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Faltar a um recall é colocar em risco a própria vida

30% dos motoristas brasileiros ignoram os chamados das montadoras; conheça os sites que listam todos os recalls e ensinam como proceder

Volkswagen Fox: acidentes divulgados na imprensa motivaram recall (.)

Volkswagen Fox: acidentes divulgados na imprensa motivaram recall (.)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

São Paulo - Recall é mais uma daquelas palavras estrangeiras recentemente popularizadas pelos meios de comunicação e incorporadas ao vocabulário dos brasileiros nesta década. Inúmeros casos de ''chamamento'' de consumidores foram realizados para a troca ou conserto de produtos com defeitos de fábrica. Embora no Brasil já tenham sido registrados recalls nos mais variados ramos da indústria, de brinquedos a remédios, são as montadoras de veículos as personagens centrais dos casos mais notórios e polêmicos de convocação de consumidores.

Quem acompanha o noticiário provavelmente vai se lembrar dos Fiat Tipo que incendiavam, dos problemas com os cintos de segurança dos Chevrolet Corsa ou das pessoas que tiveram dedos mutilados ao tentarem rebater o banco traseiro do Volkswagen Fox. A fim de evitar acidentes como esses, todas as empresas têm o dever de realizar o recall imediatamente após constatar em seus produtos qualquer defeito que possa comprometer a saúde ou a segurança de seus usuários.

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, de 1990, e com a Portaria nº 789/01, que regulamenta a prática do recall, ao constatar o defeito de fabricação, a empresa precisa comunicar o problema ao Departamento de Defesa do Consumidor (DPDC), órgão ligado ao Ministério da Justiça. Às suas próprias custas, o fabricante deve, então, lançar uma campanha publicitária para explicar o problema e seus riscos em linguagem acessível, em diversos meios de comunicação. A empresa fica obrigada a trocar ou consertar os produtos defeituosos gratuitamente, orientar seu público sobre como proceder e recolher todas as peças defeituosas do mercado de reposição.

No entanto, muitos anúncios de recall de veículos são um pouco obscuros, abusam dos termos técnicos e não transmitem com clareza os perigos do defeito. Muitas vezes pode parecer, para os proprietários, que o conserto não é urgente. "As pessoas devem entender que podem sofrer consequências graves", observa Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste). "Os recados deveriam ser mais diretos e mostrar que é importante comparecer imediatamente ao recall. Mas de uns tempos para cá, esses anúncios têm melhorado, as montadoras têm se preocupado mais com a clareza da informação", avalia o perito criminal especializado em acidentes de trânsito, Rodrigo Kleinubing.

Seja a mensagem clara ou não, é fundamental ter em mente que os recalls, no Brasil, só acontecem se o defeito for de fato grave, o que no caso da indústria automotiva pode ser fatal. Isso quer dizer que as empresas não são obrigadas a convocar todos os consumidores se o defeito de fabricação causar apenas incômodo, mas não chegar a ameaçar a segurança e a saúde dos usuários. O que, por Lei, não isenta o fabricante de ter de trocar ou consertar o produto se o consumidor assim demandar.

Pela natureza dos defeitos que levam a recalls, não é raro que as montadoras os detectem após tomarem conhecimento de uma série de acidentes semelhantes envolvendo seus veículos. Por isso, o proprietário de um carro que foi alvo de recall deve levá-lo a uma concessionária o mais rápido possível, guardando o anúncio e o comprovante de realização gratuita do serviço. Quem não atende a um recall devidamente divulgado não poderá responsabilizar a montadora em caso de acidente provocado pelo defeito.


 

Também é dever do fabricante acompanhar o andamento do recall e prestar contas ao DPDC sobre a quantidade de proprietários atendidos. O poder público pode obrigar a empresa a realizar uma nova campanha caso entenda que os resultados não foram satisfatórios. Apesar disso, a média de atendimento aos recalls de veículos no Brasil gira em torno de 70%, segundo o próprio DPDC. Essa taxa pode ser considerada baixa, tendo em vista o alto risco de se circular com um veículo defeituoso.

De acordo com levantamento feito por Rodolfo Rizzotto, coordenador do programa de redução de acidentes SOS Estradas e autor de um livro sobre recalls, essa média pode ser ainda menor, de 50%. "Isso acaba sendo interessante para as montadoras, pois elas cumprem a lei com menos custos do que se o comparecimento fosse total", observa Rizzotto. Ele critica o fato de não haver um mínimo de comparecimento estabelecido por lei, além de outros dispositivos que dificultem a circulação de veículos com recall por fazer, uma vez que esses produtos apresentam riscos a seus usuários e a terceiros. "Não existe impedimento legal algum à circulação, licenciamento ou venda de carros com recall por fazer", diz.

Além disso, Rizzotto entende que, para muitos motoristas, comparecer a um recall pode ser dispendioso, como no caso de taxistas ou de moradores de municípios onde não existem concessionárias de determinadas marcas. "Não existe recall gratuito. Há gasto de tempo e dinheiro para comparecer ao local. O motorista pode ter que viajar para outro estado, perde dias de trabalho. O certo seria a montadora ressarcir até mesmo os gastos com esse deslocamento", sugere o coordenador do SOS Estradas.

