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Metafetamina e captagon: como o Iraque tenta agora combater uma epidemia de uso de drogas sintéticas

Apreensões de sintéticos cresceu de 20 toneladas em 2017 para 550 toneladas em 2020 no Iraque, segundo a ONU

Cerca de 40 pacientes são tratados no Centro de Reabilitação Social Al-Canal em Bagdá em meio a um aumento no uso de drogas (AFP/AFP)

Cerca de 40 pacientes são tratados no Centro de Reabilitação Social Al-Canal em Bagdá em meio a um aumento no uso de drogas (AFP/AFP)

Publicado em 31 de julho de 2023 às 11h30.

Última atualização em 31 de julho de 2023 às 13h58.

Durante sete anos, Mohamed, de 23 anos, ingeriu cerca de dez comprimidos de captagon diariamente e agora quer se livrar de um vício que pode levá-lo à morte, ou a uma prisão no Iraque, que trava uma guerra às drogas.

País limítrofe com Irã, Síria e Arábia Saudita, o Iraque é há muito tempo um país de trânsito de drogas, mas nos últimos anos o consumo disparou. Dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) mostram que as apreensões de sintéticos cresceram de 20 toneladas em 2017 para 550 toneladas em 2020, último dado disponível. Esse dado, naturalmente, serve como um indicador indireto do aumento da crise de uso de drogas no país, uma vez que uma parte pequena dos entorpecentes são apreendidos.

Não à toa, em seu relatório sobre drogas no mundo mais recente, a UNODC chamou a atenção para o significativo avanço do mercado ilegal de drogas sintéticas no globo, mais baratas e fáceis de produzir -- e geralmente com custos de entrada no mercado menores. De 2015 a 2021, por exemplo as apreensões mundiais de anfetamina triplicaram, segundo a ONU. No caso do Oriente Médio, a preocupação se concentra na forma de droga sintética conhecida como captagon, um tipo de anfetamina, produzido em escala industrial na Síria e que cruza a fronteira com o Iraque para inundar as monarquias ricas do Golfo - principalmente a Arábia Saudita, o maior mercado consumidor.

Para remediar esta situação, o governo iraquiano concentra sua atenção nos dependentes químicos e abriu três centros de reabilitação em al-Anbar (oeste), Kirkuk (norte) e Najaf (centro), nos quais são alojados dependentes químicos que foram presos, para separá-los dos traficantes na prisão. Uma experiência que as autoridades querem estender a outras províncias.

Além do captagon, o narcótico mais comum no Iraque é a metanfetamina, que chega do Afeganistão, ou do Irã.

O mapa, elaborado pela UNODC, mostra as principais rotas de tráfico de captagon por terra e por navegação (UNODC/Divulgação)

Lidando com usuários

Inaugurado em abril, em Bagdá, o Centro de Reabilitação Social Al-Canal é uma clínica do Ministério da Saúde que recebe atualmente cerca de 40 dependentes que chegaram por iniciativa própria. Um deles é Mohamed, que toma entre "dez e 12" comprimidos de captagon diariamente, conta ele sob um pseudônimo.

A droga "deixa você dinâmico, te dá energia e te mantém acordado", disse à AFP um rapaz de Al-Anbar, uma província desértica no oeste do Iraque, na fronteira com a Síria.
Segundo ele, "está por todo lado", já que um comprimido custa dois dólares (9,40 reais na cotação atual).

Segundo a AFP, Mohamed passou duas semanas no Centro, voltou para casa e depois retornou ao centro com medo de cair novamente em tentação, porque o captagon "te leva à prisão ou à morte".

O centro tem uma seção para homens, e outra, para mulheres. As internações duram cerca de um mês e os pacientes recebem apoio psicológico. Quando recebem alta, retornam semanalmente para um acompanhamento de seis meses.

"Recebemos todas as idades", disse o diretor do Centro, Abdel Karim Sadeq Karim, embora a maioria de seus pacientes esteja na casa dos 20 anos e consuma principalmente metanfetamina. "Desde a primeira dose, há dependência", afirmou.

"É um flagelo que destrói totalmente o indivíduo", confirmou seu vice-diretor, Ali Abdallah, acrescentando que o uso de drogas aumentou depois de 2016.

Prisões diárias - e crescentes

De fato, as forças de segurança iraquianas anunciam prisões quase diariamente. Entre outubro de 2022 e junho de 2023, mais de 10.000 pessoas foram detidas por "crimes relacionados a entorpecentes: traficantes, transportadores, revendedores, ou consumidores", disse à AFP o porta-voz da Direção de Narcóticos e Entorpecentes, Hussein al-Tamimi.

Este órgão apreendeu 10 milhões de comprimidos de captagon e 500 quilos de entorpecentes, dos quais cerca de 385 quilos eram de metanfetamina.

O sucesso das operações se deve ao aumento da cooperação regional, à coleta de informações e à Inteligência.

Mercado promissor?

Segundo dados oficiais, compilados pela AFP, pelo menos 110 milhões de comprimidos de captagon foram apreendidos no Oriente Médio em 2023.

O Iraque se tornou uma importante zona de trânsito de captagon, porque a vizinha Jordânia, outro país de trânsito, reforçou suas fronteiras e não hesita em abrir fogo contra os traficantes, disse à AFP um diplomata ocidental em Bagdá.

Sendo assim, para financiar os direitos de passagem, os traficantes revendem a droga em território iraquiano e, com isso, reforçam o consumo local. "Potencialmente, isso pode representar um verdadeiro mercado, se houver expansão econômica e aumento do poder de compra", disse uma fonte anônima, que destacou o alto percentual de jovens em uma população de 43 milhões de habitantes.

O que é captagon?

Captagon é o nome comercial de uma droga psicoativa produzida em massa na Síria. A droga é um estimulante do tipo anfetamina que tem sido contrabandeada para os países do Golfo, onde se tornou uma das drogas mais populares entre os jovens.

Segundo a Al Jazeera, a droga foi inventada na década de 1960 pela empresa alemã Degussa Pharma Gruppe e era originalmente prescrita como tratamento para transtorno de déficit de atenção, narcolepsia e como estimulante do sistema nervoso central. Os comprimidos de Captagon continham fenetilina, uma droga sintética da família das fenetilaminas, à qual a anfetamina também pertence.

Embora a droga tenha sido proibida em muitos países, ela ainda é produzida em massa na Síria, onde é contrabandeada para os países do Golfo. A produção e o contrabando de Captagon se tornaram um problema significativo na Síria, onde a guerra civil e a instabilidade política criaram um ambiente propício para o tráfico de drogas.

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