Embora a origem do Papai Noel anteceda a Coca-Cola, campanhas publicitárias da empresa tiveram peso na construção da imagem que se conhece hoje (Reprodução/YouTube)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 13 de dezembro de 2025 às 16h29.
A imagem do Papai Noel é uma das mais reconhecíveis da cultura ocidental. Roupa vermelha, barba branca, bochechas rosadas e um semblante afetuoso compõem um personagem que atravessa gerações e fronteiras. Mas essa figura, hoje quase universal, nem sempre foi assim.
Antes do século XX, o “bom velhinho” aparecia em versões muito diferentes, que iam de um homem alto e magro a figuras de traços mais sombrios e quase míticos. A imagem hoje mais difundida só começa a mudar a partir da década de 1930. E a Coca-Cola teve um papel importante nesse processo.
A associação entre o personagem e a marca de refrigerantes é tão forte que a pergunta surge com frequência: a Coca-Cola criou o Papai Noel? A resposta é não. Mas a publicidade da companhia ajudou a moldar a versão moderna pela qual o personagem passou a ser reconhecido.
A história do Papai Noel remonta ao século IV, com São Nicolau, bispo conhecido por sua generosidade. Ao longo dos séculos, a figura foi reinterpretada por diferentes culturas europeias, assumindo características variadas.
No século 19, o personagem começou a ganhar contornos mais definidos nos Estados Unidos, sobretudo por meio das ilustrações do cartunista Thomas Nast.
Em 1862, Nast desenhou o Papai Noel para a revista Harper’s Weekly como uma pequena figura élfica, associada ao contexto da Guerra Civil americana. Ao longo de cerca de 30 anos, o cartunista foi ajustando sua representação, incluindo a mudança do casaco bege para o vermelho — uma transformação que antecede a entrada da Coca-Cola nessa história.
Até o início do século 20, não havia uma imagem única e dominante do Papai Noel. Ele podia aparecer como um homem austero, um personagem quase mítico ou até uma figura assustadora, a depender do país e do contexto cultural.
Antes do século 20, o 'bom velhinho' aparecia em versões muito diferentes — de um homem alto e magro a um elfo de aparência sombria. (Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos)
A Coca-Cola começou a usar o Papai Noel em sua publicidade ainda na década de 1920. Os primeiros anúncios de Natal surgiram em revistas como The Saturday Evening Post e tinham forte apelo comercial, ligado ao período de compras de fim de ano. Nessa fase inicial, o personagem seguia um padrão mais rígido, próximo ao das ilustrações de Nast.
Em 1930, a empresa deu um passo importante ao encomendar ao artista Fred Mizen uma pintura de um Papai Noel em uma loja de departamentos, em meio a uma multidão, bebendo uma garrafa de Coca-Cola.
A cena destacava a maior fonte de refrigerante do mundo, instalada na loja Famous Barr Co., em St. Louis, no Missouri (EUA). A imagem foi reproduzida em anúncios impressos durante aquela temporada de Natal.
A mudança decisiva veio em 1931. Naquele ano, a Coca-Cola passou a investir de forma mais consistente em campanhas natalinas e encomendou ao ilustrador Haddon Sundblom a criação de uma nova imagem do Papai Noel. A orientação da agência D’Arcy, que atendia a empresa, era de que o personagem precisava ser íntegro, realista e simbólico, sem parecer um homem fantasiado.
Para criar essa nova versão, Sundblom buscou inspiração no poema A Visit from St. Nicholas (Uma visita de São Nicolau), de 1822, escrito por Clement Clark Moore. A descrição do texto levou à construção de um Papai Noel humano, afetuoso, de aparência robusta e expressão amigável. Embora o vermelho já fizesse parte do figurino do personagem antes, foi a repetição dessa imagem na publicidade da Coca-Cola que ajudou a fixar essa estética no imaginário coletivo.
O Papai Noel de Sundblom estreou em anúncios publicados na The Saturday Evening Post em 1931 e, nos anos seguintes, passou a aparecer com frequência também em revistas como Ladies’ Home Journal, National Geographic e The New Yorker.
Uma curiosidade é que as imagens do Papai Noel da Coca-Cola passaram a ser observadas com atenção pelo público, e qualquer mudança gerava reação. Em determinado ano, o cinto do personagem apareceu invertido, o que levou consumidores a escreverem para a empresa. Em outro, o Papai Noel surgiu sem aliança, provocando questionamentos sobre o paradeiro da Mamãe Noel.
Os detalhes também chamavam atenção. As crianças retratadas nas pinturas eram inspiradas em vizinhos de Sundblom. Inicialmente, eram duas meninas, mas o artista decidiu transformar uma delas em menino para variar as cenas. Já o cachorro que aparece na pintura de 1964 era, na vida real, um poodle cinza do florista do bairro, pintado de preto para se destacar melhor na composição.
Anúncio de Natal da Coca-cola (Divulgação)
Em 1942, a Coca-Cola introduziu o Sprite Boy, personagem que passou a aparecer ao lado do Papai Noel nos anúncios da marca ao longo das décadas de 1940 e 1950.
Criado também por Sundblom, o Sprite Boy recebeu esse nome por ser um sprite, ou seja, um elfo. O personagem não tinha relação com o refrigerante Sprite, que só seria lançado pela empresa nos anos 1960.
Sprite Boy passou a aparecer ao lado do Papai Noel nas campanhas da Coca-Cola (Divulgação)
Entre 1931 e 1964, os anúncios de Natal da Coca-Cola mostraram o Papai Noel em situações cotidianas: entregando brinquedos, lendo cartas, conversando com crianças que ficaram acordadas para vê-lo e abrindo geladeiras para beber uma Coca-Cola.
As pinturas a óleo originais foram adaptadas para revistas, vitrines, outdoors, pôsteres, calendários e diversos produtos promocionais, muitos deles hoje considerados itens de colecionador.
Mesmo após Sundblom criar sua versão final do personagem, em 1964, a Coca-Cola continuou a usar suas imagens como base por décadas. Essas obras integram o acervo histórico da empresa e já foram exibidas em instituições como o Louvre, em Paris, o Royal Ontario Museum, em Toronto, e o Museum of Science and Industry, em Chicago, além de espaços comerciais e culturais em cidades como Tóquio e Estocolmo.
Esboço de Haddon Sundblom, de 1964, com marcações nas bordas que delimitam o enquadramento das versões impressas usadas em revistas e pôsteres da campanha (Divulgação)
Em 2001, o Papai Noel da Coca-Cola ganhou vida em animação. Um comercial de TV foi criado a partir de uma pintura de 1962 de Sundblom, com animação assinada por Alexandre Petrov, vencedor do Oscar.
O movimento marcou a adaptação do personagem para novas linguagens e plataformas, mantendo viva a associação entre a marca e o Natal.
Embora a origem do Papai Noel anteceda a Coca-Cola, campanhas publicitárias da empresa tiveram peso na construção da imagem que se conhece hoje. Ao longo do século 20, a repetição dessa representação ajudou a transformar um personagem de múltiplas interpretações em uma figura reconhecida globalmente — um exemplo de como a publicidade pode ultrapassar o produto e influenciar o imaginário cultural.