Exame Logo

O ganho fácil na renda fixa está com os dias contados?

Títulos públicos se beneficiam da alta de juros e combinam boa remuneração com risco baixo, mas rentabilidade do passado dificilmente vai se repetir

Fábio Gallo, da FGV: aumento das taxas de juros sempre acomodou crescimento econômico insustentável (Divulgação)
DR

Da Redação

Publicado em 3 de fevereiro de 2011 às 14h36.

São Paulo - Quando a crise trouxe à baila a necessidade de incentivar o consumo para aquecer a economia, o governo diminuiu impostos e desatou as amarras do crédito. Acostumados a conviver com juros meteóricos, os brasileiros viram a taxa básica pousar na casa de um dígito em 2009. Se o ineditismo levantou a bola de que a renda fixa perderia espaço com a diminuição gradual da Selic, o fantasma da inflação voltou a assombrar o mercado, deixando claro que os títulos públicos já não apresentam a mesma rentabilidade de outrora - mas não deixarão, pelo menos nos próximos anos, de ser uma opção segura e rentável para quem procura ganhar dinheiro.

"O Brasil nunca conseguiu ter uma estrutura econômica que aliasse inflação controlada a uma baixa taxa de juros", diz Fábio Gallo, professor de finanças da FGV. Segundo ele, gargalos históricos em infraestrutura, investimentos e tributação impedem que o país aumente a produtividade com facilidade. O resultado é sentido no bolso: os preços começam a subir tão logo a oferta de produtos e serviços deixa de acompanhar a demanda.

Veja também

Para evitar que a escalada fuja ao controle, o governo aumenta a Selic e esfria esse descompasso. De quebra, quem financia a dívida pública passa a ganhar mais. Afinal de contas, não haveria motivação em emprestar dinheiro para receber menos que os juros da própria economia. "Não por acaso, essa taxa é um paraíso para o investidor e um inferno para o devedor brasileiro", resume Gallo. E o desempenho da renda fixa nos últimos 15 anos mostra o porquê.

Enquanto o Ibovespa, principal índice da bolsa e referência para o desempenho da renda variável, entregou um rendimento de 1.475% entre 95 e 2009, o CDI, taxa de juros para as negociações interbancárias que incorpora as mudanças na Selic e serve como benchmark para as aplicações de renda fixa, terminou o mesmo período com uma valorização de 1.609%.

Responsável pelo levantamento, Fábio Gallo salienta que o resultado não indica que a renda fixa necessariamente tenha saído na frente, já que não foram consideradas as taxas e encargos que incidem sobre os produtos balizados por estes índices, como fundos de investimento, papéis negociados via Tesouro Direto e ações compradas pelo home broker.

De qualquer forma, quem optou por ser credor ao invés de acionista levou para casa um lucro muito semelhante ao obtido com os papéis de maior peso da Bolsa, sem, contudo, ter corrido o mesmo risco. É verdade que a disparidade entre as duas modalidades foi grande em alguns anos. Em 1999, por exemplo, a Bolsa subiu 151,93%, contra 25,13% do CDI. Entretanto, o Ibovespa cravou sete desempenhos negativos ao longo dos quinze anos analisados, contra valorizações ora mais modestas, mas sempre positivas do CDI.


Tempo, dinheiro e objetivo

Se por um lado os títulos públicos continuarão atrativos enquanto os juros forem usados para debelar a inflação, por outro não há como negar que esse movimento venha de fato perdendo força. Na última reunião do Copom em 97 a Selic foi fixada em 38%. Hoje, ninguém cogita que a taxa suba para muito além de 13% ao ano até dezembro.

Segundo o consultor financeiro Mauro Calil, os tradicionais títulos da dívida pública estão sim perdendo a rentabilidade real, embalados pela diminuição do risco Brasil. "Com a melhoria dos fundamentos econômicos e o controle da hiperinflação, o país precisa pagar menos para pegar recursos emprestados", explica.

Ainda assim, há quem sustente que patamares efetivamente mais baixos não serão atingidos tão cedo. Na opinião do professor Fábio Gallo, esse processo levará de dez a 15 anos para se confirmar. "Supondo que o investidor ache que isso vá mesmo acontecer, voltar os olhos para um título que vence lá na frente não deixa de ser uma alternativa interessante", defende.

