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Quem quer dinheiro?

Como cresce na metrópole a oferta de crédito popular

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h33.

Pouco depois do meio-dia, o calçadão da rua São Bento, no centro da capital paulista, está fervilhando. Os pedestres caminham apressados, alheios ao que acontece em volta. Um homem alto, de terno escuro, penteado impecável, fica à espreita. O calor passa dos 30oC, mas nenhuma gota de suor escorre na face. Concentrado, examina cuidadosamente a multidão à procura da oportunidade certa. Logo aborda um rapaz, que oferece certa resistência no início. Em alguns segundos, acaba cedendo. O homem de terno coloca gentilmente a mão nas costas do rapaz e o conduz até uma porta ali perto.

O trabalho de Carlos Henrique Camargo Costa, de 24 anos, é oferecer empréstimos pessoais. Ele identifica potenciais clientes na rua e os conduz a uma agência da Losango, uma das maiores financeiras do país. "Se você vai vender dinheiro, aparência é tudo", diz Costa, aluno do último ano de planejamento estratégico empresarial na Uninove. "Se eu estiver de calças jeans, vão achar que é um assalto ou uma pegadinha." Com cinco anos de experiência nas ruas de São Paulo, o promotor de crédito já passou por sete das 15 filiais da Losango na região metropolitana. Desde que começou a trabalhar no ramo, Costa viu a concorrência aumentar muito na São Bento. "Naquela época, eram praticamente só os nossos promotores contra os do Banco Panamericano." Hoje calcula que cerca de 150 profissionais como ele trabalhem naquela rua -- uma verdadeira feira livre do crédito.

A mudança no tradicional ponto da São Bento sintetiza o desenvolvimento do mercado de crédito pessoal. Ele inclui, além dos empréstimos, o crédito direto ao consumidor (CDC), usado no comércio. Nessa modalidade, o lojista recebe à vista o valor da compra, pago pela financeira -- que ganha com os juros cobrados dos consumidores. "Os bancos perceberam que financiar o consumo era mais rentável que emprestar dinheiro para empresas", diz Boanerges Ramos Freire, diretor da Partner, consultoria especializada na área financeira. No fim de 1999, o volume de crédito ao consumidor no Brasil chegava a 27 bilhões de reais, em valores atualizados. No ano passado, atingiu 72,4 bilhões. "Mais de um terço desse valor se destina ao financiamento de veículos", diz Freire. Mas o crescimento de 2000 e 2001 não deve se repetir agora: para este ano, espera-se uma expansão de 3% no volume de crédito ao consumidor.

A clientela preferencial dos empréstimos pessoais é o público de baixa renda. As classes A e B utilizam muito pouco esse tipo de serviço, pois podem contar com alternativas como cartão de crédito ou cheque especial. "Oferecer crédito para as classes C, D e E é temeroso porque são sempre as primeiras a ser afetadas em épocas de instabilidade econômica", diz Adalberto Savioli, diretor de crédito e risco do Banco Panamericano. Com mais de 35 anos de existência, o banco é a financeira do Grupo Silvio Santos. Mais de dois terços de seus clientes pertencem às classes C, D e E. O Panamericano movimenta 220 milhões de reais em crédito por mês -- dessa quantia, cerca de 60 milhões são financiamentos realizados nas 21 filiais da Grande São Paulo. Metade dos valores é de crédito ao consumo -- o restante divide-se entre veículos e empréstimo pessoal.

Sinergia

O foco do Grupo Silvio Santos são as classes populares -- veja a programação do SBT ou os carnês do Baú da Felicidade. A familiaridade com esse público traz muitas vantagens ao Panamericano. Os cadastros de candidatos a participar de programas como o Show do Milhão fornecem informações riquíssimas para o banco. A Telesena, que vendeu cerca de 2 bilhões de unidades em 12 anos de existência, também ajuda a conhecer melhor o perfil da clientela popular. "Temos de 20 a 30 milhões de nomes em nossa base de dados", afirma Savioli.

Boa parte dos clientes das financeiras possui empregos informais, o que dá poucas garantias de que eles irão conseguir honrar suas dívidas. Para contornar esse problema, as instituições investem em mecanismos de análise de crédito que independem de holerite. Há o chamado credit bureau, uma central que avalia o comportamento do cliente e suas características. O Panamericano, por exemplo, usa informações como idade, local de residência e número de filhos para chegar a uma pontuação que aprova ou reprova o crédito do cliente. Dependendo da época, o nível mínimo de pontuação pode ser alterado. (Se o objetivo é ganhar volume de clientes, diminui. Se é aumentar o retorno por cliente, aumenta.)

Na Losango, para que alguém possa retirar 300 reais, os pré-requisitos são ter emprego formal há pelo menos seis meses ou possuir talão de cheque pelo mesmo período. Àqueles que têm restrições de crédito (como o nome na lista do Serviço de Proteção ao Cheque), recomenda-se que levem alguém de confiança para pedir o empréstimo em seu lugar. De cada 100 pessoas que não preenchem os requisitos, 80 levam um representante. "Dessa forma, eles conseguem dinheiro e evitam cair nas mãos de agiotas", afirma o promotor Costa. "E nós, em vez de perder um cliente, conseguimos dois."

A Losango não é exatamente uma financeira, mas uma promotora de vendas do banco Lloyds (responsável pela parte efetivamente financeira das operações). Estima-se que ela tenha mais de um terço do mercado de CDC no Brasil. "Há cerca de três anos, decidimos intensificar nossa atuação em São Paulo", afirma Leandro Vilain, diretor de produtos e novos negócios da Losango (fundada há mais de 30 anos no Rio de Janeiro). De outubro de 2001 a outubro deste ano, suas operações de CDC aumentaram 35% na Grande São Paulo. Já o volume dos empréstimos pessoais cresceu 31% no mesmo período.

O CDC representa cerca de 65% das operações da Losango na região metropolitana. Os outros 35% pertencem aos empréstimos pessoais -- fica fora da conta o setor de veículos. Na Grande São Paulo, o valor de cada empréstimo é cerca de 40% superior à média nacional. Em compensação, a inadimplência paulistana é das mais altas do país -- entre outras grandes cidades, como Salvador e Rio de Janeiro. "Talvez seja por causa do alto custo de vida e das fraudes", afirma Vilain.

No Panamericano, a taxa de inadimplência da Grande São Paulo é semelhante à encontrada no resto do país (de 5% a 6%). Savioli discorda da crença popular de que os mais pobres sempre pagariam suas dívidas -- porque, com o nome sujo, não teriam outro meio de conseguir dinheiro. "Os consumidores de baixa renda perderam o medo de ser inadimplentes", diz Savioli. Já Vilain, da Losango, acredita que há algo de verdadeiro na suposta obstinação desses consumidores em saldar suas dívidas. "Muitos fazem questão de limpar o nome muito tempo depois de dar o calote", diz. Na Losango, há casos de pessoas que apareceram para pagar as dívidas quatro anos após o vencimento.

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