Consumo consciente ganha cada vez mais espaço
Hélio Mattar, Diretor-presidente do Akatu, mostra como empresas e consumidores se preparam
Da Redação
Publicado em 18 de novembro de 2010 às 11h09.
São Paulo - A sustentabilidade dará origem a novos negócios. A mudança no comportamento do consumidor e das empresas diante deste cenário faz com que Hélio Mattar (foto), diretor-presidente do Instituto Akatu, comente sobre a consciência e as atitudes que as pessoas tomam para preservar o meio ambiente e fortalecer a causa sustentável.
É comum encontrar depoimentos de pessoas que dizem fazer ações sustentáveis. Porém, pesquisas do Akatu mostram que há uma diferença entre o que os consumidores dizem e o que eles realmente fazem. Neste sentido, será cada vez mais importante perceber atitudes voltadas para o coletivo e não apenas para o pessoal, provenientes de consumidores de todas as classes sociais. A boa notícia é que as crianças de hoje já estão sendo educadas nas escolas a preservar os recursos naturais e terem atitudes sustentáveis naturalmente.
Além das escolas e dos pequenos, a mídia é a grande responsável pela educação dos consumidores da baixa renda. Basta que uma empresa tenha uma ação sustentável publicada em um veículo de massa para que as pessoas reconheçam-na como uma companhia engajada com a causa e tomem conhecimento das práticas que podem ser realizadas. Leia abaixo a entrevista que Mattar concedeu ao site.
Qual a evolução que você viu nesses nove anos de atuação do Instituto Akatu no Brasil, com relação à sustentabilidade principalmente com o foco no consumidor, que é o foco de vocês?
Hélio Mattar - Como você bem coloca o consumidor é o nosso foco. Assim como mudar o patamar de consciência do consumidor quanto aos impactos do ato de consumo. Seja a compra, o uso ou o desgaste dos produtos ou dos serviços. Essa é a nossa missão. Fazer com que ele incorpore a consciência dos impactos na sua decisão de consumo. Estamos convencidos de que o consumo é um instrumento muito importante para a sustentabilidade se os consumidores se convencerem de que eles têm o poder da decisão de consumo nas mãos.
Este é o poder de transformação da sociedade e do meio ambiente. Quando fizemos a nossa primeira pesquisa para procurar identificar a consciência do consumidor brasileiro, há sete anos, a conclusão foi interessante. A primeira foi que os brasileiros não se diferenciam em questões sociais, ambientais e econômicas. Nem mesmo individuais em termos de valores. O brasileiro valoriza a questão do meio ambiente seja na classe A, B, C ou D. Não há uma grande diferença.
A consciência é a mesma. Mas e a atitude?
Hélio Mattar - Fomos buscar onde se poderia segmentar o consumidor e identificar a consciência. O consumidor efetivamente se diferencia nas atitudes do cotidiano e existem quatro tipos de comportamento que estatisticamente identificamos. O primeiro é o comportamento de economia porque tem um impacto imediato, de curto prazo, para o próprio indivíduo. Fechar a torneira da água e apagar a luz são coisas que ele vai receber o beneficio rapidamente.
Esse comportamento é comum para 75% da população brasileira. O segundo é o de planejamento, utilizado para a compra de alimentos e de roupas por 45 % da população. O comportamento de compra sustentável é o terceiro e surge com força na compra de produtos orgânicos e os feitos com material reciclado. O primeiro comportamento é mais básico, o segundo é intermediário e o mais avançado. O terceiro e o quarto, que andam muito juntos, reúnem cerca de 30% da população brasileira.
Conforme sai de um comportamento de impacto, de curto prazo, individual, em direção ao de longo prazo e mais coletivo, diminui a quantidade de consumidores que dizem ter esse comportamento cotidianamente. O consumidor consciente é aquele que está mais próximo de ter comportamentos de consumo de longo prazo e voltado para a coletividade.
O que efetivamente o consumidor faz e o que ele diz que faz?
Hélio Mattar - Ninguém consegue responder efetivamente o que ele faz. As pesquisas que fazemos são de opinião, de interação. Entramos na casa até que o proprietário fique à vontade e haja com naturalidade. Apenas 5% da população é chamada de consciente e é possível até que eles não tenham todos aqueles comportamentos. Dos 13 comportamentos que medem a consciência de consumo, eles devem fazer 11.
Aproximadamente 28% dos brasileiros fazem de oito a 10. De 11 a 13, são 33% da população. Isso quer dizer que se os pesquisados dissessem que fazem tudo, não qualificaria o resultado do estudo. Além disso, a pessoa que diz que faz, mesmo que não faça na verdade, indica que ela tem consciência sobre a questão. Ela sabe que deveria fazer mesmo que não esteja fazendo.
