Minhas Finanças

Proteja-se do financiamento "bom demais para ser verdade"

As lições para o consumidor do caso da associação sem fins lucrativos que pode ter utilizado esquema de pirâmide em financiamentos imobiliários

Para financiar a casa dos sonhos, a conta precisa fechar de maneira consistente (Divulgação)

Para financiar a casa dos sonhos, a conta precisa fechar de maneira consistente (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 21 de julho de 2013 às 08h46.

São Paulo – Uma suposta modalidade alternativa de financiamento de imóveis encontra-se em meio a uma polêmica que leva quem está atrás da casa própria à refletir. A Associação Frutos da Terra Brasil (AFTB) teve seu presidente denunciado pelo Ministério Público Federal na última quarta-feira por operação de instituição financeira sem autorização e uso indevido de selo de órgão público federal.

Além disso, a entidade sem fins lucrativos foi alvo de uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Rio em janeiro de 2010 por manter um sistema de financiamento potencialmente danoso a seus associados, inclusive por meio da operação de um esquema de pirâmide.

Impedida de funcionar por uma liminar concedida pela Justiça do Rio, fruto dessa Ação Civil Pública, a AFTB afirma não estar aceitando novos associados - pessoas em busca da casa própria. No entanto, a organização já conta com 12.000 associados por todo país que agora se veem diante da perspectiva de ficarem a ver navios após terem feito suas contribuições financeiras por tanto tempo.

Na ânsia de fugir da burocracia e das taxas de juros dos financiamentos habitacionais, esses brasileiros buscaram o sistema da AFTB para comprar a casa própria: financiamento para pessoas com renda mínima mensal a partir de 1,5 salário mínimo, sem necessidade de aprovação de crédito, sem juros e sem consulta aos cadastros de inadimplentes.

Bastaria contribuir durante 30 meses com mensalidades correspondentes a um milésimo do valor da carta de crédito pretendida que o associado seria contemplado, por meio de sorteio, e só começaria a pagar o financiamento após o recebimento das chaves.

Mas o que parecia um sonho pode se tornar um pesadelo para esses brasileiros. A AFTB afirma que seu sistema de crédito é legítimo. Mas no entendimento do Ministério Público Federal, trata-se de um crime financeiro, a operação de instituição financeira sem autorização do Banco Central.

Pior do que isso, a liminar concedida pela Justiça Fluminense – apenas parcialmente cumprida até agora - prevê o encerramento de suas atividades, o fechamento de suas filiais e o bloqueio de seus bens.

E o que vai acontecer aos associados que ainda não obtiveram sua carta de crédito? “O MP do Rio vai perseguir a devolução dos recursos já pagos à entidade, ressarcimento que poderá ser estendido aos associados de outros estados.

A questão é saber se a associação e seu fundador terão recursos para arcar com a eventual condenação”, diz o promotor Júlio Machado, do MP-RJ, que lembra: “Quem se sentir lesado pode ainda entrar com uma ação individual para fazer valer seus direitos”.

Fuja de métodos duvidosos

Do caso da AFTB fica a lição: mesmo que fosse comprovada a sustentabilidade de seu sistema de financiamento, a falta de clareza acerca da categoria em que se encaixa a associação e seus métodos ainda renderia muita dor de cabeça a seus associados, e o que parece uma maneira fácil de fugir da burocracia e das altas taxas de um financiamento imobiliário tradicional pode acabar se revelando uma armadilha.


Antes de mais nada, ao optar por um financiamento ou consórcio para comprar a casa própria, é essencial verificar se a instituição tem autorização do Banco Central para desempenhar tal função. Até mesmo bancos comunitários, que não têm fins lucrativos, precisam de registro da entidade para funcionar.

No caso dos consórcios, é uma boa ideia checar junto aos órgãos de defesa do consumidor se há alguma reclamação contra a administradora, o que pode sinalizar eventuais problemas em relação à sua saúde financeira.

O consórcio é, aliás, uma forma geralmente mais barata para comprar a casa própria para quem não tem a disciplina de poupar e investir mensalmente para comprá-la à vista, nem se encaixa nos critérios do programa Minha Casa, Minha Vida.

O consórcio é uma reunião de indivíduos que contribuem mensalmente para a aquisição de um bem, sendo que, a cada 30 dias, é sorteada uma carta de crédito para um dos consorciados adquirir o bem à vista.

