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Apagão em Cuba: Crise energética, que afeta país há anos, foi gatilho para protestos históricos

País está às escuras desde as 12h de sexta, quando governo declarou 'emergência energética' depois do colapso do sistema nacional de eletricidade e falha de sua maior usina termelétrica

Cuba segue às escuras neste sábado, após pane em termoelétrica (ADALBERTO ROQUE/AFP)

Cuba segue às escuras neste sábado, após pane em termoelétrica (ADALBERTO ROQUE/AFP)

Agência o Globo
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Publicado em 22 de outubro de 2024 às 07h01.

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Um colapso do sistema nacional de energia elétrica deixou Cuba completamente às escuras nos últimos quatro dias. No último sábado, uma falha no processo de recuperação do Sistema Elétrico Nacional (SEN), após uma queda total devido a uma avaria numa central termoelétrica, provocou um dos maiores apagões na história do país.

Embora o governo tenha informado que a luz já voltou em quase 90% de Havana, várias partes do país permanecem sem energia elétrica. Os apagões estão causando protestos em todo o país, e foram um dos gatilhos para os protestos históricos que sacudiram Cuba em 11 de julho de 2021.

Na sexta-feira, as autoridades iniciaram o processo de reenergização e arranque do SEN, criando gradualmente algumas zonas com corrente em determinados pontos do país, visando ampliá-las e ligá-las entre si, para chegar à central termoelétrica e reiniciá-la. No entanto, um novo desligamento total pôs fim aos pequenos avanços.

O SEN entrou em colapso na manhã da última sexta-feira, devido a uma pane na termelétrica de Guiteras, uma das principais geradoras do país. Conforme explicou o Ministério de Energia e Minas (Minem), ocorreu um evento de “cobertura energética nacional zero”, um apagão total em todo o país.

O apagão é consequência da crise energética que o país sofre há anos, um problema enraizado e com uma solução complexa a longo prazo, segundo os especialistas, que tem graves consequências econômicas e sociais.

Protestos nacionais

O presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, alertou que o governo atuará com "rigor" contra aqueles que tentarem "provocar perturbações da ordem pública", após serem registradas manifestações em todo o país contra o colapso do sistema nacional de energia elétrica da última sexta-feira.

Os apagões são considerados catalisadores de protestos antigovernamentais, incluindo os de 11 de julho de 2021 – os maiores em décadas – e os de 17 de março em Santiago de Cuba.

Durante uma reunião governamental no domingo, o presidente, vestido com uniforme militar, disse que aqueles que participarem de atos de vandalismo "serão processados como corresponde ao rigor contemplado nas leis revolucionárias". Segundo ele, alguns "atuam sob as orientações enviadas pelos operadores da contrarrevolução cubana do exterior".

A agitação causada pelo apagão provocou protestos, panelaços e outras demonstrações de descontentamento em algumas partes do país. Em áreas da capital, como El Vedado, San Miguel del Padrón, Lawton e Centro Habana, bem como em províncias como Santiago de Cuba e Villa Clara, dezenas de pessoas saíram às ruas para se manifestar, incluindo mulheres com crianças nos braços no bairro populoso de Santos Suárez.

Outro grupo fechou uma rua no centro de Havana com barricadas de lixo.

— De acordo com a Empresa Elétrica de Havana, 769.810 clientes, de 301 circuitos, têm serviço de eletricidade em Havana, o que representa 89,3% do total — disse a empresa, citada pelo portal estatal de notícias Cubadebate.

Os hospitais estão começando a entrar em colapso. Uma fonte que preferiu permanecer anônima disse ao El País que no centro pediátrico da província de Pinar del Río há várias crianças com sarna — uma doença de pele contagiosa — que não podem tomar banho por falta de água e combustível para bombeá-la. A maioria das alas do hospital é mantida no escuro, exceto as alas intermediárias, de tratamento intensivo e de onco-hematologia. Alguns pais decidiram internar crianças que precisam de ar-condicionado ou respiradores, usando camas improvisadas nos corredores, por vontade própria.

O que causou o apagão em Cuba?

