Garrafa fechada, bolso cheio
Leilões e fundos de investimento lastreados em vinhos, que em muitos casos jamais serão abertos, são a aposta dos investidores
Da Redação
Publicado em 12 de outubro de 2010 às 18h03.
Beber um bom vinho pode ser uma experiência extraordinária. Mas tem gente que se delicia mesmo em comprar bebidas fabulosas e jamais tomar uma gota. São os investidores, principalmente europeus, mais ávidos por diversificar a carteira de aplicações do que a adega. Segundo estimativas, o mercado de investimentos em vinhos finos movimenta cerca de 1,5 bilhão de euros por ano e envolve produtores, negociantes, colecionadores e até bancos, que recentemente passaram a oferecer fundos de investimento em vinhos. O que atrai os investidores para esse tipo de aplicação é a valorização do ativo: se for de uma boa vindima, o preço da garrafa pode triplicar em menos de dez anos, resultando num ganho bastante atraente. "Alguns vinhos são muito procurados, especialmente as marcas famosas, como Petrus, Ausone e Cheval Blanc", afirma Clement Marcorelles, negociante do ramo em Bordeaux, na França. "Quem comprou essas marcas há alguns anos ganhou bom dinheiro ao revendê-las." Um exemplo: o francês Chateau Latour, safra 1996, que valia entre 75 e 175 euros quando produzido, atualmente custa 460 euros, valorização média de 260% em dez anos (veja quadro). O enólogo brasileiro Ennio Federico teve uma experiência de dar inveja a qualquer investidor. Em 1990, na França, ele comprou uma garrafa de Le Pin 1983 por 100 dólares. Em 2000, vendeu a garrafa num leilão de vinhos por cerca de 1 300 dólares, valorização de 1 200%.
Essa alta expressiva é resultado da combinação de uma demanda crescente com uma oferta razoavelmente enxuta. Para entrar no jogo do investimento, o interessado pode trilhar três caminhos. O primeiro deles -- mais rentável e mais difícil -- é comprar diretamente dos distribuidores franceses que monopolizam a produção de Bordeaux (os vinhos mais valorizados). Em geral, esses distribuidores fazem uma espécie de venda em primeira mão para clientes cativos (normalmente grandes importadores e revendedores). "É um ótimo negócio, pois o comprador adquire o produto bem antes de ir a mercado e paga um preço mais baixo", diz Otávio Piva de Albuquerque, presidente da importadora Expand.
Para o investidor pessoa física, porém, o mais comum é participar de leilões virtuais de vinhos em casas especializadas, como a Christie's e a Sotheby's. Além das casas tradicionais, existem sites especializados em leilões, como o World Wine Exchange, que informa a cotação das garrafas em tempo real e permite que o interessado faça lances a qualquer momento, de qualquer parte do mundo, 24 horas por dia. (Para o investidor brasileiro, no entanto, esse tipo de negócio pode sair caro, já que o imposto de importação de vinho é da ordem de 70%.) Por enquanto, leilões no Brasil são raríssimos. Um deles aconteceu em setembro, organizado pelo restaurante Villa Alvear, localizado em São Paulo. No catálogo de ofertas, havia garrafas de 50 a 18 000 reais.
Alta valorização
A terceira maneira de investir -- indicada principalmente a quem não é expert no assunto -- é apostar em fundos de investimento lastreados em vinhos. Um dos maiores é o The Vintage Wine Fund, da gestora inglesa OWC Asset Management, que existe desde 2003. O fundo só investe em vinhos europeus e consegue bons preços porque compra diretamente de negociantes franceses. As garrafas ficam armazenadas em adegas na Inglaterra e na Suíça. Neste ano, a rentabilidade do fundo alcançou 14,75% (desde que foi lançado, a alta foi de 38,17%). "A procura tem sido tão grande que tivemos de fechar o fundo para novas captações, por enquanto", diz o gestor Andrew Davison. Além dos fundos que aplicam diretamente nos vinhos, há aqueles que apostam em negócios relacionados à bebida, como vinícolas e distribuidoras. É o caso do The International Wine Investment Fund, localizado na Austrália. Atualmente, o fundo tem 1 600 investidores e está aberto para novas captações. "Exploramos as oportunidades que surgem com o ciclo do vinho, desde a plantação da uva até a entrega final do produto", diz o gestor Amal Wahab. Desde 2000, o crescimento do fundo foi de 21%.
Para aqueles que se animaram com a possibilidade de ganhos, os analistas recomendam tomar alguns cuidados. O principal deles é entender bem como esse mercado funciona e quais são as chances reais de ganho ou de perda. Como no caso das obras de arte, os vinhos têm um componente extra que pode afetar drasticamente seu desempenho: a análise dos críticos. "É um mercado complicado, porque está à mercê da nota dos especialistas", diz o professor William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas. E o que fazer se o investimento não se valorizar? Aí, é melhor seguir o conselho dos bons bebedores e dar "liquidez ao ativo". Em outras palavras, abrir a garrafa e tomar até o último gole do vinho -- o que não chega a ser exatamente um sacrifício.
Os mais valorizados | ||||
Acompanhe a valorização média de alguns dos vinhos mais disputados do mercado | ||||
Château Margaux (Safras 1990 e 1996) | Chateau Latour (Safras 1995 e 1996) | |||
Safra 1990 | Safra 1996 | Safra 1995 | Safra 1996 | |
Quanto valia na década de 90 | De 300 a 400 euros | De 85 a 190 euros | De 55 a 200 euros | De 75 a 175 euros |
Quanto vale hoje | 800 euros | 450 euros | 300 euros | 460 euros |
Valorização | 128% | 414% | 136% | 268% |