que conseguirem produzir bens com menos emissões sairão na frente", afirma Wilson Ferreira Júnior, presidente da CPFL, uma das maiores geradoras e distribuidoras de energia do país. "E nós já fazemos isso, porque temos a matriz elétrica mais limpa do mundo." Cerca de 85% baseada em fontes renováveis, a matriz brasileira é mesmo um patrimônio a ser valorizado. Dois terços da matriz elétrica da China, por exemplo, estão baseadas no carvão mineral. Assim, o raciocínio de especialistas e executivos do setor é que o Brasil deveria criar um selo verde que diferenciasse nossos produtos lá fora. A ideia pode parecer utópica, mas tem sido cada vez mais defendida por especialistas brasileiros e estrangeiros. "Não tem gente que paga mais caro por um computador que tem o selo Intel Inside?", pergunta Ferreira, da CPFL. "Acho factível que consumidores paguem mais caro por um produto que tenha o selo Clean Energy Inside (numa tradução livre, 'Aqui há energia limpa')." 


PARA QUE ESSE TIPO DE SONHO econômico se torne realidade será preciso fazer alguns avanços - e cuidar para manter o que já foi conquistado. Pensadores como Goldemberg alertam para o fato de que, se o governo continuar privilegiando a construção de termelétricas movidas a carvão e óleo diesel, como vem fazendo nos últimos anos, até 2017 as fontes renováveis responderão por apenas 75% da matriz - o que inevitavelmente reduziria o brilho do tal selo verde. A questão mais crucial, porém, é outra.

O Brasil precisa se livrar do fantasma do desmatamento da Amazônia, que responde por 60% de suas emissões e o coloca na posição nada meritória de quarto maior emissor do planeta. A tarefa é mais simples do que parece. De acordo com a consultoria McKinsey, para diminuir 70% de suas emissões até 2030, o Brasil teria de investir 27 reais por tonelada de CO2 - metade da média mundial. A conta é mais barata aqui porque bastaria deixarmos as árvores em pé, enquanto Estados Unidos, China e Europa precisariam tirar do mapa milhares de termelétricas movidas a carvão e substituí-las por parques eólicos e painéis solares ou investir no desenvolvimento das caríssimas e polêmicas tecnologias CCS - sigla para "captura e armazenamento de carbono".

Aqui e lá fora existe um consenso de que o desmatamento zero da Amazônia só ocorrerá se houver quem o financie. Eis aí outra oportunidade de negócio gigantesca para o Brasil que será discutida em Copenhague: a precificação das florestas e o investimento de diversos países nessas áreas verdes. O principal mecanismo para esse financiamento será o Redd (do inglês Reducing Emissions from Deforestation and Degradation), um incentivo financeiro para a redução de emissão por desmatamento e degradação. Na prática, significa receber dinheiro de países desenvolvidos, por meio de um mercado de créditos de carbono da floresta, para garantir que as árvores ficarão em pé. Na legião de entusiastas do Redd estão ONGs ambientalistas e figuras emblemáticas do movimento em prol da sustentabilidade do planeta, como o economista inglês Nicholas Stern, coautor do celebrado relatório sobre os custos do aquecimento. Alguns estudos estimam que o Redd poderia render às florestas do mundo até 20 bilhões de dólares por ano - o Brasil, por ter a maior delas, receberia boa parte dessa verba. Como em qualquer tema relacionado à sustentabilidade, esse também é polêmico. O governo brasileiro, por exemplo, faz ressalvas ao modelo. "Não queremos que os países ricos deixem de fazer internamente o que precisam para reduzir suas emissões e cumpram suas metas comprando créditos de florestas", diz Suzana Khan, secretária de mudanças climáticas do Ministério do Meio Ambiente. "Isso não beneficiaria o clima." 


Das oportunidades mais imediatas, poucas são tão atrativas quanto o mercado de etanol. A despeito de haver um frisson sobre o aumento da produção de carros elétricos, o mundo precisará cada vez mais de opções de combustível verde - e o etanol brasileiro é hoje a opção mais barata e eficiente. Só nos Estados Unidos, onde o governo determinou que 15% dos combustíveis de origem fóssil sejam substituídos por produtos de origem renovável, a demanda por etanol poderá chegar a 136 bilhões de litros em 2022, quase cinco vezes a produção atual brasileira, de 27 bilhões de litros.

