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Na mira dos juízes

Empréstimo que mais cresce no país, o crédito consignado pode ser travado por decisões judiciais e calotes governamentais

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

O crédito consignado -- tipo de empréstimo em que o pagamento é descontado do salário ou da pensão recebida pelo tomador -- já começa a sinalizar problemas. As dificuldades não são econômicas. A demanda continua elevada, os juros ainda são os mais baixos do mercado e a inadimplência permanece inferior à das outras linhas de financiamento. As ameaças partem do Judiciário e de políticos. Juízes, prefeitos e governadores podem tornar esse crédito popular inviável e exterminar um dos melhores instrumentos para estimular o crescimento econômico. Os números do consignado impressionam. Em apenas dois anos, ele já soma 16,5 bilhões de reais, respondendo por 13% do total de financiamentos concedidos a pessoas físicas. São recursos que introduziram mais de 5 milhões de brasileiros no mundo do crédito.

O ritmo desse crescimento deverá diminuir nos próximos dias. No fim de maio, o INSS -- que paga os bancos que emprestam dinheiro a aposentados -- anunciou que não vai fechar novas parcerias por dois meses, para avaliar 43 denúncias de fraude. A suspensão não vai impedir a concessão de novos empréstimos por bancos que já operam com o consignado, o que continuará a movimentar as rodas da economia.

Apesar dos efeitos benéficos sobre a economia, alguns magistrados têm proibido os bancos de descontar as parcelas dos empréstimos dos salários de funcionários e dos benefícios dos aposentados, alegando inconstitucionalidade. "A Constituição diz que o salário é impenhorável", afirma Lomena Sampaio, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), de São Paulo. "Os bancos não precisam fazer o desconto na folha, os clientes podem pagar os empréstimos de outra forma." É verdade. Porém, essa distinção aparentemente sutil faz toda a diferença. "É o desconto em folha que diminui o risco da operação e reduz os juros para o tomador", diz José Eduardo Carneiro Queiroz, advogado do escritório paulista Mattos Filho.

Descontar as parcelas do salário é a principal facilidade operacional desses créditos, que são um sucesso no Brasil, nos Estados Unidos e em quase todos os países da Europa. É o que torna o calote mais difícil. Se o dinheiro não for descontado de seu salário, o cliente pode gastá-lo com outra coisa em vez de pagar o que deve. A primeira conseqüência é o aumento do risco para os bancos. A segunda, a diminuição do crédito disponível e o aumento dos juros. A taxa média do consignado está em 36,5% ao ano. Sem a garantia, o risco desses empréstimos iguala-se ao dos demais financiamentos ao consumidor, cujos juros superam 70% ao ano.

Alguns juízes, porém, preferiram ignorar essa conta. Exemplo disso é uma decisão de uma das duas turmas do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julho do ano passado. Ela decidiu a favor de um servidor público gaúcho que tomou um empréstimo de 1 015 reais a ser pago em 36 parcelas de 59 reais descontadas do salário. O tribunal não contestou o emprésti mo, mas considerou "abusiva" a cláusula do contrato -- assinado pelo cliente -- que permitia o desconto em folha. Além disso, os juízes decidiram que o servidor "tem o direito de receber, com juros e correção, os valores descontados de seus vencimentos". Tal raciocínio não considera o fato de que os devedores agem por livre e espontânea vontade. "Ninguém é obrigado a tomar um empréstimo", diz Queiroz. "A Justiça está mostrando que dever e não pagar pode ser um bom negócio."

O que ameaça os empréstimos consignados
Veja os problemas que podem impedir o crescimento do financiamento
ao consumo
A AmeaçaO ProblemaA Conseqüência
JudiciárioOs juízes não concordam que os salários podem servir como garantia para
empréstimos
Isso torna a cobrança mais difícil, aumenta o risco para o banco e eleva
os juros
ExecutivoOs governos descontam os empréstimos dos funcionários públicos, mas não
pagam os bancos
O calote faz os bancos deixar de emprestar para o setor público, reduzindo
a oferta de crédito
Fonte: bancos

Agora, o STJ está julgando uma ação semelhante de um funcionário da prefeitura de Porto Alegre que contesta os descontos em folha. A diferença é que esse caso está sendo julgado pelo plenário do tribunal. Mais uma decisão a favor do devedor vai definir como o STJ vai se comportar em todos os casos semelhantes de agora em diante. A sentença do STJ não tem o poder de proibir os bancos de fazer o desconto em folha. "Uma decisão contrária, porém, significa que os bancos vão perder todas as ações que chegarem a esse tribunal", diz Johan Albino Ribeiro, diretor jurídico da Federação Brasileira dos Bancos. Como resultado, o risco de emprestar vai subir e a vontade dos bancos de conceder esses créditos vai encolher. "Se não pudermos fazer o desconto em folha, teremos de buscar outras formas de emprestar dinheiro, e os juros acabarão sendo maiores", diz Charles Forbes, diretor do banco Cruzeiro do Sul, que já emprestou 600 milhões de reais via crédito consignado. Por enquanto, o placar está favorável aos bancos. Dois ministros votaram a favor do desconto em folha e nenhum foi contra. Faltam, porém, mais oito votos.

Além dos juízes, governadores e prefeitos também estão ajudando a atrapalhar esse negócio. No caso dos funcionários públicos, o Executivo é responsável por descontar o dinheiro devido do salário e repassá-lo ao banco. Alguns políticos, porém, vêm deixando essa obra pela metade. Descontam rigorosamente o dinheiro dos funcionários, mas não o repassam ao credor. Isso aconteceu com o banco Schahin, dono de uma carteira de crédito consignado de 570 milhões de reais. "Três prefeituras do Nordeste não nos pagaram no início deste ano", diz Cláudio Ferro, diretor do Schahin. "Tivemos de entrar na Justiça, fizemos um acordo e só agora os prefeitos começaram a pagar de forma escalonada." Há também políticos que atrasam os pagamentos. É o que o governo de Rosinha Garotinho, do Rio de Janeiro, vem fazendo com o Schahin. "Os atrasos são muito freqüentes e, por isso, paramos de operar no estado", diz Ferro. O BMG, banco mineiro que tem 5,5 bilhões de reais emprestados de forma consignada, já passou pela mesma situação. "Tivemos problemas antes e, por isso, ficamos mais rigorosos", diz Roberto Rigotto, vice-presidente do BMG.

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