Livro também ensina as mães a protegerem os filhos dos apelos da propaganda na sociedade atual (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 25 de maio de 2012 às 11h54.
Rio de Janeiro - Em contrapartida ao modelo ideal da atualidade, que caminha cada vez mais em busca do relacionamento com o consumidor e na construção dos valores da marca, as ações e estratégias de marketing voltadas para o público infantil ainda estão focadas em um modelo do passado, que dispara diversos estímulos na tentativa de incentivar o consumo.
Proteger as crianças da carga de informações a que são expostas é uma preocupação recorrente entre pais e virou assunto tratado no livro “A Criança e o Marketing”, lançado pela Summus Editorial e escrito pela psicóloga Ana Maria Dias da Silva e pela especialista em comunicação Luciene Ricciotti Vasconcelos.
Em entrevista, Luciene Vasconcelos traça um paralelo entre a necessidade das empresas venderem seus produtos e o desafio dos pais, que precisam formar adultos conscientes. Segundo a autora, a criança é muito suscetível aos apelos de marketing e não consegue encontrar a diferença entre o brinquedo à venda na loja e a realidade apresentada pelas propagandas.
Luciene Ricciotti Vasconcelos é formada em Administração com ênfase em marketing pela Faap e pós-graduada em comunicação e marketing pela ESPM. É consultora, Sócia-Diretora da W3 Comunicação e autora dos livros Mark-Óbvio e Planejamento de Comunicação Integrada. Leia a entrevista na íntegra.
- Como está a criança hoje em dia comparada a 10 ou 20 anos atrás?
Luciene Vasconcelos: De maneira geral, a diferença está no volume de informações que a criança recebe hoje em dia, com conhecimentos muito intensos e que não podem ser acompanhados calmamente. A infância teve uma grande mudança também com relação à ausência dos pais em casa, que acaba gerando uma culpa. Muitas vezes eles tentam suprir isso com a compra de produtos. A característica da infância de hoje é o menor contato da criança com os pais e a carga de informações que ela recebe.
- Qual é a consequência dessa carga de informações?
Luciene: A criança não tem critérios para avaliar o que é bom e o que é ruim. Ela precisa de um adulto ao lado para ajudá-la nisso. Ela acaba absorvendo o conteúdo que recebe como verdade. É preciso avaliar as coisas e a criança não tem esse perfil.
- Como a senhora vê a relação da criança de hoje com a propaganda?
Luciene: Muitas vezes a criança olha uma propaganda e fala “eu quero”. É importante que os adultos saibam o que ela quer, porque, como a criança não abstrai, quer aquele conjunto de coisas. Por isso é comum ouvir os pais dizendo que deram para os filhos um brinquedo que foi pedido e ele ficou largado em algum canto. A criança recebe a informação no momento de formação dela, e, como não abstrai, acaba querendo aquilo tudo o que foi visto, ou seja, ela quer mais a mãe brincando no tapete do que o brinquedo que talvez ela nem tenha visto. Muitas vezes a criança não quer apenas o produto, mas a integração.
- Como as empresas estão fazendo o marketing voltado para a criança hoje?
Luciene: As empresas continuam fazendo um marketing voltado para o desenvolvimento de produtos. É o pensamento da transação um para um. De uma maneira geral, o marketing evoluiu para uma estratégia de relacionamento, buscando conhecer melhor quem é aquele consumidor e o que ele quer. Hoje já há grandes empresas fazendo o marketing 3.0, que é aquele voltado para valores. É muito fácil para uma pessoa entrar na internet e destruir uma marca. Temos vários cases sobre isso, que mostram como a demanda hoje tem voz. Então, as empresas têm que evoluir para um marketing que, primeiro de tudo, cumpra promessas e, segundo, se preocupe com outras questões com as quais o consumidor está preocupado. Estrategicamente, o marketing infantil ainda atua no modelo 1.0 e vemos algumas pessoas de baixa renda endividadas por comprar presentes caríssimos. Esperamos que o livro contribua para essa evolução.
- Quais são os apelos mais comuns do marketing infantil?
Luciene: Acredito que essa seja uma questão de evolução e respeito. Já existe no mercado um grupo de pais bastante significativo que está querendo um relacionamento com as empresas. A empresa que vende para o público infantil e se dirige aos pais ganha bastante. Na verdade, está faltando um pouco dessa questão do respeito.
