Vini Jr. e o papel das celebridades para as marcas – o dilema entre a estabilidade e o engajamento
Jogador vem assumindo um papel ativo e engajado na luta contra o racismo, sendo uma voz expressiva contra a discriminação que há anos enfrenta no mundo do futebol
Colunista
Publicado em 2 de novembro de 2024 às 18h36.
Nessa semana, Real Madrid e Vini Jr. tomaram uma decisão inesperada ao boicotar à cerimônia da Bola de Ouro , um dos eventos mais prestigiados do futebol mundial, após o jogador brasileiro não ter sido escolhido o vencedor da premiação, o que foi interpretado como uma desvalorização de seu talento e contribuições.
A ausência de Vini Jr. na cerimônia — que consagrouRodri, doManchester City, como o Melhor Jogador — repercutiu amplamente, especialmente pela tradição do evento de reunir os maiores nomes da modalidade. O cenário levantou debates entre especialistas e fãs do esporte sobre influência do viés racial nas decisões da France Football, responsável pela premiação, e posicionou o jogador no centro de uma nova polêmica a respeito do impacto das atitudes de celebridades nas marcas que optam por se associar a elas.
No universo das celebridades que representam marcas, é possível identificar duas categorias distintas, cada uma atraindo a atenção de empresas por razões muito específicas. De um lado, estão as celebridades 'tranquilas', que transitam bem em todos os meios, sem assumir posições polêmicas ou provocar divisões na opinião pública. Do outro, há aquelas que, diante de situações difíceis, assumem uma postura firme e engajada.
Celebridades com uma imagem menos polêmica oferecem conforto e previsibilidade para as marcas, que podem trabalhar sua imagem de forma constante e segura. Gisele Bündchen é o exemplo perfeito desse perfil: uma supermodelo reconhecida internacionalmente, que construiu uma carreira sólida e praticamente imune a controvérsias. Mesmo com a exposição de sua vida pessoal, como o recente divórcio e o novo relacionamento, Gisele manteve sua imagem pública inabalada, garantindo às marcas uma parceria segura e sem grandes surpresas.
No outro extremo, temos celebridades que representam um risco – e, justamente por isso, atraem um engajamento maior. São personalidades que assumem posições firmes, gerando debates e fidelizando uma audiência engajada. Um caso emblemático é Colin Kaepernick, ex-jogador da NFL , que ilustra bem essa dinâmica: ele se posicionou contra a violência policial nos Estados Unidos ao ajoelhar-se durante o hino nacional em protesto. A Nike escolheu associar-se a ele, aproveitando o poder de um propósito claro e autêntico. A campanha com Kaepernick demonstrou que a Nike não estava apenas vendendo produtos, mas apoiando sua causa. Esse movimento representou um risco calculado; houve boicotes, mas também uma conquista de público que viu na campanha uma postura alinhada aos valores da marca.
Aqui, o risco é justificado e calculado. O potencial de repercussão é imenso e, se a marca tem um alinhamento ideológico com a causa, os benefícios compensam os riscos de imagem que a acompanham.
E onde entra Vini Jr. nessa discussão? Além da recente polêmica, o jogador vem assumindo um papel ativo e engajado na luta contra o racismo, sendo uma voz expressiva contra a discriminação que há anos enfrenta no mundo do futebol. Sua postura firme ecoa em declarações com: “Muitos pediram para que eu ignorasse, outros tantos disseram que minha luta era em vão e que eu deveria apenas ‘jogar futebol’. Mas, como sempre disse, não sou vítima de racismo. Eu sou algoz de racistas.”
Para patrocinadores atuais e futuros, essa postura de Vini Jr. tem um significado claro: associar-se a ele implica alinhar-se à sua luta, com um potencial de engajamento imenso, mas um risco igualmente relevante.
Ao mesmo tempo, isso exige uma reflexão por parte do próprio atleta e de sua equipe – até que ponto estão dispostos a sustentar essa postura combativa, mesmo que isso signifique renunciar a potenciais contratos? Gerir a marca de uma pessoa é sempre desafiador, pois seu comportamento raramente é somente racional – e nem deveria ser. Em muitos casos, as questões ideológicas superam as comerciais, o que é natural. Mas lidar com essa tensão faz parte da gestão de carreiras de atletas e artistas.
Já para as marcas, o dilema é outro: podem optar pelo 'mar de tranquilidade' com figuras consistentes e pouco polêmicas ou explorar o 'canhão midiático' que celebridades combativas e engajadas como Vini Jr. podem proporcionar. E como sempre, essa é uma escolha que deve estar fundamentada na estratégia e nos valores da marca.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da EXAME