Na Europa, a meta é que, até 2020, 10% de todo o combustível usado nos transportes rodoviários e ferroviários venha de fontes renováveis. A estimativa é que a região precisará de 60 bilhões de litros de etanol por ano - duas vezes a produção atual brasileira. "Este é o momento em que os Estados Unidos e outros países estão definindo o padrão do combustível de baixo carbono que querem usar e que regulamentações vão adotar", diz Marcos Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). "E o ritmo dessas discussões pode se acelerar à medida que os países assumirem compromissos em Copenhague."

A CERTEZA DE QUE O ETANOL brasileiro ganhará o mundo é tanta que algumas empresas estão reforçando seus investimentos. A ETH, empresa produtora de etanol, açúcar e energia elétrica do grupo Odebrecht, tem planos de expansão traçados para os próximos cinco anos que vão exigir 3 bilhões de reais de investimento. Até abril do próximo ano, quando acabar a safra 2009/2010, a ETH terá moído em suas cinco usinas 13 milhões de toneladas de cana - e produzido 470 milhões de litros de álcool. A primeira ampliação deve acontecer em 2012, quando a moagem subirá para 28 milhões de toneladas. A segunda virá em 2015, para aumentar a capacidade para 40 milhões de toneladas. Hoje, 100% da produção de etanol da ETH é destinada ao mercado doméstico. Mas a partir de 2015 o grande alvo da empresa é o mercado externo. "Depois de Copenhague, uma agenda de sustentabilidade será criada e todos os debates de natureza regulatória vão andar mais rápido", afirma José Carlos Grubisich, presidente da ETH. É no exterior que também estarão as oportunidades para a biomassa brasileira. As termelétricas europeias estão substituindo o carvão mineral e o gás natural pelos chamados pellets - resíduos de biomassa, como serragem e bagaço de cana, que, prensados, transformam-se em combustível. Em oito anos o consumo anual de pellets de madeira no continente passou de 1,6 milhão para 6,8 milhões de toneladas - e já movimenta 2,2 bilhões de dólares. Especialistas afirmam que as pressões ambientais farão a demanda global por pellets alcançar 20 milhões de toneladas em 2020 - e que o Brasil tem potencial para conquistar até 25% do mercado. 


No Brasil, a economia de baixo carbono esconde promessas até para setores que, supostamente, teriam a perder. Um exemplo é o de siderurgia. No mundo todo, os fabricantes de aço estão quebrando a cabeça para descobrir maneiras de produzir emitindo menos CO2. Enquanto isso, por aqui a subsidiária da ArcelorMittal produz, em escala industrial, o chamado aço verde. Alguns dos alto-fornos da empresa usam carvão vegetal de florestas plantadas em vez do carvão mineral para produzir o gusa - o aço ainda sem tratamento e com impurezas.

Uma tonelada de gusa produzido com carvão mineral emite 1,9 tonelada de CO2, enquanto a produção de uma tonelada de aço verde remove 1,1 tonelada de gás da atmosfera - o que dá às empresas que adotam o processo, como a Arcelor, o direito de vender créditos de carbono. "Não acho que seria viável converter todos os fornos brasileiros para a produção do aço verde, mas seria interessante se parte dos novos investimentos privilegiasse a tecnologia", diz Marco Fujihara, diretor do Instituto Totum e especialista em mercado de carbono. É esse o caminho que planeja seguir a Arcelor. "Isso dará à nossa siderurgia uma vantagem em relação a nossos competidores lá fora", diz José Otávio Andrade Franco, gerente de meio ambiente da ArcelorMittal.
A Conferência de Copenhague deverá deixar claro também qual o grande concorrente do Brasil nessa corrida pelo protagonismo num mundo baseado na economia de baixo carbono: a China. Preocupada com o quanto sua população pode estar vulnerável às catástrofes climáticas e decidida a se transformar no maior exportador mundial de tecnologias verdes, a China deu início a uma ambiciosa cruzada verde. "A decisão da China de se tornar verde é o equivalente para o século 21 ao lançamento russo do Sputnik em 1957, o primeiro satélite a orbitar em torno da Terra", escreveu semanas atrás o colunista do jornal americano The New York Times Thomas Friedmann. Os resultados da cruzada asiática começam a aparecer. A China já é o maior produtor mundial de painéis solares e tem o quinto maior parque eólico do mundo. Em breve deve galgar novas posições nesse ranking. A meta do governo é fazer com que os ventos respondam por 15% da demanda de energia do país até 2020. Para reduzir as emissões do transporte, o país investe em soluções como as bicicletas elétricas - estima-se que já tenham sido vendidas 50 milhões de bikes verdes. Ironicamente, apesar da instalação de milhares de turbinas eólicas, a China está construindo mais termelétricas movidas a carvão. Ou seja, independentemente do aquecimento global, cada país continuará a se virar como pode. No caso do Brasil, a diferença é que, se fizer direito a lição de casa, o país poderá se virar melhor do que os outros nessa nova economia.