Em vez de pagar juros, o sujeito paga apenas as prestações, uma taxa de administração e uma contribuição para um fundo de reserva destinado a garantir eventuais perdas do consórcio. No fim das contas, o montante sai mais barato que o valor pago num financiamento comum.

Mas nesse caso, também não há milagre: consórcios podem durar de cinco a quinze anos, e a correção anual das prestações pelo Índice Nacional da Construção Civil (INCC) pode torná-lo um péssimo negócio se o consorciado demorar a ser sorteado. Existem alguns mecanismos para ajudar o consorciado a ser sorteado logo no início do consórcio, mas para isso é preciso ser bastante proativo.

Seja como for, o importante é desconfiar de promessas fáceis, do tipo “bom demais para ser verdade”. Mesmo a forma mais barata de se adquirir um imóvel – à vista – não será rápida sem pesar no bolso. O mesmo ocorre com os consórcios.

Mesmo com uma taxa de administração de 15% num período de dez anos (0,125% ao mês), média praticada pelo mercado, uma carta de crédito de 100.000 reais requereria uma prestação média de 1.200 reais, segundo simulação da Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios (ABAC).

Entenda o caso

A Associação Frutos da Terra Brasil (AFTB) foi fundada em 2007 como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) com vistas a erradicar o déficit social brasileiro. Seu Sistema Alternativo de Crédito (SAC) está fundamentado na Lei das Oscips, que garante que essas entidades podem experimentar, de forma não lucrativa, “novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito”.

Segundo a Associação, seu objetivo é atender “aqueles que não atendem a todos os requisitos e não têm como suportar os ainda elevados custos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) ou não se qualificam ou mesmo têm acesso a programas de crédito governamentais como o Minha Casa, Minha Vida”.

Embora não se trate de um consórcio, a entidade se compara aos bancos comunitários, hoje amplamente difundidos na sociedade e que, ao contrário da AFTB, têm autorização do Banco Central para desempenhar suas atividades.


O que levantou as suspeitas do Ministério Público do Rio foi a suposta insustentabilidade de seu sistema de crédito e, por conta disso, consequente publicidade enganosa que se fazia em torno da facilidade de se financiar a casa própria.

Isso porque, para antecipar o recebimento de sua carta de crédito, o associado poderia lançar mão de outros meios, como a indicação de novos associados, pagamentos extras e busca de apoio de empresas. Quem aderia a essa opção poderia, inclusive, receber compensações em dinheiro.

De acordo com a Ação Civil Pública do MP-RJ, esse sistema poderia se caracterizar como uma pirâmide financeira, esquema em que os participantes recebem grandes compensações ao trazer novos membros para um sistema insustentável, em que os novos membros só servem para remunerar os mais antigos.

Segundo a AFTB, esse sistema de trazer novos membros era, na realidade, um sistema de Marketing Multinível, que nada mais é que um sistema de bonificação de membros antigos de uma organização quando eles conquistam novos membros por meio do boca-a-boca.

No entanto, de acordo com nota divulgada pelo MPF na quarta-feira, o presidente da entidade confirmou, em depoimento à polícia, que operava sistema de pirâmide no qual as contribuições dos associados eram aplicadas em produtos como CDBs ou usadas para custeio da associação.

Em junho do ano passado, a AFTB anunciou a suspensão do sistema de Marketing Multinível. Em anúncio publicado em seu site, a AFTB afirma que essa suspensão ocorreu em função de o sistema não ser regulamentado no Brasil, o que traria “uma imagem negativa para a Organização”. Em nota, a AFTB afirma que “com o passar do tempo, a diretoria identificou que esta ferramenta não seria mais adequada, por isso resolveu suspendê-la”.

Outro sinal de insustentabilidade do sistema citado pela Ação Civil Pública é a total falta de garantias para os associados. O MP-RJ afirma que a entidade não possui os fundos para honrar os empréstimos ou patrocinadores para financiar os valores necessários para a quitação de um imóvel.

De acordo com o documento, a AFTB afirma, em seu regulamento, proporcionar a aquisição dos imóveis com o auxílio de patrocínios privados, sem, no entanto, detalhar a origem exata desses recursos.