Quem comprar uma LTNF com vencimento em 2021, o papel prefixado com resgate mais longínquo do mercado, vai embolsar juros anuais de 13%. A rentabilidade não parece impressionar se descontada a inflação de quase 6% registrada em 2010. Mas o percentual - que já supera com folga o resultado apresentado pelo Ibovespa (1,9%) e pela caderneta de poupança (6,9%) - ganha ainda mais apelo quando aventada a crença que nenhum título da dívida pública estará entregando esse retorno em dez anos.

Para a economista-chefe da Galanto Consultoria, Monica Baumgarten de Bolle, se houver um alinhamento satisfatório entre a política monetária (com o ajuste dos juros) e a política fiscal (com corte de gastos pelo governo), a redução das taxas não será tão tardia. Ela acrescenta que o aumento da Selic é visto com muito mais cautela no cenário atual. "Com as economias maduras desarrumadas, não há como ser tão agressivo na elevação dos juros sem aumentar a pressão no câmbio", afirma.

Colocadas todas as variáveis, Mauro Calil sustenta que a atratividade da renda fixa não deve morrer. "Mas se antigamente era possível enriquecer com os títulos públicos, daqui sete, oito anos, será preciso combinar a renda variável com outras modalidades de renda fixa se a intenção for realmente ganhar dinheiro ao invés de apenas proteger o patrimônio da inflação", diz.

No vão deixado pelos papéis da dívida pública e sua generosa rentabilidade, as debêntures de longo prazo emitidas pelas empresas que financiarão projetos de infraestrutura devem ganhar o interesse dos investidores ávidos por lucros, mas avessos às turbulências do mercado de ações.

No fim do ano passado, o governo lançou um pacote de medidas para tirar dos ombros do BNDES a tarefa de bancar sozinho as portentosas e demoradas obras de infraestrutura. Os papéis ainda não chegaram ao mercado, mas Robson Queiroz, diretor operacional da corretora SLW, ressalta que é bom ficar de olho.


Em matéria de investimentos, a lógica da remuneração está sempre ligada ao risco. Como é o governo quem vende os títulos públicos, a chance do investidor receber o prometido é a mais alta do mercado. Para atrair credores, é de praxe que os papéis da dívida de empresas e bancos remunerem um pouco melhor.

Além disso, quem tiver essas debêntures na carteira ganhará a extinção total do imposto de renda sobre o retorno obtido. Hoje, a alíquota para a tributação na renda fixa vai de 22,5% a 15%, diminuindo à medida que se alarga o horizonte da aplicação.

Novos índices

A despeito de incentivar o interesse dos brasileiros pelo mercado de ações com campanhas educacionais e de marketing, a BM&FBovespa também reforça o time dos que preveem um público cada vez mais cativo para a renda fixa. Prova disso é que em fevereiro deste ano a Bolsa passou a divulgar dois novos indicadores com o intuito de transformá-los em referencial para os títulos privados.

Com base nos contratos futuros, eles vão refletir as taxas prefixadas pelo mercado para três e seis meses, oferecendo uma alternativa para a indexação de debêntures, letras financeiras e notas promissórias. O doutor em finanças Jurandir Macedo explica que a vantagem dos índices consiste no fato de casarem o propósito do investimento com um termômetro mais adequado.

"As pessoas sempre acham que a aplicação em renda fixa deve render igual ou melhor que o CDI. Mas este é um indicador pobre para a longo prazo, porque é uma taxa que muda todos os dias", argumenta. Por isso, emenda Macedo, um gestor pode tomar riscos desnecessários para bater um parâmetro que não deveria ser o seu.

Marcia Dessen, consultora financeira e diretora-executiva do Brazilian Management Institute, ressalva que é preciso tempo até que os novos índices apresentem um histórico que se mostre eficaz e representativo. "Em um ou dois anos, acho difícil que desbanquem o CDI ou a própria Selic como referência para os investidores comuns", diz.

Indicadores à parte, Marcia sublinha que renda fixa continuará tendo espaço na carteira dos brasileiros, especialmente quando considerado todo o contingente de consumidores que, respaldados pelo aumento da renda, começarão a poupar para o futuro. “Mesmo que a taxa nominal caia, a expectativa é de que o Brasil continue pagando juros reais. E é isso que atrai o investidor, ganhar acima da inflação.”

Acompanhe tudo sobre:aplicacoes-financeirasDebênturesMercado financeirorenda-fixaTesouro DiretoTítulos públicos

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Minhas Finanças

Mais na Exame