- A restrição do conteúdo de propaganda é benéfica para as crianças?
Luciene: Algumas vezes a regulamentação não funciona de fato. O marketing busca trabalhar a venda dos produtos para o sucesso da empresa e isso é extremamente sadio para a economia, porque gera empregos. O errado não é consumir, mas não usar. O que seria bom hoje para o marketing infantil seria o equilíbrio entre oferta e demanda. É preciso que os pais preparem as crianças para o mundo de hoje. O que vemos são muitos pais que não foram preparados para viver no mundo de apelos publicitários que temos hoje. O mercado está altamente competitivo, com produtos extremamente semelhantes
- O foco não é restringir, mas tornar adultos melhores?
Luciene: A partir do momento que consigamos criar consumidores realmente aptos a escolherem produtos com critérios, essa regulamentação vai ser natural. Quando vejo produtos para adultos anunciados em canais infantis, naturalmente não compro, porque sei que a propaganda não está falando comigo. Estão usando de um canal infantil para que a criança influencie a minha compra. A partir do momento que as pesquisas indicarem que as mães preferem que os produtos sejam anunciados em veículos para elas, naturalmente isso vai sair da criança.
- A criança tem um influenciador de compra muito grande, não é?
Luciene: Isso. Enquanto tivermos pesquisas apontando que 80% dos produtos consumidos em uma casa são influenciados por crianças, teremos um aumento muito grande da propaganda voltada para a criança. Vemos hoje o marketing buscando entender as pessoas e atendê-las. O que acreditamos é que, mudando o consumidor, naturalmente, as empresas terão que mudar e isso se tornará muito mais saudável para a criança.
- A partir de quantos anos a criança consegue desenvolver uma consciência sustentável, por exemplo?
Luciene: Isso acontece a partir dos sete anos. É uma criança que já recebeu uma carga de informações muito boa na escola e já está mais preparada. Ela precisa estar mais consciente de que o produto na loja não é igual àquele que está lá na propaganda. Não que isso seja mentira, mas mostra o produto, claro, de uma forma muito mais legal. É a demanda que tem o poder de controlar a oferta. Nós temos que entender isso. A consciência do consumidor é muito importante, tanto que vemos estudos que mostram que, quanto mais elevada culturalmente é uma sociedade, mais resistente ela é aos apelos da propaganda em si.
- O livro deixa para as empresas a missão de que elas precisam evoluir para o marketing 3.0, correto?
Luciene: Isso. Hoje vemos produtos que não possuem nada de saudável, de sustentável, usando de um apelo ambiental para colocar para a criança que aquilo é legal, porque dá a entender que aquele é um produto voltado para a natureza. Isso tem deixado pais revoltados. Esse é o tipo de coisa que está pegando mal para algumas marcas.
- Os produtos licenciados realmente têm um apelo maior com as crianças?
Luciene: Sim. Isso é algo que todas as pesquisas indicam. No livro ensinamos a criança a avaliar se vale a pena ou não comprar o produto licenciado. A criança, realmente, tem uma capacidade muito maior de adquirir os produtos licenciados.
- Ter produtos licenciados é uma boa estratégia?
Luciene: Não se nega que a criança tem uma identificação muito maior com personagens e acaba optando por consumir mais esses produtos. Ele precisa ter uma sustentação e, a partir do momento em que há educação para a compra com critério dentro de casa, isso pode ser contornado já que, muitas vezes, o produto licenciado custa o dobro do outro.
- Como a senhora vê o licenciamento de produtos na área de alimentos?
Luciene Vasconcelos: Na minha opinião, não deveria haver licenciamento para produtos que não fazem bem à saúde da criança, já que possuem um apelo tão forte e vivemos em uma sociedade com problemas como a obesidade infantil. Não deveríamos ter um cenário de incentivo a esses produtos não saudáveis. Deveria existir um critério até dos próprios licenciadores. O livro não busca problematizar essas questões, mas mostrar como as empresas podem trabalhar os seus produtos de uma forma melhor, que não agrida tanto a infância e, mesmo assim, trabalhando o seu objetivo de marketing. Uma economia forte se faz com adultos saudáveis e conscientes do poder de compra que têm.