A linha básica de ações obtida pelo MP afirmava que primeiro seriam inscritas 10.000 famílias na associação e que, só a partir daí, se iniciaria a busca de patrocínios privados, o que começou a ser feito em 2009, junto com o treinamento e capacitação de associados que se voluntariaram. O mesmo plano de negócios definia que a busca por recursos governamentais se iniciaria apenas quando a associação atingisse 50.000 famílias cadastradas.

Com isso, o MP concluiu que o que era prometido não poderia ser cumprido. “Uma simulação do Banco Central concluiu que a atividade da entidade era insustentável da maneira que era prometido”, diz o promotor Júlio Machado.

Segundo ele, algumas das pessoas que já receberam cartas de crédito da AFTB tinham ligações com dirigentes da entidade, e o critério de “premiar” com a carta de crédito quem traz novos associados “não é muito justo”.

Ainda de acordo com o promotor, a liminar concedida pela Justiça fluminense não vem sendo completamente cumprida, pois a Associação mantém suas atividades. Algumas filiais da AFTB foram fechadas, mas a associação já deveria ter encerrado completamente seus trabalhos. Ao oferecer denúncia contra o presidente da associação, o MPF também requereu que o site da AFTB fosse retirado do ar, o que ainda não ocorreu.


Em nota, a AFTB esclarece que “a liminar concedida, que determinou a suspensão da inscrição de novos associados, vem sendo fielmente cumprida. As atividades da AFTB permanecem em relação às obrigações anteriormente assumidas com associados antigos, fornecedores, parceiros, obrigações fiscais e trabalhistas.”

Embora tenha renovado a condição de Oscip da entidade em setembro do ano passado, o Ministério da Justiça publicou uma portaria em dezembro declarando perda da qualificação de Oscip para a AFTB. A associação diz estar ciente da decisão e que “promoverá os recursos administrativos e judiciais cabíveis, frente às irregularidades já verificadas no seu teor. De fato, não existem motivos que justifiquem tal decisão”.

Outro lado

Em nota à reportagem de EXAME.com, a AFTB afirma, em relação à Ação Civil Pública movida pelo MP-RJ:

“A ação civil pública que tramita no Rio de Janeiro teve sua origem em reclamação efetuada por cidadão que não foi ou é associado da AFTB. O Ministério Público, na sua legítima competência, instaurou inquérito civil onde, sempre que solicitada, a AFTB prestou todos os esclarecimentos necessários, bem como apresentou todos os documentos passíveis de exame pela promotoria.

Ainda no inquérito civil, a AFTB ofereceu expressamente à promotoria, assento vitalício no conselho fiscal da organização, de forma que o controle por parte do MP pudesse ser efetuado in loco.

A ação civil pública foi ajuizada ao argumento de que o programa alternativo de crédito experimentado pela AFTB - um de seus programas sociais - seria economicamente insustentável. Não se sabe como a promotoria chegou a tal conclusão, uma vez que não procedeu a qualquer levantamento de auditoria econômico-financeira sobre a operação do SAC.

A liminar concedida, que determinou a suspensão da inscrição de novos associados vem sendo fielmente cumprida. As atividades da AFTB permanecem em relação às obrigações anteriormente assumidas com associados antigos, fornecedores, parceiros, obrigações fiscais e trabalhistas.

Desde a concessão da liminar, a AFTB se manifestou no processo, apresentando todos os documentos necessários à demonstração ao juiz de que a atividade é sustentável. Até hoje, passados mais de 1 ano da juntada desses documentos, o juiz ainda não os apreciou, o que motivou representações na Corregedoria Geral de Justiça do TJ/RJ e no Conselho Nacional de Justiça.

Por razões que se desconhece totalmente, o Judiciário e o Ministério Público se negam a examinar detalhadamente tais documentos. Contra a liminar, pende o julgamento de recurso no Superior Tribunal de Justiça.”

Sobre a denúncia do MPF, a AFTB declara que:

“Como titular da ação penal, o MPF está submetido à regra geral de que lhe incumbe comprovar o teor de suas alegações, o que deverá ocorrer ao longo da instrução processual penal, caso a denúncia venha a ser acolhida pelo juiz.

Toda e qualquer manifestação, neste momento, acerca do teor da denúncia do MPF fica prejudicada, pois ainda não se teve a regular ciência do seu teor e documentos a acompanham.

Assim que se tiver tomado conhecimento oficial da denúncia, todos os esclarecimentos necessários serão prestados.”

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