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A ressaca da Brexit: o mundo pode esperar uma catástrofe?

Independência da Escócia, um bloco em frangalhos e o colapso econômico formam o mar de incertezas que rondam esse movimento britânico

Bandeira da União Europeia: após decisão britânica de deixar o bloco, há temor de que outros membros sigam essa direção (Getty Images)

Gabriela Ruic

Publicado em 25 de junho de 2016 às 11h39.

São Paulo – A semana terminou com uma das maiores surpresas do século: em um referendo polêmico e acirrado, o Reino Unido decidiu abandonar a União Europeia ( UE ). Com a participação de 72% dos eleitores aptos a votarem, 52% deles escolheram sair do bloco , ao passo que 48% defenderam a permanência.

O resultado final foi recebido com choque por economistas, cientistas políticos e líderes mundiais. Afinal, essa é a primeira vez que um país desenvolvido se desliga do bloco. O clima, agora, é sombrio, especialmente por conta das dúvidas acerca do que acontecerá na esfera política na Europa e em todo o mundo.

“Esse é o maior risco político enfrentado pelo mundo desde a crise dos mísseis em Cuba”, lamentou no Facebook Ian Bremmer, cientista político e fundador da consultoria Eurasia Group. Jan Techau, diretor do centro de relações internacionais Instituto Carnegie, classificou a última sexta (24) como “um dia devastador” e disse que a reputação da UE saiu abalada.

“É uma catástrofe”, comentou a EXAME.com o professor José Niemeyer, coordenador da Graduação e Pós-Graduação em Relações Internacionais do IBMEC. “Gera instabilidade da esfera econômica, na esfera política-institucional e gera uma mudança na perspectiva geopolítica”, explicou, “a partir dessa sexta, a trajetória das relações internacionais tomará um novo rumo”, considerou.

Esses rumos, contudo, não estão nada claros e é isso que vem assustando analistas e economistas. A expectativa é que os termos dessa saída sejam esclarecidos nos próximos meses, mas a saída efetiva do país do bloco deve acontecer apenas daqui dois anos. Ainda assim, já trouxe efeitos significativos para os britânicos e para o mundo.

Enquanto David Cameron anunciava a sua renúncia depois da derrota da campanha pela permanência, a Escócia declarava estar preparando um novo plebiscito sobre a sua independência e a Irlanda do Norte informava a reavaliação da união com a Irlanda. Tanto na Escócia quanto a Irlanda do Norte, a população votou majoritariamente contra a saída.

Isso só mostra que o clima não está dos melhores. E que esse processo de desligamento será longo e doloroso. Em um relatório divulgado no dia anterior ao referendo, os economistas e analistas políticos do banco alemão Deutsche Bank trouxeram alguns cenários futuros e tentam montar esse complexo quebra-cabeça.

De acordo com a análise, levará ao menos três anos até que Reino Unido e UE tenham renegociado os termos. Isso, é claro, se o Conselho Europeu permitir a extensão do prazo de dois anos previsto no Art. 50 do Tratado de Lisboa, o termo que rege o funcionamento de todo o bloco. E a alta cúpula já disse que quer o país fora o mais rápido possível.

Além disso, a decisão britânica, aliada ao sentimento de insatisfação em relação ao bloco que é hoje formado por 28 países, poderá ainda trazer graves consequências do outro lado do canal da mancha, visto que outros países, como Itália, podem vir a convocar referendos.

Ainda segundo o banco, um cenário que calcula ser até 20% possível é justamente esse que prevê a fragmentação do poder da UE. Forçado a lidar com a desfiliação de seus membros, o bloco observará a sua relevância diminuir na escala regional e global.

No que diz respeito ao euro, uma menor integração poderia impactar a capacidade que o Banco Central Europeu tem de lidar com as pressões do mercado. “Na pior das hipóteses, isso pode levar a novas crises nos moldes de 2010 e 2012”, considerou o banco.

Uma previsão mais moderada, cujos economistas calculam com 70% de probabilidade, seria a saída pelo meio, avaliando uma crise de cada vez. Esse, explica o banco, é o modo convencional de a UE lidar com os problemas e significaria a diminuição no ritmo da integração entre os países, assumindo a posição de observador em relação aos possíveis novos desligamentos.

Do ponto de vista econômico, o movimento é visto como um desastre.

Após o anúncio, os mercados jogaram a libra ao seu menor nível em 31 anos e derrubaram as ações europeias. 88% dos economistas do país se posicionaram contra essa saída e, na semana passada, um grupo formado por 10 vencedores do Nobel de Economia também advertiram sobre as consequências negativas para a economia do país.

Calma. Muita calma

Embora essa incerteza tenha incomodado grande parcela de analistas e líderes, há que se ter em mente o papel e a importância que o Reino Unido efetivamente tem na UE. O próprio Bremmer, em entrevista à revista The Economist, considerou que o país já não era tão relevante para o bloco há alguns anos.

Na avaliação do professor José Maria Júnior, cientista político das Faculdades Integradas Rio Branco, a saída do Reino Unido não deixa a UE desestruturada, uma vez que o país sequer fez parte do seu arranjo inicial, mas explica que é necessário ter atenção para os termos dessa saída, só assim serão notados os impactos que ela trará.

Por enquanto, ele não a vê como um baque. “O Reino Unido é uma grande potência, do ponto de vista econômico e político, mas nunca se envolveu verdadeiramente com o bloco”, notou em entrevista a EXAME.com. Basta lembrar que o país passou a ser parte da UE nos anos 70, mais de uma década depois do início do projeto de comunidade que deu origem ao que se tem hoje.

