Ao eliminar etapas e fricções do pagamento, o Pix deixou de ser escolha consciente e passou a integrar a rotina financeira de milhões de brasileiros (Rafael Henrique/SOPA/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 21 de dezembro de 2025 às 18h00.
*Por Ana Paula Krainer
No marketing, existe uma diferença fundamental entre ser escolhido e ser incorporado. Marcas fortes não vivem apenas da decisão consciente do consumidor. Elas vivem da repetição. Do hábito. Do ritual.
Quando um produto deixa de ser exceção e passa a fazer parte da rotina, ele cruza uma fronteira estratégica: deixa de competir apenas por preferência e passa a disputar frequência. E os dados mostram que essa é uma das maiores fontes de vantagem competitiva no mercado atual.
O Pix é hoje o meio de pagamento mais utilizado no Brasil. Dados do Banco Central indicam que o sistema já ultrapassa 150 milhões de usuários cadastrados, com mais de 40 bilhões de transações por ano, respondendo por cerca de 40% de todas as transações de pagamento do país.
Mais do que adoção tecnológica, trata-se de comportamento. O Pix não exige decisão. Ele simplesmente acontece.
Uma pesquisa recente da VML, realizada com 18 mil jovens e mais de 1.500 marcas, reforça esse ponto ao posicionar o Pix como a 5ª marca mais admirada pela Geração Z no ranking geral, uma novidade, já que esses rankings são sempre recheados de marcas como Netfliz, Google, Amazon, etc. No recorte por classe social, o destaque é ainda mais revelador:
O dado me chamou atenção porque o Pix não segue o manual tradicional de construção de marca que marketeiros, como eu, geralmente seguimos. Não investe bilhões em mídia, não patrocina festivais e não depende de influenciadores. Ainda assim, tornou-se uma das marcas mais relevantes para uma geração conhecida por seu ceticismo em relação à publicidade.
O motivo é simples e poderoso: o Pix resolve uma dor real, de forma simples, rápida e em escala massiva. Ao eliminar fricções históricas do sistema de pagamentos, ele se incorporou ao cotidiano dos brasileiros — e virou ritual.
O café é talvez o exemplo mais clássico de ritual de consumo no Brasil. O país consome cerca de 21 milhões de sacas por ano, o equivalente a mais de 85 bilhões de xícaras, com um consumo per capita próximo de 6 quilos por pessoa ao ano. Isso o coloca entre os maiores mercados consumidores do mundo.
Aqui falo também como consumidora: sou uma heavy user dessa categoria, transito entre coado e expresso ao longo do dia, o que reforça uma lição essencial para marcas de bens de consumo. O café não precisa ser lembrado — ele já faz parte da vida e aparece algumas vezes ao longo do dia. Seu valor está menos no discurso e mais na constância, na disponibilidade e na coerência com os momentos do dia que ocupa.
O mercado de vitaminas e suplementos segue a mesma lógica de ritualização. Globalmente, a categoria já ultrapassa US$ 160 bilhões, com crescimento anual entre 7% e 9%.
No Brasil, o avanço tem sido ainda mais significativo, impulsionado por um movimento estrutural: a forte expansão do consumo na classe C, um público que historicamente não fazia parte dessa categoria.
O suplemento deixou de ser percebido como algo elitizado ou restrito à prescrição médica e passou a integrar a rotina de autocuidado, prevenção e performance. Quando o consumo migra da exceção para a recorrência, o jogo muda.
Essas marcas não crescem apenas por inovação de produto, mas por conquistar frequência de uso.
Essa lógica ficou muito clara para mim quando liderei a marca Pepsi no Brasil. Em bens de consumo de alto giro, o grande desafio não é apenas ganhar penetração — é ganhar repetição.
Refrigerantes são profundamente ligados a ocasiões: refeições, encontros, celebrações e pausas. O crescimento sustentável da marca não vem apenas de campanhas icônicas ou grandes patrocínios globais, mas da capacidade de estar presente toda semana, todos os meses, no carrinho e na mesa do consumidor.
No mercado de bens de consumo, conhecido por FMCG, volume não vem da exceção. Vem da rotina.
E isso muda completamente a forma de pensar marketing, portfólio, distribuição e inovação.
A Geração Z deixa esse movimento ainda mais evidente. As marcas que lideram seus rankings de admiração são aquelas que facilitam a vida, economizam tempo e entregam valor real no dia a dia.
A emoção não desapareceu — ela mudou de lugar.
Hoje, a conexão emocional nasce da utilidade, da confiança e da sensação de “isso funciona para mim”.
Quando uma marca vira ritual, ela não disputa atenção. Ela disputa ausência. Só percebemos seu valor quando ela não está lá.
A pergunta estratégica deixou de ser:
“Como faço o consumidor escolher minha marca?”
E passou a ser:
“Em qual momento do dia minha marca entra — e por quê?”
Porque marcas que entram na rotina não precisam gritar. Elas simplesmente fazem parte da vida.
É exatamente aqui que Pix e o mercado de produtos de consumo massivo se encontram: tanto um meio de pagamento quanto uma bebida, um snack ou uma vitamina se tornam marcas fortes quando deixam de ser apenas produtos e passam a ser hábitos — repetidos, confiáveis e indispensáveis.
No marketing moderno, não existe ativo mais valioso do que esse.