A termelétrica Antonio Guiteras, em Matanzas (oeste), sofreu uma pane e teve que sair do Sistema Elétrico Nacional (SEN). Essa ação imprevista desequilibrou um sistema já em situação de alto estresse e provocou o que a União Elétrica estadual (UNE) chamou de “cobertura energética nacional zero”.

Cuba vinha enfrentando apagões diários prolongados desde o final de agosto. Esta quinta-feira foi atingida a taxa máxima de deficit de 2024, depois de ultrapassado um impacto simultâneo que paralisou mais de metade do país. Esta é a pior percentagem dos últimos anos, incluindo os picos no início deste ano e em Julho e Agosto de 2021 e 2022.

Em Havana, que não costuma ser atingida pela crise por ser a capital, os apagões diários mínimos já eram de seis horas. Em alguns municípios, há semanas que ultrapassam as 20 horas diárias.

Atualmente, as causas são, segundo a UNE, a escassez de combustível importado — resultado da falta de divisas — para abastecer os motores e as centrais elétricas, e as repetidas avarias nas suas termelétricas obsoletas.

Cuba, segundo dados do Minem, consome 8 milhões de toneladas de combustível por ano, das quais produz apenas três milhões. O Governo afirmou em alguma ocasião que dedica anualmente mais de dois bilhões de dólares a esta área (mais de R$ 11 bi). Aliados como a Venezuela, a Rússia e o México têm fornecido ao país a maior parte da energia de que necessita.

A ilha conta atualmente com sete usinas termelétricas de fabricação soviética – construídas há mais de quatro décadas e afetadas por um crônico déficit de investimento –, com um total de 20 unidades geradoras (sete delas foram paralisadas nos últimos dias devido a avarias e manutenções).

Além disso, Cuba alugou várias usinas flutuantes nos últimos anos, das quais apenas cinco estão atualmente em operação. É uma solução rápida, mas cara e poluente, que não resolve o problema estrutural.

Cuba já tinha sofrido um apagão total?

Em Setembro de 2022, uma situação semelhante de “produção zero” ocorreu depois do furacão Ian, de categoria três na escala Saffir-Simpsom, ter passado pelo extremo oeste da ilha. Isto causou um grave desequilíbrio que deixou todo o país no escuro. A recuperação levou dias.

Os especialistas concordam que não existem soluções simples, que estimam um investimento de 10 bilhões de dólares (cerca de R$ 55 bi) para revitalizar o sistema eléctrico cubano.

O presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, garantiu que “a liderança do país” está dedicando “prioridade absoluta à atenção e solução desta contingência energética altamente sensível para a nação”, e destacou que “não haverá descanso” até que seja restaurado o fluxo elétrico no país.

A longo prazo, Cuba pretende reformar substancialmente o SEN, segundo Guerra, e avançar para a “independência energética” baseada no “petróleo bruto nacional, acompanhando o gás e as energias renováveis”, com um papel proeminente para a energia solar.

O Governo cubano está promovendo um plano para lançar, com ajuda chinesa, 100 parques solares até 2031 com uma capacidade instalada de dois mil megawatts, o que poderá aliviar o deficit energético.

Quais são as consequências econômicas da crise?

Os frequentes cortes no fornecimento de eletricidade prejudicam gravemente a economia cubana, que em 2023 contraiu 1,9% e ainda está abaixo dos níveis de 2019, em parte devido à paralisia forçada pelos apagões.

Os apagões paralisam semáforos, caixas eletrônicos, postos de gasolina, pagamento eletrônico nas lojas, escritórios administrativos, fogões elétricos na maioria das residências, e bombas de água. Isto tem alimentado o descontentamento num contexto de grave crise econômica há mais de quatro anos, com escassez de bens básicos (alimentos, medicamentos, combustíveis), inflação galopante, dolarização crescente e uma onda migratória sem precedentes.

Emergência energética

Embora os cubanos lidem há meses com desconfortáveis e prolongados apagões que duram várias horas, na última sexta-feira o país declarou uma “emergência energética” após o colapso do sistema nacional de eletricidade e a falha da usina termelétrica Antonio Guiteras, a maior da ilha. As autoridades afirmam trabalhar para restaurar o fornecimento, mas quatro dias depois Cuba ainda está paralisada.