E a questão de atitude? As crianças já são educadas para isso na escola hoje em dia. O que você acha que vai acontecer e em quanto tempo teremos uma mudança de consciência com atitude, como outros países desenvolvidos com relação a esse tema?
Hélio Mattar - A visão do Akatu é que isso é um composto de vários esforços. O que o Brasil tem de diferenciação em relação aos outros países mais desenvolvidos - e também em relação aos emergentes -, é que a mídia brasileira é extremamente ativa. Quando comparamos, por exemplo, dos 5% da população consciente, 57% deles são das classes C e D. Eles estão nesse nível alto porque a mídia vem falando isso e eles estão sendo educados por ela. No Brasil, de 15 anos para cá, a educação ambiental fala sobre impacto ambiental. Portanto, as crianças estão ajudando os pais e é uma educação de baixo para cima.
Você falou que a mídia vem tendo um papel importante. E as empresas?
Hélio Mattar - São três papéis fundamentais. O primeiro é o da mídia, o segundo das crianças e o terceiro das empresas. Que empresas? Aquelas que têm preocupação com a sustentabilidade e que começam a apontar nos seus produtos alguns atributos. O consumidor brasileiro entende direito o que quer dizer a palavra sustentabilidade, mas ele sabe o que é porque está sendo educado pela mídia, pelas crianças e pelas empresas, que falam na sustentabilidade associando a algum tipo de impacto que ela deixa de ter, seja pela quantidade de carbono emitido ou porque usa produtos orgânicos. Se falar em meio ambiente o consumidor entende.
Existe um aspecto social importante na decisão do consumidor quando ele decide comprar de uma empresa em função de atributos sociais. Pesquisas do Akatu indicam que a primeira coisa que o consumidor brasileiro mais se preocupa quanto a responsabilidade social da empresa é como ela trata os funcionários. Dos 11 principais itens de 60 práticas de responsabilidade, 10 eram com relação aos funcionários e uma em relação à água.
Você falou dos três pilares: criança, mídia e empresa. Na criança é muito perceptível essa mudança na educação. E nas empresas? Você acha que as companhias brasileiras e multinacionais estão tendo um papel satisfatório?
Hélio Mattar - As empresas que tem um papel satisfatório formam um número muito pequeno. E são sempre as mesmas citadas pela mídia. Se pudessemos falar em dezenas, centenas, milhares, milhões de empresas, eu diria que existem dois aspectos para as empresas trabalharem com sustentabilidade. Os princípios e valores éticos e a gestão com valores éticos e princípios incorporados ao dia a dia. E são poucas que estão nas casas decimais.
De fato, a ação das empresas ainda é muito limitada, mas o varejo tem um papel fundamental nessa relação e é novo no Brasil, com entrada há cerca de dois anos. O Walmart faz parceria com a indústria para desenvolver uma série de produtos com característica sustentável e acaba obrigando o consumidor a mudar. A indústria e o varejo são mais responsáveis pela mudança do consumidor do que o contrário.
Isso pode acontecer num futuro quando as crianças tiverem potencial de consumo?
Hélio Mattar - Há dois anos, para 51% dos brasileiros o papel da grande empresa não é apenas produzir, pagar impostos e gerar emprego. Mas sim contribuir ativamente para o desenvolvimento da sociedade. Quando você pergunta para o consumidor se ele busca informações sobre as empresas que têm responsabilidade socioambiental, 30% dizem buscar. Mais importante do que isso é que, em uma pesquisa antiga, embora só 7% tenham lido um relatório social de empresas, 75% deles mudaram de opinião para melhor e 72% passaram a falar bem da empresas para os amigos e familiares. O impacto do conhecimento é muito grande.
Falando de pesquisa, quando perguntado se comprariam produtos sustentáveis, a maioria dos consumidores diz que sim. Quanto ele pagaria a mais?
Hélio Mattar - A nossa pesquisa mostrou que 37% pagaria mais por um produto com esta carcterística. Fizemos varias faixas de preços e a primeira conclusão é de que não varia o percentual dos que estão dispostos a pagar a mais com relação a variações de R$0,10 a R$ 150,00. Segundo a indicação, as pessoas pagariam até 25% a mais. Certamente vai variar por produto.
Se somar 25% a mais em um produto de mil reais, provavelmente as pessoas não vão estar dispostas a pagar. O importante é que elas começam a fazer escolhas em função de algum atributo de sustentabilidade. Como o selo Procel, que faz diferença mesmo tendo que pagar um pouco mais.
O Akatu faz diversas parcerias com empresas. Você poderia citar algum?
