O erro estratégico da Jaguar: quando o rebranding ignora o legado (Divulgação/Jaguar)
Colunista
Publicado em 21 de novembro de 2024 às 11h47.
Última atualização em 21 de novembro de 2024 às 11h53.
Rebranding é uma das palavras mais mal compreendidas no universo do marketing. Quase sempre, a discussão se concentra nas mudanças feitas no logotipo, mas ele é apenas uma (pequena) parte das expressões de uma marca. É sempre bom lembrar que ‘re-logo’ não é ‘rebranding’. A troca de logotipo sempre chama a atenção, mas, para uma montadora de carros, o design dos seus veículos tem impacto mais direto e poderoso na percepção da marca do que o formato de seu logotipo.
E, nesse caso, podemos dizer que a Jaguar já havia passado por um rebranding questionável há alguns anos, deixando de lado o design original e marcante dos seus carros para modelos tão genéricos, que é preciso recorrer ao logo para identificar a montadora. No passado, bastava olhar para um Jaguar para saber que era um Jaguar. Hoje, ele se tornou mais um na multidão.
Qualquer marca precisa ter claro o que é a sua alma, o seu DNA, aquilo que não deve se alterar com o passar do tempo. A identidade nuclear representa a essência inegociável da marca, aquilo que ela é em sua raiz.
Ao mesmo tempo, é preciso saber alterar a identidade estendida da marca para mantê-la atual e conectada aos consumidores. Ela ajuda a contextualizar a marca e comunicar sua essência ao público.
A Jaguar sempre teve uma identidade nuclear clara: tipicamente inglesa, aristocrática, madura, sofisticada, mas com alta performance e um toque de ousadia. No entanto, parece que a marca negligenciou essa essência em favor de uma visão de branding tipicamente estética.
Branding estético é sobre o tangível – cores, formas, tipografia, os modelos utilizados, o tom de voz – enquanto branding estratégico é sobre propósito, significado e como a marca se conecta com seus consumidores.
Ao ignorar seu DNA e tentar seguir tendências de mercado de uma forma desconectada de sua história, a Jaguar comprometeu a sua essência. E pior, alienou os consumidores que valorizavam a marca pelo que ela representava culturalmente, e que provavelmente fizeram da marca o que ela é hoje.
Marcas como a Jaguar não vendem apenas produtos; vendem envolvimento cultural. Elas ocupam um espaço na imaginação coletiva, criam narrativas e refletem valores que transcendem suas funcionalidades. Essa é a base do branding cultural, que exige um equilíbrio cuidadoso entre legado e contemporaneidade.
É preciso entender qual é a comunidade com a qual a marca se envolve, o papel que a marca tem para aquela comunidade, e evoluir a marca de acordo com a visão das pessoas que estão envolvidas com a marca. Não adianta forçar a entrada em espaços culturais no qual a marca não pertence.
No caso da Jaguar, não será aceita pelos setores mais 'fashionistas ultramodernos', que parecem ser o novo foco da marca pela forma como está trabalhando suas comunicações, pois nunca fez parte desse universo. Ao mesmo tempo, negligencia o público que usa e se envolve com a marca. Vimos algo similar com a Bud Light há alguns anos, com resultados catastróficos para a marca.
Evoluir é essencial, mas a inovação deve ser um desdobramento do que a marca já representa, não um rompimento brusco. Ela deve sustentar o legado cultural que construiu no último século, e respeitar a sua comunidade.
Mas a Jaguar abre mão da sua originalidade ao se mover para uma ideia que soa até irônica: o termo ‘copy nothing’ ao lado de uma estética ultrapassada e genérica, que lembra uma propaganda de perfume dos anos 2000. A tentativa de modernização parece ter sido feita dentro de salas fechadas, desconectada da realidade dos consumidores e sem sensibilidade para a herança cultural da marca.
Copy nothing. #Jaguar pic.twitter.com/BfVhc3l09B
— Jaguar (@Jaguar) November 19, 2024
O maior erro de muitas marcas ao buscar modernidade é tratar o legado como um peso, quando, na verdade, ele é a razão de certas marcas existirem. Sempre reafirmo que marcas fortes evoluem conectando sua identidade nuclear ao contexto contemporâneo, sem abrir mão de sua essência. Todas as marcas premium de carros fizeram isso. Mas a Jaguar, ao jogar tudo fora em prol de um posicionamento não original, arrisca perder relevância e lealdade.
O rebranding da Jaguar deveria ser um case de construção estratégica, mas acabou ilustrando os perigos de uma visão de branding estético desconectado da perspectiva cultural da marca. A história está cheia de exemplos de como isso dá errado – e, infelizmente, a Jaguar parece pronta para ser mais um.
A lição? Rebranding não é sobre abandonar o passado, mas sobre usá-lo como ponte para o futuro. As marcas que entendem isso conseguem criar narrativas poderosas, enquanto as que ignoram seu legado correm o risco de desaparecer na multidão.