Ainda de acordo com ele, o ponto delicado dessa situação é como os outros países-membros reagirão a essa saída. “Esse pode ser um sinal para que outros sigam esse caminho. Mas faço a ressalva de que nem todos os países são como o Reino Unido e não têm essa autonomia. A Itália, por exemplo, não é o Reino Unido”.

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São Paulo – A semana terminou com uma das maiores surpresas do século: em um referendo polêmico e acirrado, o Reino Unido decidiu abandonar a União Europeia ( UE ). Com a participação de 72% dos eleitores aptos a votarem, 52% deles escolheram sair do bloco , ao passo que 48% defenderam a permanência.

O resultado final foi recebido com choque por economistas, cientistas políticos e líderes mundiais. Afinal, essa é a primeira vez que um país desenvolvido se desliga do bloco. O clima, agora, é sombrio, especialmente por conta das dúvidas acerca do que acontecerá na esfera política na Europa e em todo o mundo.

“Esse é o maior risco político enfrentado pelo mundo desde a crise dos mísseis em Cuba”, lamentou no Facebook Ian Bremmer, cientista político e fundador da consultoria Eurasia Group. Jan Techau, diretor do centro de relações internacionais Instituto Carnegie, classificou a última sexta (24) como “um dia devastador” e disse que a reputação da UE saiu abalada.

“É uma catástrofe”, comentou a EXAME.com o professor José Niemeyer, coordenador da Graduação e Pós-Graduação em Relações Internacionais do IBMEC. “Gera instabilidade da esfera econômica, na esfera política-institucional e gera uma mudança na perspectiva geopolítica”, explicou, “a partir dessa sexta, a trajetória das relações internacionais tomará um novo rumo”, considerou.

Esses rumos, contudo, não estão nada claros e é isso que vem assustando analistas e economistas. A expectativa é que os termos dessa saída sejam esclarecidos nos próximos meses, mas a saída efetiva do país do bloco deve acontecer apenas daqui dois anos. Ainda assim, já trouxe efeitos significativos para os britânicos e para o mundo.

Enquanto David Cameron anunciava a sua renúncia depois da derrota da campanha pela permanência, a Escócia declarava estar preparando um novo plebiscito sobre a sua independência e a Irlanda do Norte informava a reavaliação da união com a Irlanda. Tanto na Escócia quanto a Irlanda do Norte, a população votou majoritariamente contra a saída.

Isso só mostra que o clima não está dos melhores. E que esse processo de desligamento será longo e doloroso. Em um relatório divulgado no dia anterior ao referendo, os economistas e analistas políticos do banco alemão Deutsche Bank trouxeram alguns cenários futuros e tentam montar esse complexo quebra-cabeça.

De acordo com a análise, levará ao menos três anos até que Reino Unido e UE tenham renegociado os termos. Isso, é claro, se o Conselho Europeu permitir a extensão do prazo de dois anos previsto no Art. 50 do Tratado de Lisboa, o termo que rege o funcionamento de todo o bloco. E a alta cúpula já disse que quer o país fora o mais rápido possível.

Além disso, a decisão britânica, aliada ao sentimento de insatisfação em relação ao bloco que é hoje formado por 28 países, poderá ainda trazer graves consequências do outro lado do canal da mancha, visto que outros países, como Itália, podem vir a convocar referendos.

Ainda segundo o banco, um cenário que calcula ser até 20% possível é justamente esse que prevê a fragmentação do poder da UE. Forçado a lidar com a desfiliação de seus membros, o bloco observará a sua relevância diminuir na escala regional e global.

No que diz respeito ao euro, uma menor integração poderia impactar a capacidade que o Banco Central Europeu tem de lidar com as pressões do mercado. “Na pior das hipóteses, isso pode levar a novas crises nos moldes de 2010 e 2012”, considerou o banco.

Uma previsão mais moderada, cujos economistas calculam com 70% de probabilidade, seria a saída pelo meio, avaliando uma crise de cada vez. Esse, explica o banco, é o modo convencional de a UE lidar com os problemas e significaria a diminuição no ritmo da integração entre os países, assumindo a posição de observador em relação aos possíveis novos desligamentos.

Do ponto de vista econômico, o movimento é visto como um desastre.

Após o anúncio, os mercados jogaram a libra ao seu menor nível em 31 anos e derrubaram as ações europeias. 88% dos economistas do país se posicionaram contra essa saída e, na semana passada, um grupo formado por 10 vencedores do Nobel de Economia também advertiram sobre as consequências negativas para a economia do país.

Calma. Muita calma

Embora essa incerteza tenha incomodado grande parcela de analistas e líderes, há que se ter em mente o papel e a importância que o Reino Unido efetivamente tem na UE. O próprio Bremmer, em entrevista à revista The Economist, considerou que o país já não era tão relevante para o bloco há alguns anos.

Na avaliação do professor José Maria Júnior, cientista político das Faculdades Integradas Rio Branco, a saída do Reino Unido não deixa a UE desestruturada, uma vez que o país sequer fez parte do seu arranjo inicial, mas explica que é necessário ter atenção para os termos dessa saída, só assim serão notados os impactos que ela trará.

Por enquanto, ele não a vê como um baque. “O Reino Unido é uma grande potência, do ponto de vista econômico e político, mas nunca se envolveu verdadeiramente com o bloco”, notou em entrevista a EXAME.com. Basta lembrar que o país passou a ser parte da UE nos anos 70, mais de uma década depois do início do projeto de comunidade que deu origem ao que se tem hoje.

Ainda de acordo com ele, o ponto delicado dessa situação é como os outros países-membros reagirão a essa saída. “Esse pode ser um sinal para que outros sigam esse caminho. Mas faço a ressalva de que nem todos os países são como o Reino Unido e não têm essa autonomia. A Itália, por exemplo, não é o Reino Unido”.

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