Hélio Mattar - Nós trabalhamos com o Walmart para o ponto de venda com as mensagens nos tablóides para conscientizar seus consumidores para o consumo consciente. Além disso, estamos no grande projeto de capacitação do Walmart com 3.200 pessoas como multiplicadores do consumo consciente. Desenvolvemos uma metodologia que levaram para 80 mil funcionários no Brasil. O Programa Pessoal de Sustentabilidade (PPS) é voluntário e conta com oito áreas em que o funcionário pode escolher e definir um programa e uma meta. No Brasil, 82% dos funcionários estão no PPS contra 21% nos EUA. Aqui foi feito uma capacitação e passou a haver uma valorização da questão da sustentabilidade que faz o funcionário perceber que não está fazendo pela empresa, mas sim por ele, pela sua família, pela sociedade, pelo mundo todo.
Nas pesquisas feitas pelo Akatu sobre as prioridades dos brasileiros, a questão da sustentabilidade não está entre as principais. O que pode ser feito para que essa questão venha a ser prioritária?
Hélio Mattar - São quatro linhas de ação. A que a gente não falou ainda é a propaganda. Nós do Akatu usamos mídia gratuita, com agência de publicidade e produção gratuita. Essa é uma forma de sensibilização. Não muda o comportamento, mas a percepção do consumidor sobre a importância do tema de maneira que quando o consumidor está ouvindo de forma mais aprofundada, ele muda sua consciência. Ele já esta preparado pela propaganda ou pela mídia. Quando aprofunda o conhecimento na empresa, com o filho dentro de casa ou com o que ele lê na mídia, começa a se tornar um consumidor mais consciente. É um processo.
Quais são as dificuldades que o próprio consumidor enfrente para poder desenvolver as suas atitudes sustentáveis?
Hélio Mattar - A sacola plástica é um exemplo emblemático e interessante. No Carrefour nós fizemos um trabalho de conscientização em uma das lojas. Após abolir as sacolas plásticas, os resultados foram interessantíssimos. A rede passou a oferecer sacolas a preço de custo e, recentemente, uma outra opção de pano e dobrável. Essas coisas vão começar a aparecer porque são facilidades que o mercado oferece para ajudar o consumidor.
Os bancos começaram a evitar grandes financiamentos para empresas com um projeto que tenham efeitos ruins para o meio ambiente e para a sociedade. O banco não quer ser cúmplice de um processo que vai ser prejudicial ao meio ambiente. Mas será que o banco não está perdendo dinheiro? Ou deixando de ganhar? De um lado ele deixa de ganhar dinheiro, mas ganha em reputação e, mais ainda, em redução do risco futuro dele. Existem diferentes caminhos pelos quais o consumidor acaba tomando conhecimento e as empresas apostam nisso.
O consumidor tem uma variedade de produtos que são realmente sustentáveis? O que é um produto sustentável? Dá para chamar uma redução de embalagem de produto sustentável?
Hélio Mattar - Na medida em que vamos sair de uma sociedade insustentável para uma sociedade sustentável, é impossível você pensar em um produto que mude significamente o seu papel de sustentabilidade do dia para a noite. Mudar um atributo hoje é possível. Daqui a dois meses a empresa pode modificar outro atributo, depois de um ano mais um e assim se torna mais sustentável. Não é da noite para o dia e o consumidor é o primeiro a perceber isso. Fazer o consumidor perceber e fazer com que as empresas se posicionem assim. Se uma empresa será totalmente sustentável um dia ou não eu não sei dizer.
São processos que não dependem só do consumidor e da empresa, mas também do governo. Depende de que todos tenham uma percepção de que sustentabilidade é uma mudança na estrutura do sistema. Todos terão que fazer. Isso é sustentabilidade. O governo criando educação para o consumo consciente nas escolas públicas, financiamentos para que as empresas possam mudar seus padrões tecnológicos e incentivos de impostos para produtos mais sustentáveis.
O senhor falou que o perfil da consciência de consumo permeia toda população. Da classe A até a D, de todas as faixas etárias. Mas qual o perfil do consumidor consciente e quais atitudes ele tem no dia a dia?
Hélio Mattar - A característica essencial do consumidor consciente é que as ações que ele toma não são voltadas unicamente ao beneficio pessoal de curto prazo. O que caracteriza o consumidor consciente é que ele toma atitude quando o beneficio é de longo prazo e coletivo. Ele se importa com a sociedade, com o meio ambiente, sabe que uma ação que beneficie a sociedade e o meio ambiente beneficiará a ele mesmo.
O que precisa mudar para que o consumo seja realmente consciente e sustentável?
