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Maldição do petróleo ameaça plano de reconstrução de Angola

Ao contrário de várias outras nações africanas que passaram por guerras, Angola tinha dinheiro mais do que suficiente para reconstruir o país

Land Rovers na enchente em Luanda: com a queda do preço do petróleo, fica claro que o projeto de reconstrução do país deu errado e beneficiou apenas a elite (João Silva/The New York Times)

Land Rovers na enchente em Luanda: com a queda do preço do petróleo, fica claro que o projeto de reconstrução do país deu errado e beneficiou apenas a elite (João Silva/The New York Times)

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Da Redação

Publicado em 5 de julho de 2017 às 13h11.

Última atualização em 5 de julho de 2017 às 17h03.

Luanda, Angola – O ambicioso plano de reconstrução criado depois da guerra civil de Angola deveria ter chegado até o canto mais distante do país, uma região conhecida como Terra no Fim do Mundo.

Mas a nova rodovia asfaltada da região abruptamente se transforma em estrada de terra cerca de oito quilômetros antes de chegar à cidade de Cuito Cuanavale, escancarando o resultado de um misterioso desaparecimento de fundos públicos.

“Eles estão construindo, mas não estão fazendo direito”, afirma Domingos Jeremias, de 48 anos, fazendeiro cuja avaliação encontrou eco em outros homens espalhados pelo centro da cidade, destruída durante a guerra, que durou de 1975 a 2002. “Sempre há alguma coisa faltando.”

Quando a guerra terminou, Angola desfrutou de uma oportunidade única. Sua produção de petróleo aumentou, e os preços permaneceram altos por anos. Ao contrário de várias outras nações africanas que passaram por guerras, Angola tinha dinheiro mais do que suficiente para reconstruir, da maneira que quisesse, a paisagem destruída pelo conflito.

O horizonte da capital, Luanda, foi rapidamente remodelado com arranha-céus. Cidades-satélites gigantes, nunca antes vistas na África, se multiplicaram pelos arredores de Luanda. Novas rodovias e ferrovias se espalharam pelo interior.

Mas a reconstrução e o boom do petróleo também apresentaram aos politicamente conectados – aqueles com “parentes na cozinha”, como dizem os angolanos – uma oportunidade de ouro para o autoenriquecimento. Na economia comandada pelo presidente José Eduardo dos Santos, seu círculo familiar e seus aliados acumularam uma riqueza extraordinária.

A filha mais velha do presidente, Isabel dos Santos, tornou-se a primeira mulher bilionária da África, segundo a revista Forbes, que estima sua riqueza em US$3,3 bilhões.

Mas como a queda no preço do petróleo paralisou as gruas no horizonte de Luanda, e enquanto dos Santos se prepara para sair da presidência depois de 38 anos no poder, a reconstrução do país, e a riqueza de sua classe dominante, estão sendo submetidos a pesado escrutínio e a críticas – mesmo daqueles que estavam dentro do poder.

Lopo do Nascimento, ex-primeiro-ministro que já foi secretário geral do partido do governo, disse que o gasto na reconstrução foi “como abrir uma janela e atirar dinheiro fora”.

Os bilhões gastos na reconstrução – guiados pelos angolanos com conexões políticas e realizados por empreiteiros estrangeiros – desapareceram nos bolsos das pessoas, afirmam políticos, homens de negócios e acadêmicos. E pouco foi feito para garantir que a quantia gasta na reconstrução produzisse benefícios duradouros para a economia de Angola.

“Agora é a hora de dizer: ‘Se construir ou reconstruir isso custa dez, não vou cobrar 20 e guardar os outros dez’”, disse Nascimento em uma entrevista em sua casa, uma mansão com meia dúzia de carros de luxo parados no estacionamento.

É impossível determinar exatamente quanto desapareceu dos cofres do governo, embora existam pistas.

De 2002 a 2015, US$28 bilhões dos orçamentos governamentais sumiram, segundo o Centro de Estudos e Pesquisa Científica da Universidade Católica de Angola, que analisa os números do governo. Até 35 por cento do dinheiro gasto apenas na construção de estradas desapareceram, de acordo com um estudo do centro.

Durante o mesmo período, empresas e indivíduos de Angola investiram US$189 bilhões no exterior em transações geralmente opacas, afirma o centro.

“Quem são essas pessoas fazendo investimentos fora do país? Como eles ganharam esse dinheiro?”, pergunta Francisco Miguel Paulo, economista do centro.