A estatal Unión Eléctrica (UNE) disse no sábado que 11% do total havia sido restaurado, especialmente na parte oeste do país, mas os esforços não foram suficientes. O sistema voltou a cair horas depois, e os cubanos continuam incertos quanto à data em que finalmente terão acesso à eletricidade. O anúncio sobre a regularização quase completa em Havana veio na tarde desta segunda.

O Ministro de Energia e Minas, Vicente de la O Levy, prometeu numa conferência no domingo restaurar o serviço na noite desta segunda-feira para a grande maioria da população da ilha. O presidente Díaz-Canel reconheceu, por sua vez, que a situação do sistema elétrico continua “complexa”.

As causas da emergência nacional não são novas: os especialistas vêm prevendo uma situação semelhante há algum tempo. O governo explicou que, além do bloqueio dos EUA contra Cuba, o estado da infraestrutura é crítico, com uma clara falta de combustível que não pode ser paga com a escassa moeda estrangeira disponível e um recente aumento na demanda.

Na ilha, a eletricidade é gerada por oito usinas termoelétricas desgastadas e dependentes de combustível, algumas das quais quebraram ou passam por manutenção, além de várias usinas flutuantes — que o governo aluga de empresas turcas — e geradores. A maior parte dessa infraestrutura precisa de combustível para funcionar.

Mesmo assim, o primeiro-ministro, Manuel Marrero, afirmou que o país não está “em um abismo sem fundo”, apesar de ter sido necessário suspender as atividades de ensino, culturais e recreativas, bem como as atividades em locais de trabalho que não são considerados essenciais até quarta-feira. Em outras palavras, a grande maioria.

— Minha geladeira está descongelada há três dias e tenho medo de que estrague tudo — explicou à AFP Adismary Cuza, um trabalhador privado de 56 anos, que está desesperado.

Com a escassez de alimentos e medicamentos, o aumento da inflação e os apagões crônicos que limitam o desenvolvimento das atividades produtivas, Cuba enfrenta sua pior crise econômica em três décadas, desde o colapso do principal aliado, a União Soviética, no início da década de 1990 — marcada por uma inflação crescente e escassez de produtos básicos.

— Os cubanos estão cansados de tanta coisa. Não há vida aqui, [as pessoas] não aguentam mais — lamentou Serguei Castillo, um pedreiro de 68 anos.

Furacão Oscar

A vida se tornou uma questão de sobrevivência para muitos em Cuba. Nos últimos tempos, aumentou a venda informal de geradores elétricos ou painéis solares para sobreviver à vida cotidiana. Poucos, porém, têm condições de comprar um desses equipamentos, que custam até US$ 2 mil (pouco mais de R$ 11 mil).

— As pessoas que possuem gerador são porque têm família no exterior ou uma boa posição econômica aqui para comprar um — diz Cuesta. — A maioria de nós não tem um, mas alguns vizinhos demonstram solidariedade e nos ajudam a carregar nossos celulares e ventiladores [recarregáveis] para as crianças. A realidade é que nem todo mundo pode, porque eles são caros.

O apagão maciço que começou na sexta-feira já é um dos mais longos da História de Cuba. Como se isso não bastasse, em meio ao colapso energético, os meteorologistas emitiram um alerta para o furacão Oscar, que ameaça atravessar a costa norte de Cuba.

No domingo, ele tocou o solo do país como fenômeno de categoria 1 na província de Guantánamo, perto da cidade de Baracoa, às 17h50 (18h50 de Brasília), mas pouco depois foi rebaixado para tempestade tropical, segundo o Centro Nacional de Furacões (NHC) dos Estados Unidos.

Ondas de até quatro metros de altura atingiram o calçadão de Baracoa, onde foram registrados alguns danos nos telhados e muros das casas e quedas de postes e árvores, informou a imprensa estatal. O Centro de Previsões do Instituto Meteorológico de Cuba informou que o furacão apresentou "ventos máximos sustentados" de 130 km/h, "com rajadas superiores" a isso.

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