Onde o Brasil pode ganhar
As discussões de Copenhague vão afetar diretamente o Brasil e várias de suas empresas. Veja exemplos de oportunidades "verdes" que o país pode aproveitar:
 

Etanol -A despeito do aumento da produção de carros elétricos, o setor de transportes no mundo todo dependerá cada vez mais de um combustível verde, e o etanol brasileiro é hoje a opção mais barata e eficiente. Só nos Estados Unidos, onde o governo determinou que 15% dos combustíveis de origem fóssil sejam substituídos por produtos de origem renovável, a demanda pelo produto poderá chegar a 136 bilhões de litros em 2022 - cinco vezes a produção atual brasileira.

Aço verde - No mundo todo a siderurgia está buscando maneiras de reduzir suas emissões. O Brasil é o único país que produz, em escala industrial, o chamado aço verde, que usa carvão vegetal de florestas plantadas, em vez de carvão mineral, para produzir o gusa (o aço ainda com impurezas). Uma tonelada de gusa produzido com carvão mineral emite 1,9 tonelada de CO2, enquanto a produção de 1 tonelada de aço verde remove 1,1 tonelada de gás da atmosfera - o que dá às empresas que adotam o processo o direito de vender créditos de carbono. Seria inviável produzir todo o aço brasileiro com carvão vegetal, mas os especialistas apostam que, num futuro próximo, o aço verde ajudará a siderurgia brasileira a se diferenciar de seus competidores lá fora.

Florestas nativas - Se reduzir o desmatamento, o Brasil poderá transformar a Amazônia - hoje a grande responsável pelas emissões do país - na maior e mais eficiente máquina de estocar carbono do mundo. A ideia é que esse processo seja financiado por meio do Redd, mecanismo de incentivo para a redução de emissão por desmatamento e degradação. Na prática, significa receber dinheiro de países desenvolvidos para manter a floresta de pé. Alguns entusiastas do Redd estimam que ele poderia render às florestas do mundo inteiro até 20 bilhões de dólares ao ano. A despeito da polêmica, há um consenso de que as florestas - se conservadas - serão precificadas num futuro próximo.

Matriz energética - O Brasil tem a matriz energética mais limpa do mundo - hoje, 85% dela vem de fontes renováveis - e há potencial para torná-la ainda mais verde. Segundo a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), a cogeração de energia por meio do bagaço de cana, por exemplo, poderá atingir 14% da matriz até 2020. Especialistas e executivos afirmam que o Brasil poderia fazer uso disso para criar uma espécie de selo verde que diferenciaria nossos produtos lá fora. O raciocínio é que os consumidores pagariam mais caro por produtos com um selo Clean Energy Inside (numa tradução livre, "Aqui há energia limpa").

Pellets - As termelétricas europeias estão substituindo carvão mineral e gás natural por pellets - resíduos de biomassa, como serragem, que, prensados, se transformam em combustível. Em oito anos o consumo anual dos pellets de madeira no continente saltou de 1,6 milhão de toneladas para 6,8 milhões - e já movimenta 2,2 bilhões de dólares. Especialistas afirmam que a demanda global por pellets pode chegar a 20 milhões de toneladas em 2020 - e que o Brasil tem potencial para conquistar até 25% deste mercado.

Fontes: New Energy Finance, Unica e Ipam 

Acompanhe tudo sobre:[]

Mais de Mundo

Solto da prisão de manhã, Peter Navarro é ovacionado na convenção republicana à noite

Biden tem grandes chances de desistir no fim de semana, dizem democratas em Washington

Fotos de ataque a Trump são usadas para vender bíblias e camisetas na Convenção Republicana

Biden é diagnosticado com Covid-19, diz Casa Branca

Mais na Exame