Hélio Mattar - Eu gostaria que até o final de 2012 a gente tivesse 50% da população brasileira consciente e engajada, o que hoje é um terço da população. Estamos convencidos de que isso é produto de um mosaico de ações. Seria preciso que a mídia aprofundasse seu tratamento sobre consumo consciente, principalmente que a mídia de massa incorporasse isso, que as novelas mostrassem o comportamento do consumo consciente de sustentabilidade. Seria preciso que as escolas ensinassem o consumo consciente de maneira mais estruturada e não como educação ambiental.
O interessante é que vocês não combatem o consumo, até porque ele faz parte da sociedade, mas a gente vive numa sociedade de excessos. É um excesso que faz mal. Como se lida com isso?
Hélio Mattar - Dando a noção às pessoas de que o consumo é uma parte da vida e não o centro. É um instrumento de bem estar. É uma mudança em termos de como elas vão olhar para o consumo e o trabalho. O que nós temos a nosso favor hoje na sociedade para caminhar na direção da sustentabilidade são as pessoas cada vez mais insatisfeitas tanto com seu trabalho quanto com seu consumo.
Elas percebem que são pressionadas a consumir seja pela sociedade, seja pela publicidade, e percebem também que nunca conseguem se satisfazer. Hoje você entra numa loja com centenas de modelos e sai dela convencido de que não fez a melhor escolha. É um processo com dois lados. O consumidor se tornar mais crítico em relação a propaganda e as empresas se tornam mais responsáveis.
Mais de 50% dos brasileiros dizem que são o que eles compram e usam e que não tem nada de errado nisso. Agora, nós temos o Conselho Akatu e uma das nossas conselheiras diz que não dá para esperar que o consumo não forme identidade. O problema é quando a identidade é formada pelo consumo porque o consumo forma identidade desde que o homem é homem. Tanto é que conseguimos identificar uma civilização pelos seus objetos.
A moda tem feito movimentos no sentido da questão sustentável também...
Hélio Mattar - A moda percebe que ela corre um risco muito grande se for associada ao excesso. Uma das coisas que vai gerar emprego numa sociedade sustentável futura é o serviço de costureiro, de alfaiate para reformar as roupas ou doar para os brechós. Isso tudo faz parte do movimento de sustentabilidade.
A questão digital ajuda na sustentabilidade?
Hélio Mattar - A mudança do material para o virtual, do pessoal para o compartilhado, do descartável para o durável mostra isso. O celular, por exemplo, faz sentido que a empresa dê o aparelho. Depois que penetrou, a questão deixou de ser prover equipamento para oferecer serviço de telecomunicação e de conserto de equipamentos. Assim, um celular poderá durar 10 anos. Hoje, estima-se que no Brasil quase 200 mil celulares são jogados fora por dia. Nos EUA são 600 mil. O foco não é acabar com as empresas que fazem o equipamento do celular, mas mudar as características.
Antigamente era assim: você comprava uma geladeira e durava 20, 30 anos. Ela era levada para o conserto quando estragava. Mas o serviço encareceu, não?
Hélio Mattar - Consertar uma geladeira de 50 anos será o preço de uma nova. Mas tudo bem, porque o preço de uma nova com duração de 30 anos não seria barato. Tudo hoje é descartável e isso é uma das características do futuro sustentável. Uso descartável terá que ser uso durável, o particular será compartilhado, o global passará a ser local.
Fizemos uma reportagem recentemente com a Samsung que mostrou que a companhia lança 200 produtos por ano porque os que foram lançados no ano anterior se tornam ultrapassados e se a empresa não inovar o concorrente tomará o seu lugar...
Hélio Mattar - Essa sociedade não é sustentável. A sociedade do automóvel e do avião não é sustentável. Em uma mesa com o vice-presidente da Air France e quis saber como a empresa estava analisando a concorrência na área de produtos eletrônicos. Você acha que uma vídeo-conferência não é concorrente das companhias aéreas? Obvio que é. Os aparelhos que existem hoje reproduzem uma reunião como se estivesse ao vivo. São caros, é verdade, mas pode ser usado durante anos.
Na aviação de turismo também vão existir novas oportunidades de negócios. O Google está fazendo isso com o Street View. Se é possível chegar até a minha casa escrevendo o endereço, um dia será possível transmitir cheiro e barulho. A viagem virtual vai existir e a experiência da viagem será antecipada. A viagem vai mudar o jeito de ser e o consumidor aprenderá cada vez mais sobre a culinária, a cultura e a história. Esse é o futuro sustentável. É uma beleza, uma maravilha e eu quero viver nele.
* Com reportagem de Bruno Mello