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Com o apoio financeiro de empresas, São Paulo se transforma na capital do patrocínio cultural

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h54.

Os logotipos de grandes empresas já fazem parte da programação cultural da cidade. "Abra a Veja São Paulo ou o Guia da Folha e tente descobrir uma atividade que não esteja ligada a uma marca", diz o consultor Yacoff Sarkovas, presidente da Articultura, agência especializada no planejamento e na implementação de políticas de patrocínio. Sem o apoio financeiro das empresas, o fervilhante mundo das artes paulistano desabaria. Só em patrocínio direto elas devem investir na metrópole a maior parte dos quase 300 milhões de reais previstos neste ano para o estado de São Paulo. Isso sem falar nas novas modalidades de marketing cultural, que incluem a criação de institutos próprios, a venda de naming rights (empréstimo do nome a um espaço cultural) e até a realização de eventos corporativos em museus.

"Evoluímos muito na última década, principalmente por causa das empresas, que são mais fortes do que o governo no apoio à cultura", afirma o banqueiro Edemar Cid Ferreira, presidente do Banco Santos. Ex-presidente da Fundação Bienal, Edemar foi o responsável pela mostra Brasil 500 Anos, que foi vista por 2,5 milhões de brasileiros e até hoje viaja pelo mundo. "Em São Paulo, 90% das ações culturais contam com o apoio da iniciativa privada", diz Edemar.

Patrocinar um evento cultural é uma maneira de injetar credibilidade às promessas da publicidade. "Fazer um comercial com um personagem metaleiro é uma coisa. Investir num festival de heavy metal é outra", afirma Sarkovas. Apoiar a cultura ajuda também a encurtar o caminho até o coração dos consumidores. "Atingimos as pessoas em momentos de prazer e contemplação", diz Sergio Ajzemberg, presidente da agência Divina Comédia, especializada em marketing cultural.

De acordo com o instituto americano Internet Event Group (IEG), até o fim de 2002 serão investidos 25 bilhões de dólares mundialmente em patrocínio. Desse total, 12 bilhões de dólares serão aplicados nos Estados Unidos, 2,5 bilhões na América Latina e 1 bilhão no Brasil. Os valores incluem não só as atividades artísticas e de entretenimento como também os patrocínios esportivos e de obras sociais. No Brasil, a área cultural representa 20% do bolo, cerca de 600 milhões de reais neste ano. O estado de São Paulo fica com aproximadamente metade desse valor, com forte concentração na capital.

Por trás de parte desses investimentos está a lei federal no 8 313, conhecida como Lei Rouanet, que desde 1991 permite às empresas patrocinadoras abater até 4% do imposto de renda. "Sem a Lei Rouanet, não há como sustentar as atividades culturais", afirma a empresária Milú Vilella, que acumula a presidência do Museu de Arte Moderna (MAM) e do Instituto Itaú Cultural. À frente do MAM desde 1994, Milú trouxe modernos conceitos de gestão para o mundo das instituições culturais da cidade. A equipe do MAM não só ensina a utilizar as leis de incentivo cultural como também ajuda as empresas a navegar na burocracia tributária.

Edemar tem uma opinião diferente sobre a Lei Rouanet: "É uma boa lei, mas não tem um grande impacto na vida cultural do país". Para ele, cada vez mais as empresas investem na cultura porque estão conscientes de sua responsabilidade com a sociedade de onde tiram os lucros. É o caso da Pirelli do Brasil. Em parceria com o Museu de Arte de São Paulo (Masp), a empresa italiana criou uma coleção que reúne hoje 700 fotos, o mais importante registro de imagens do país. A Pirelli gasta todos os anos centenas de milhares de reais na manutenção, ampliação e exposição do acervo. "Parte da verba está vinculada à Lei Rouanet, mas a coleção já se tornou um compromisso nosso com o país e prosseguiríamos o projeto mesmo se a lei não existisse", afirma o italiano Giorgio della Seta, presidente da Pirelli brasileira. "Poucos países têm leis de incentivo à cultura tão modernas e inteligentes como a Lei Rouanet."

Neste ano, o Masp foi palco de dois outros encontros bem-sucedidos entre a arte e as empresas. A exposição Renoir, o Pintor da Vida recebeu, de abril a julho, 206 000 visitantes e teve apoio da Air France, que investiu cerca de 2 milhões de reais no projeto. Em Pelé, a Arte do Rei, que esteve em cartaz de fevereiro a abril, a Coca-Cola financiou todas as despesas relacionadas à montagem e à divulgação da mostra e determinou que toda a renda da bilheteria ficasse com o Masp, sob a condição de que o preço da entrada caísse para 6 reais. "Foi fantástico porque trouxe um público diferente. Mais de 40% dos visitantes jamais tinham entrado num museu", diz o arquiteto Júlio Neves, presidente do Masp. Patrocinar uma exposição no museu custa de 500 000 a 2 milhões de reais. "A partir de 200 000 reais já dá para ser o principal patrocinador de uma exposição menor", diz Neves.

