Fora do alvo
Os velhos ataques enviesados à propaganda estão de volta
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h54.
Desde que a canadense Naomi Klein escreveu Sem Logo, um libelo contra as marcas globais, as críticas à propaganda entraram na pauta dos ativistas antiglobalização, gerando filhotes por toda parte. Mas a safra tropical de obras a respeito da polêmica chega a ser indigente. Custa crer, por exemplo, que uma editora que ostenta o nome de uma respeitada instituição de ensino, como a Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, tenha sido a responsável pela publicação de um livro intitulado Propaganda -- A Arte de Gerar Descrédito. Fazendo jus ao título, o livro é aberto com uma frase aterradora de Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler -- "A propaganda tem um único objetivo: conquistar as massas".
Ocorre que a obra não trata de política. Nela, o jornalista Armando Levy tenta demonstrar que doses maciças de propaganda comercial de massa podem estar entre as razões que levam empresas a breca. Vale-se, para tanto, de um único caso -- se é que se pode assim chamá-lo, já que a empresa em foco, do ramo financeiro, nem sequer é identificada. A tese de Levy é de um simplismo pueril: já que não existem empresas perfeitas, a propaganda despertará a ira de consumidores descontentes, que tudo farão para destruí-la. Como se a fidelidade dos clientes a determinada marca dependesse exclusivamente de propaganda, em vez da qualidade do produto ou do serviço anunciado.
Revestir a propaganda de um poder que ela não possui não é o único pecado do livro. Tão ruim quanto isso são as generalidades equivocadas que espalha. "Freqüentemente a empresa que mais investe em propaganda é aquela que apresenta maior índice de perda de clientes", escreve Levy a certa altura. Como o papel aceita tudo, o autor não se dá ao trabalho de contar aos leitores de que pesquisa extraiu essa exótica conclusão. Outras críticas contidas em A Arte de Gerar Descrédito nada têm de original. Para Levy, o discurso da propaganda é autoritário porque persuasivo por excelência. Esse tipo de argumentação pertence à conhecida vertente crítica dos adeptos de teorias deterministas, que só enxergam os consumidores como joguetes indefesos e cegos. Foi o que fez o americano Jerry Kirkpatrick, professor de marketing na Universidade Politécnica da Califórnia, sustentar que os ataques à propaganda são um ataque à razão, à capacidade de o homem formar conceitos e pensar em princípios.
Igualmente generalista em suas críticas, mas provido de maior voltagem de fatalismo é O Jornalismo na Era da Publicidade (Summus Editorial), de autoria do jornalista gaúcho Leandro Marshall. No mundo de Marshall, a prática do jornalismo é transformada num apêndice das mensagens comerciais, que invadem o sagrado espaço editorial na forma de releases e até mesmo de anúncios travestidos de notícias. São algumas das 25 formas de invasão listadas pelo autor, que cunhou o termo "jornalismo transgênico" para caracterizar a imprensa na era do neoliberalismo. No mundo real, no entanto, práticas como as descritas pelo mestre de Ética da Universidade de Passo Fundo em seu livro constituiriam um autêntico suicídio para jornais e revistas que, compelidos a concorrer pela preferência dos leitores, cada vez mais têm zelado por sua credibilidade. É curioso que o livro não contenha exemplos concretos que apóiem a delirante teoria ali exposta. Tampouco se encontra em suas 172 páginas uma singela referência ao real papel que a publicidade comercial desempenha como fiadora da independência editorial dos veículos de comunicação -- o oposto do que Marshall pretende demonstrar.