Quem precisa de um personal trainer para as finanças?
A executiva que cuida da formação e da certificação dos planejadores financeiros em todo o mundo diz por que mesmo quem não tem tanto dinheiro assim tem a ganhar com esse tipo de consultoria
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h33.
Por Daniela D Ambrosio
Quem quer prevenir doenças e garantir uma vida saudável costuma procurar um médico. Quem já adoeceu corre ainda mais rápido para consultar um doutor. E quem quer evitar ou já tem problemas financeiros, faz o quê? Procura um planejador financeiro. Mas tem que ser dos bons, um profissional com selo de garantia. A recomendação é de Edythe MacClatchy Pahl, ou Dede Pahl, como prefere ser chamada a executiva que cuida da formação e da certificação dos planejadores financeiros em todo o mundo.
Dede é chief operating officer (COO) do Certified Financial Planner (CFP) Board, organização mundial com sede nos Estados Unidos que supervisiona entidades de planejamento financeiro e certifica profissionais da área. O consultor financeiro faz um trabalho preventivo e pode garantir mais saúde financeira às pessoas , afirma ela. A maioria não tem autodisciplina para planejar suas finanças. Dede segue seu conselho à risca. Embora entenda de finanças pessoais, ela diz ter seu próprio planejador financeiro (registrado, claro).
Há poucas semanas Dede veio ao Brasil trazer a marca registrada CFP que, em português, significa planejador financeiro certificado. Nos Estados Unidos, já são 34 656 planejadores com esse selo de garantia. Em outros 16 países, eles somam quase 18 mil profissionais. O Brasil será o primeiro país da América Latina a conceder esse atestado. A entidade credenciada pelo CFP para coordenar o processo é o Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF).
Os certificados começam a ser emitidos no final deste ano. Mais de 100 profissionais iniciaram, em setembro do ano passado, um curso preparatório para o exame que garante o registro. O curso (há o MBA e a especialização) é ministrado pelo FIPECAFI Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras da Universidade de São Paulo. A certificação será revalidada a cada dois anos para garantir que os profissionais continuem se aprimorando e também para acompanhar o comportamento ético de cada um. Dede já se habituou a responder questões recorrentes sobre o assunto. Antes de entregar a administração do seu patrimônio a um profissional, as pessoas querem ter certeza se realmente precisam de um consultor financeiro. Será que é só para quem tem muito dinheiro? Será que a vida entra nos eixos com a ajuda de um especialista desses? Nesta entrevista exclusiva, Dede diz qual o papel do planejador financeiro e por que é importante ter um personal trainer financeiro.
Todo mundo precisa de um planejador financeiro?
Não. Mas, certamente, é útil para quem não possui o nível de sofisticação exigido para processar as questões financeiras cada vez mais complexas que mexem com todos nós. Sobretudo quando a pessoa tem que cuidar da família, quer garantir uma boa situação na hora da aposentadoria ou planejar como transmitir sua herança. É o mesmo com a medicina: as pessoas não procuram médicos a toda hora. Porém, o médico é indispensável quando elas precisam de socorro, ajuda e de uma certa dose de medicina preventiva: levar uma vida mais saudável significa menos problemas de saúde. O consultor também faz um trabalho preventivo e pode garantir mais saúde financeira às pessoas.
Por que alguém que se preocupa com a sua vida financeira e lê livros e revistas especializados no assunto precisaria recorrer a um consultor financeiro?
Um cliente instruído é ideal para o consultor financeiro. Metade ou mais do trabalho de um consultor é ensinar o cliente a ser auto-suficiente. Se a pessoa já parte de uma base de conhecimentos, o aprendizado é bem mais rápido.
Em que situações um planejador financeiro pode realmente ajudar?
A maioria das pessoas só recorre a um consultor quando há alguma crise financeira: dívidas, a morte do provedor da família, uma herança inesperada ou dúvidas quanto à qualidade de um produto financeiro. Normalmente, é um acontecimento específico que leva uma pessoa a buscar um consultor. O papel do bom planejador é demonstrar que aquele fato isolado que levou a pessoa até ele é capaz de provocar uma reação em cadeia se não for adequadamente administrado. Essa é a hora de começar a avaliar tudo o que cerca a vida financeira da pessoa, usando aquele fato como ponto de partida.
E o que podemos fazer por conta própria?
Qualquer um pode ir à farmácia, por exemplo, para comprar um remédio para gripe. Mas, se ela não passar, é natural que a pessoa procure um médico. Eu até poderia cuidar das minhas finanças, mas tenho um planejador há cerca de dez anos. Meu negócio é administrar o processo de certificação, não meu planejamento financeiro. Por isso prefiro contar com um profissional que ganha seu pão fazendo isso diariamente. Isso me dá paz de espírito. É óbvio que conheço bastante sobre o assunto, mas se eu fosse um gênio estaria há muito tempo vivendo mansamente numa ilha do Caribe.