Para o povo

O patrocínio cultural começou no Brasil de modo sofisticado. As iniciativas pioneiras estavam vinculadas a grandes companhias de dança ou a orquestras sinfônicas internacionais. "Ficou uma imagem elitista, mas hoje a situação é outra", diz Ajzemberg, que produz o Pão Music, série de shows de grandes ídolos da música popular brasileira, sempre em espaços públicos, ao ar livre e de graça. A iniciativa está completando dez anos e, ao todo, a platéia já chega a 3,5 milhões de paulistanos. Neste ano, o Pão de Açúcar vai promover o reencontro histórico de Caetano, Gil, Bethânia e Gal em 7 de dezembro, no Parque do Ibirapuera, 16 anos após a última turnê dos quatro artistas juntos. "O Pão Music é o nosso grande investimento cultural", diz Eduardo Romero, diretor de marketing corporativo do Pão de Açúcar. Até o fim de 2002, a rede varejista deverá investir 5,5 milhões de reais em patrocínio, dos quais 2,5 milhões por meio da Lei Rouanet.

O patrocínio puro e simples ainda é a forma predominante de investimento em marketing cultural. Mas nos últimos anos outras modalidades vêm ganhando terreno. Uma delas é a criação de institutos culturais próprios, inaugurada no país com o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro, que abriu suas portas em 1989. Hoje, São Paulo conta com três representantes dessa vertente, todos relacionados ao setor financeiro. Além do próprio CCBB paulistano, há o ativíssimo Itaú Cultural -- cujo foco são as formas artísticas contemporâneas e ligadas à tecnologia digital -- e o recém-inaugurado Santos Cultural, que pertence ao Banco Santos e atua no pólo oposto. "A missão do Santos Cultural é preservar a memória do Brasil", diz Edemar. "Estamos formando coleções de cartas náuticas, fotografias, cerâmicas marajoaras, documentos históricos, objetos de arte plumária indígena e outras."

Não é preciso construir um espaço próprio para vincular o nome ao mundo do entretenimento e das artes. Credicard Hall, Frei Caneca Unibanco Arteplex, DirecTV Music Hall, Teatro Abril, Sala UOL, Espaço Promon, Teatro Folha, Cineclube DirecTV e Espaço Unibanco são endereços culturais que também levam o nome de empresas, embora elas não estejam envolvidas em sua programação. Trata-se de uma nova forma de patrocínio, chamada naming rights. A novidade foi introduzida no país pelo empresário Fernando Alterio, o criador do Palace. Alterio construiu a casa de espetáculos na marginal Pinheiros que hoje se chama Credicard Hall e, posteriormente, tornou-se presidente da subsidiária mexicana Corporación Interamericana de Entretenimiento (CIE). Batizar um local administrado pela CIE custa de 1,5 milhão a 4,5 milhões de reais por ano e os contratos geralmente duram dez anos.

A forma mais festiva de apoiar as artes surgiu de carona na euforia das empresas de internet, no fim da década passada. As ponto-com ainda não vêem motivos para estourar champanhe, mas a onda dos eventos corporativos em museus veio para ficar. "Museus são locais charmosos por natureza e ótimas locações para esse tipo de comemoração", afirma o empresário de marketing promocional José Victor Oliva. "Eu me sinto muito bem pagando aluguel a um museu porque sei que o dinheiro vai financiar atividades culturais", afirma o promotor de eventos Cacá Ribeiro.

Bendita festa

O dinheiro do aluguel sempre é bem-vindo, especialmente para as instituições que lutam para sobreviver. "Há quatro anos, o Museu da Casa Brasileira não tinha acervo e suas instalações estavam bem danificadas. Foi graças aos eventos que conseguimos erguê-lo", diz Marcel Marmor, diretor financeiro do museu. Mesmo que não entre dinheiro no caixa, colhem-se outros dividendos. A novela Esperança foi lançada em um evento no Teatro Municipal de São Paulo graças a um acordo com a Rede Globo. "Eles não pagaram diretamente o aluguel, mas para nós a parceria é superproveitosa", afirma Lúcia Camargo, diretora do Teatro Municipal. "Quanto gastaríamos para divulgar nossas atividades na Globo?".

A onda de promover festa corporativa em museu é mundial. No fim do ano passado, a Shiseido, marca japonesa de cosméticos de luxo, lançou sua nova linha de maquiagem em eventos idênticos em quatro museus do mundo, entre eles o Museu Brasileiro de Escultura (MuBe). Em setembro, a grife francesa Louis Vuitton alugou o espaço do MuBe para uma luxuosa festa de lançamento de sua loja global de São Paulo.

Nos principais museus da cidade -- como o Masp, a Pinacoteca do Estado e o MAM --, o aluguel para eventos representa cerca de 5% da receita total, que é composta também de patrocínios, bilheteria e renda obtida com loja e restaurante. Para esse seleto grupo, uma prática que está em alta é a cessão de uma noite exclusiva para o patrocinador levar seus convidados à exposição que financiou e, eventualmente, oferecer um jantar nas dependências do museu. "É uma maneira de consolidar parcerias", diz Marcelo Mattos Araújo, diretor da Pinacoteca do Estado. "Eventos unicamente sociais trazem recursos, mas há o risco da diminuição da atividade cultural ou da depredação do museu."

Nos Estados Unidos, o fenômeno festivo-museológico vai além dos já tradicionais lançamentos de produtos e visitas especiais às exposições. Lá, os museus de pequeno e médio portes estão fazendo não só eventos de empresas como também festas beneficentes, casamentos e até aniversários infantis. Aqui ainda estamos longe disso. "Recebemos propostas que triplicariam o aluguel se cedêssemos o espaço para a realização de casamentos, mas não aceitamos", diz Marmor, do Museu da Casa Brasileira.

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