Sigrid Guimarães: pouco resolve lavrar testamento, adiantar legítima, constituir condomínio, gravar bens etc., se o patrimônio não estiver adequadamente estruturado (Divulgação/Divulgação)
Karla Mamona
Publicado em 12 de setembro de 2022 às 10h39.
Última atualização em 12 de setembro de 2022 às 10h54.
Nos últimos meses, venho analisando nesta coluna o processo de formação e preservação de patrimônios, sempre lembrando que a clareza quanto aos seus objetivos é a base indispensável para planejar e gerir patrimônios com eficiência.
Reconheço, contudo, que ter “clareza quanto aos seus objetivos” não é algo tão simples quanto aconselhar alguém a ter. Na verdade, boa parte do que faço no escritório é, justamente, ajudar nossos clientes a identificar e dimensionar seus objetivos em termos financeiros. Cada caso é um caso, pessoal e intransferível, mas algumas questões se repetem com alta frequência, e acredito que refletir sobre elas possa ajudar o(a) leitor(a).
Entre as preocupações mais comuns dos detentores de patrimônios está o futuro de quem depende deles. As circunstâncias variam enormemente. Podem envolver cônjuges sem fonte de renda própria nem condições de gerir o patrimônio, filhos, netos, outros parentes e agregados, menores, incapazes, inválidos ou em situação financeira precária. O que não varia é o propósito de proteger alguém quando não se estiver mais aqui ou uma doença, a idade ou outro evento que impeça de fazê-lo diretamente.
Instrumentos jurídicos podem e devem ser usados para esse fim. Daí que uma de minhas primeiras recomendações aos clientes é que procurem um advogado especializado em Direito de Família e sucessão. É uma medida indispensável, mas não suficiente. Pouco resolve lavrar testamento, adiantar legítima, constituir condomínio, gravar bens etc, se o patrimônio não estiver adequadamente estruturado.
Uma das situações mais comuns são espólios excessivamente imobilizados. A intenção do detentor do patrimônio costuma ser prover um teto e/ou uma fonte de renda relativamente estável e perene aos sucessores e evitar a dilapidação que a liquidez pode ensejar. Como já vimos em artigo anterior, esse tiro sai facilmente pela culatra se não houver provisão de liquidez para sustentar os custos de manutenção e a eventualidade de vacância de um imóvel destinado a renda. Além disso, a imobilização dificulta a partilha e a readequação do patrimônio caso os imóveis se desvalorizem. Imagine, ainda, o que pode acontecer quando não se dispõe de recursos para bancar as despesas ao longo do inventário ou mesmo para pagar seus custos.
Na mão oposta, há quem creia que um montante de recursos líquidos excepcional resolve qualquer problema por si mesmo. A má notícia é que, infelizmente, não existe dinheiro no mundo que não possa ser consumido rapidamente ou simplesmente perdido por imprudência ou por uma combinação de ignorância e mau assessoramento. Portanto, se a ideia é proteger alguém sem condições de gerir sua própria vida material, o melhor é estabelecer desde já uma estrutura diversificada e à prova de arroubos megalomaníacos e de ingenuidade.
Criar essa estrutura é tarefa de alfaiataria, feita a mão, sob medida, para a qual recomendo a participação conjunta de advogados e consultores especializados em gestão patrimonial. É possível, entretanto, apresentar instrumentos úteis para modelar patrimônios para sucessão, bem como apontar as funções que cada qual pode desempenhar e os equívocos a evitar.
Quando analiso o patrimônio de um novo cliente, é comum encontrar seguros que se configuram em mero desperdício. Em alguns casos, o valor assegurado é irrelevante para o beneficiário. Em outros, o patrimônio construído já satisfaz mais do que suficientemente o cuidado com os dependentes, e, sendo assim, o prêmio do seguro é uma despesa desnecessária.
Já se o problema é a manutenção do beneficiário durante um inventário complexo, o seguro pode, sim, ser a solução, uma vez que o pagamento é bastante rápido (até 30 dias após a entrega da documentação). Outra opção são os planos de previdência, tanto para prover liquidez imediata aos sucessores como para amparar terceiros sem obrigá-los a passar pelos trâmites burocráticos do inventário. Observe: não se trata de burlar os direitos dos herdeiros necessários, o que é antiético, ilegal e passível de reclamações judiciais. O valor do plano jamais deve avançar sobre a parcela destinada, por lei, aos herdeiros necessários.
Para os detentores de patrimônios elevados, a constituição de um fundo exclusivo fechado, bem planejado e com regras próprias para resgate e liquidação, apresenta-se como uma saída conveniente quando um ou mais herdeiros não demonstram capacidade para administrar seus bens.
Todos esses instrumentos podem ser extremamente úteis para proteger quem depende de você e até mesmo para evitar disputas. No entanto, como costumo lembrar a meus clientes, é preciso cuidado para não transformar seu zelo em tirania e impedir que pessoas aptas decidam suas vidas da forma que acharem melhor. Se não há, entre seus herdeiros e terceiros a quem você queira proteger, alguém decididamente incapaz de lidar com dinheiro, talvez o melhor caminho a seguir é investir na educação financeira familiar desde cedo.
*Sigrid Guimarães é sócia e CEO da Alocc Gestão Patrimonial