Quando a paz finalmente chegou após 27 anos de guerra civil e, antes dela, 13 anos de guerra contra Portugal, que mantinha Angola como colônia, grande parte do país estava em ruínas.

Hoje, há milhares de quilômetros de novas rodovias e ferrovias, novos aeroportos, estádios, represas hidrelétricas, centros de tratamento de água, prédios governamentais e shopping centers elegantes.

Em Huambo, cidade que foi a sede da rebelião e acabou destruída durante a guerra, poucos prédios ainda carregam as cicatrizes do conflito. No centro da cidade, edifícios majestosos do governo, incluindo uma biblioteca provincial, cercam uma grande rotatória.

Em uma viagem de 800 quilômetros de Huambo, no centro do país, para Cuito Cuanavale, no sudoeste, todas as pequenas cidades parecem ter uma nova escola ou clínica – fáceis de distinguir porque os prédios do governo são pintados de rosa.

“Estamos satisfeitos. Antes não tínhamos estradas, água ou eletricidade”, afirma Jacob Candimba, de 27 anos, morador de Cuito Cuanavale.

Mas na capital, apesar de ter sido onde o governo focou seus esforços de reconstrução, ainda há muita revolta.

Em Sambizanga, uma favela de Luanda onde dos Santos nasceu 74 anos atrás, as ruas estreitas e enlameadas se cruzam em um labirinto de casas de concreto e barracos de latão.

Em uma tarde recente, dois dias depois de chuvas fortes, um punhado de jovens bebia cerveja em uma faixa seca da rua.

“Vivemos mal, sem qualquer saneamento básico, sem eletricidade”, conta Luquene Antonio, de 24 anos, encanador desempregado que usava galochas.

Desde 2002, Angola gastou US$120 bilhões nas reconstruções, segundo o Centro de Estudos e Pesquisa Científica. No auge, em 2014, as despesas chegaram a US$15,8 bilhões.

Nos anos do pós-guerra, o país perfurou novos campos petrolíferos no mar, dobrando a produção diária angolana para quase dois bilhões de barris por dia e tornando sua economia uma das que crescia mais rapidamente no mundo.

De 2002 a 2015, as exportações de Angola totalizaram quase US$600 bilhões, praticamente tudo em petróleo. Durante esse período, a receita dessa commodity encheu os cofres do governo com US$315 bilhões, segundo a Universidade Católica.

O petróleo também deu ao governo angolano uma liberdade raramente vista na África, permitindo que contornasse os governos ocidentais e os líderes internacionais – e decidisse exatamente como e o que reconstruir. Com empréstimos feitos com a China respaldados pelo petróleo, Angola terceirizou a reconstrução do país para empresas estatais chinesas e seus subcontratados. Companhias de outras nações que falam português, como o Brasil e Portugal, também compartilharam o boom da construção.

Mas o modelo angolano de trocar o dinheiro do petróleo por infraestrutura criou sérias desvantagens, segundo especialistas. Os negócios entre Angola e seus parceiros estrangeiros não tinham transparência e frequentemente resultaram em projetos de qualidade ruim, seja por falta de supervisão ou por simples corrupção.

“Em termos econômicos, se não temos infraestrutura de boa qualidade, não podemos garantir os retornos financeiros e a utilidade social”, afirma Alves da Rocha, economistas e diretor do Centro de Estudos e Pesquisa Científica. “Agora já estamos reconstruindo a reconstrução.”

Como muitos homens de negócio, Carlos Cunha, cuja empresa lida com agricultura, distribuição e turismo, diz que a nova infraestrutura de qualidade ruim tem sido o maior impedimento para que o país cresça. Seus caminhões cruzam regularmente uma estrada principal do interior do país até Luanda, transportando frutas tropicais que serão mandadas para a Europa.

“Nossos caminhões levam oito horas para fazer uma viagem de 300 quilômetros e podem ter dois ou três pneus furados”, conta ele. “Angola teria ganhado mais com dois mil quilômetros de estradas bem construídas do que com cinco mil de má qualidade.”

Como as empresas estrangeiras controlaram a reconstrução, os angolanos e as companhias domésticas não herdaram qualquer especialização ou habilidades, afirmam estudiosos no assunto.

A reconstrução “só pode ser sustentável se treinarmos as pessoas”, afirmou Nascimento, o ex-primeiro-ministro, que garantiu que esse treinamento não aconteceu.

Norimitsu Onishi © 2017 New York Times News Service

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