Como deve ser o trabalho de um consultor?
Estabelecer as bases da relação é a primeira etapa: definir com o cliente que tipo de relacionamento eles terão, se ficará resumido a um evento isolado, como uma dívida a ser equacionada ou a escolha de um investimento, ou se vai durar um certo tempo. O segundo passo é fixar objetivos e metas, sempre junto com o cliente. É preciso identificar seus objetivos, compilar dados e informações sobre a distribuição de bens, sobre impostos pagos, sobre dependentes. A terceira etapa é analisar todas essas informações. A partir daí o planejador deve fazer sugestões e mostrar as opções que existem no mercado. Feito o plano, ambos saem para implementá-lo. É nessa fase que o cliente pode ter que procurar um advogado para formular um testamento, por exemplo. O passo final é o planejador monitorar continuamente o plano com o cliente para fazer possíveis alterações de rota.
Com que freqüência planejador e cliente devem manter contato?
Tudo depende se o cliente é participante ou passivo. Para falar sobre investimentos, por exemplo, os contatos costumam ser mais freqüentes, para garantir que o perfil do investimento esteja ajustado aos objetivos do cliente. Quando houver mudanças no mercado, certamente ele procurará seu consultor. Mas, numa relação de longo prazo com um consultor, a tendência é que eles forneçam relatórios trimestrais e uma avaliação anual para garantir que tudo siga conforme o planejado. Mas isso é algo de longo prazo, não é querer mudar tudo nas pequenas oscilações do mercado.
Você já está há dez anos com o seu planejador. Vocês se falam sempre?
Moro em Denver, e o escritório do meu planejador e seu sócio é em Columbus, Ohio, do outro lado do país. Fazemos tudo pela internet e pelo correio, mas nunca nos vimos cara a cara. Às vezes nos falamos por telefone. Não acho isso ruim.
Que tipo de erro as pessoas costumam cometer e que o planejador pode evitar?
Cometemos um monte de erros básicos, mas o maior deles é não fixar metas. Você quer ter dinheiro para a casa própria em cinco anos? É preciso definir metas para atingi-las. O planejador vai querer saber quanto você vem economizando para comprar sua casa em cinco anos. Se for pouco, ele dirá que é preciso definir um prazo maior e refazer todas as contas ou poupar mais, mexendo no orçamento. A maioria das pessoas não tem autodisciplina para isso. Além disso, o planejador não tem envolvimento emocional com a situação, vai analisar seus dados e dar conselhos diretos, objetivos.
Quem administra seu portfólio por conta própria tem menos potencial de ganho do que quem contrata um planejador financeiro?
Algumas pessoas que investem por conta própria são muito boas. Mas será que, apesar de todo o talento, elas estão preparadas para um revés? A negociação de ações pela internet foi uma febre recente nos Estados Unidos, mas não foi pouca gente que perdeu tudo o que tinha. O planejador não garante necessariamente rentabilidades maiores, mas sua visão do todo permite atingir a paz de espírito de não temer a perda total.
Que formação um planejador financeiro deve ter?
Qualquer pessoa pode ser um planejador financeiro. É óbvio que, se formos pegar um universitário, um bom começo seria uma formação em finanças ou contabilidade. Mas tenho que dizer que entre os melhores planejadores há muitos engenheiros, que vencem nessa profissão por causa de sua capacidade analítica. Professores também podem ser bons planejadores financeiros, em função da didática e do grande poder que eles têm para instruir o cliente. É importante que a pessoa tenha contato com o mundo financeiro, de uma forma ou de outra, mas que também queira ter uma relação mais próxima com os clientes.
Qual a principal diferença entre um planejador financeiro e um contador?
O contador é uma figura que cuida do passado financeiro da pessoa. O planejador cuida do futuro. Muitos contadores de alto nível estão se tornando planejadores. Eles sabem o que aconteceu no passado. São capazes de perceber quando as coisas não vão bem e mostrar como é possível mudar dali para a frente.
Qual o valor mínimo que uma pessoa deve ter para procurar um planejador financeiro?
Nos Estados Unidos, muitos planejadores financeiros atendem pessoas com bastante dinheiro, como 5 milhões de dólares em ativos totais, por exemplo. Mas temos também planejadores financeiros que trabalham com gente da classe média que tem 2 mil dólares em poupança. A questão não é quanto dinheiro uma pessoa tem. Há quem tenha milhões e milhões de dólares e não tenha a menor organização financeira. E há quem tenha pouco, mas graças a um bom planejamento consegue juntar uma poupança razoável. Eu não gosto de dizer que a procura por um planejador deva depender do quanto você tem, mas das suas necessidades de ter uma orientação adequada em relação ao que fazer com o que tem.
Qual a melhor forma de escolher o profissional certo?
O usual é fazer como quando precisamos de um médico: obter a indicação de amigos ou de algum profissional da área. É preciso checar a formação acadêmica do candidato e, claro, ver se ele tem a especialização e é certificado.
No Brasil, normalmente quem orienta as pessoas são os profissionais de asset management (gestão de ativos) dos bancos. Isso é planejamento financeiro?
A consultoria em investimentos é apenas parte do planejamento financeiro. Se você estiver falando com um vendedor de fundos ou alguém estritamente do ramo de investimentos, pode ser que essa pessoa não esteja lhe fazendo outras perguntas importantes, como qual o impacto do investimento no seu perfil financeiro ou na sua carga tributária. Há situações em que esses gestores não advertem para uma possível incidência de impostos por não conhecer seu portfólio todo, por não saber como aquele investimento isolado se encaixa nos seus objetivos. O planejador financeiro tem condições de ter essa visão global.
E quanto às comissões que alguns planejadores independentes recebem dos bancos para vender seus produtos? Esse procedimento é correto?
Quando você compra um carro, o vendedor ganha uma comissão. O importante é que o planejador, sobretudo aquele que tenha sido certificado, deixe claro para o cliente qual sua relação com a instituição financeira que vende o produto que está sendo sugerido. Ele precisa dizer de quanto será sua comissão. Precisa dizer como ganha seu salário. O cliente é quem toma a decisão se aquilo é bom ou não para ele.
Qual a melhor forma de pagar pelos serviços prestados por um planejador financeiro?
Nos Estados Unidos, muita gente não se importa em pagar um percentual sobre o ganho. Porque o planejador diz: Você tem meu tempo, pode me ligar 100 vezes por dia, se quiser, mas se investirmos num fundo vou tirar 0,5% do total todo ano . Ele também poderia dizer que, a cada ligação, cobraria 100 dólares, mas concluído o plano não ganharia mais nada. Há várias possibilidades de acerto. Alguns planejadores cobram uma taxa do cliente, mas, se venderem um produto na base de comissão, descontam da comissão a taxa. Outros cobram uma taxa mensal, que corresponde a uma porcentagem dos ativos geridos pelo planejador.
A empatia entre cliente e planejador é importante?
Você precisa saber que aquela pessoa é alguém a quem você confiaria os mínimos detalhes da sua vida. Falar de dinheiro é muito difícil. Você precisará ter confiança nessa pessoa para confessar, por exemplo, que gostaria de ir a Las Vegas e jogar. E nada o impede de ser um jogador se você tiver uma reserva. Os planejadores não estão lá para julgar o que você faz com seu dinheiro, mas para assegurar que nenhum aspecto fique descoberto e que você possa fazer o que deseja. Por isso, antes de escolher, fale com três ou quatro planejadores. Embora possam ter os mesmos conhecimentos, é importante checar se a personalidade deles casa com a sua. Os estilos podem variar, e é preciso saber se a pessoa estará, por exemplo, disposta a falar com você com freqüência, caso você queira.
Como proceder diante de um mau conselho?
Nos Estados Unidos, quando recebemos queixas, tomamos medidas disciplinares contra os profissionais. No limite podemos cassar a certificação. Fazemos muito barulho e todos ficam sabendo que aquele profissional não é confiável. Aqui no Brasil, o Instituto Brasileiro de Certificação de Planejadores Financeiros (IBCPF) fará o mesmo papel. Por outro lado, também é importante proteger o planejador. Há clientes que aparecem com queixas frívolas, como: Achei que ia ter um lucro de 80%, mas foi só de 78% . Não é uma reclamação sensata.
Quantos clientes deve ter um planejador financeiro?
Acho que a média é entre 200 e 300 clientes, dependendo da estrutura de que ele dispõe, se tem auxiliares ou se faz tudo sozinho. Depende também do tipo de cliente que ele pega. Há pessoas como eu, que se satisfazem com um e-mail, e há quem sinta necessidade de contato freqüente. Eu não ficaria tranqüila se soubesse que um planejador tem, por exemplo, mil clientes.
O planejador financeiro está autorizado a fazer investimentos em nome do cliente?
No Brasil, a pessoa precisa estar registrada como consultora de investimentos na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O cliente sempre precisa autorizar a transação por escrito. Muitos planejadores dizem se sentir pouco à vontade com esse tipo de acordo. Em vez de dar amplos poderes ao planejador, porém, o cliente pode autorizar transações específicas, sempre por escrito. Ou seja, caso vá se ausentar, pode autorizar o planejador a agir em seu nome em circunstâncias específicas. E o planejador precisa sempre guardar tais documentos.