Outro ponto importante é que recall não tem prazo para terminar. Embora as campanhas publicitárias fiquem no ar por tempo determinado, os consumidores podem reparar seu carro a qualquer tempo. Por isso, mesmo quem compra um carro usado deve verificar se o veículo foi alvo de recall e se o antigo proprietário compareceu ao chamado. Caso contrário, o novo dono pode levar seu carro até a concessionária e realizar a troca ou reparo sem custo, mesmo que o anúncio seja antigo.

Para saber se seu carro novo ou usado já foi alvo de recall, existem algumas ferramentas na internet que possibilitam essa pesquisa. No endereço http://portal.mj.gov.br/Recall/, do site do DPDC, é possível navegar pelo banco de dados dos recalls de todos os produtos desde o ano 2000. O site do SOS Estradas também disponibiliza um banco de dados semelhante para veículos no endereço http://www.estradas.com.br/new2/recall.asp . As informações são ainda mais completas porque há informações de recalls ocorridos desde 1991. Os comunicados são bastante claros e diretos em relação às peças que devem ser trocadas e aos riscos do defeito.

A maioria dos sites das montadoras também traz informações sobre recalls. Entre as maiores, Volkswagen, Chevrolet (General Motors) e Ford mantêm bancos de dados nas suas seções de atendimento ao cliente ou serviços. Mitsubishi e Renault possuem link para os seus bancos de dados logo na home page. Outras montadoras também trazem esse serviço em suas páginas, como a Honda e a Nissan (dentro do comunicado do último recall), a Toyota (no menu ''Comunicados'') e a Peugeot (no menu ''Serviços''). A Fiat e a Citroën disponibilizam os avisos dos recalls mais recentes, mas não dispõem de bancos de dados online com todos os recalls.


Críticas ao recall no Brasil

E quando o problema surge primeiro no seu carro? Os donos de veículos podem, muitas vezes, identificar os defeitos de fábrica ou, na pior das hipóteses, sofrer acidentes por conta deles, antes que a montadora tenha detectado o problema e realizado o recall. Nessas situações, o consumidor deve levar o carro à concessionária, que avaliará se o defeito é mesmo de fabricação e, nesse caso, fará o conserto de graça. Caso a autorizada se negue a resolver o problema, o consumidor deve notificá-la, alertando que, se não receber uma resposta em até dez dias úteis, tomará as medidas judiciais cabíveis.

Entrar em contato com a montadora por meio do Serviço de Atendimento ao Cliente via internet pode ser uma boa opção, pois o e-mail salvo serve de documento de comprovação. "Se não houver solução amigável, o PROCON pode ser acionado", explica a professora Regina Tavares da Silva, coordenadora dos cursos de especialização em responsabilidade civil do Programa GVLaw, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Também pode acontecer de o proprietário mandar consertar o veículo em uma oficina e, apenas mais tarde, ser convocado para um recall. Nessa situação, o consumidor deve entrar em contato com a montadora para exigir ressarcimento de seus gastos. Caso o fabricante não atenda à sua solicitação, cabe acionar um órgão de defesa do consumidor ou até mesmo a Justiça.

Embora seja dever das montadoras identificar os problemas antes dos consumidores, muitas vezes são essas notificações dos proprietários que as levam a investigar possíveis defeitos de fábrica e realizar recalls. Algumas convocações se tornaram bastante polêmicas, pois aconteceram apenas quando os meios de comunicação divulgaram acidentes provocados por problemas de fabricação. Se a montadora demorar a realizar um recall sabidamente necessário ou se ficar provado que já sabia do defeito antes de colocar o produto no mercado, a empresa está sujeita a multa e a responder civil e criminalmente por todos os danos causados à população pelo defeito.

"Existe uma grande resistência das montadoras em realizar imediatamente o recall devido aos custos com a mão de obra e a reposição de peças em larga escala. Mas a lei exige que o fabricante seja proativo e faça a convocação voluntariamente", diz Maria Inês Dolci, da Pro Teste. Ela critica ainda a falta de um banco de dados de acidentes de consumo, ou seja, aqueles provocados por defeitos de fábrica. "Esse mapeamento seria feito a partir de prontuários médicos e serviria para melhorar os produtos, gerar menos gastos hospitalares e servir de base para possíveis recalls", explica Dolci.

Rodolfo Rizzotto, autor do livro ''Recall: 4 milhões de carros com defeito de fábrica'' (2003), defende que o Brasil deveria seguir o exemplo de países como os Estados Unidos, que têm uma agência de trânsito para investigar os defeitos de fabricação dos veículos e obrigar as montadoras a realizar os recalls, em vez de simplesmente delegar a questão a um órgão de defesa do consumidor ou a exigências do Ministério Público. "No Brasil, o recall é tratado como uma questão de direito do consumidor, quando, na verdade, é uma questão de segurança pública", observa Rizzotto.

"Não há uma determinação clara de se informar os recalls ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), aos Detrans ou aos Institutos de Criminalística, que muitas vezes atribuem a erro humano acidentes cuja causa foi um defeito de fábrica", critica o coordenador do SOS Estradas. Em sua opinião, a lista de recalls deveria estar disponível para todos os órgãos de trânsito, polícias e Procons, para que as verdadeiras causas de muitos acidentes não fossem mascaradas.

O perito criminal Rodrigo Kleinubing, autor do livro "Dinâmica dos acidentes de trânsito", explica que, segundo as estatísticas oficiais, os defeitos em veículos têm participação muito pequena nas causas dos acidentes em relação ao quesito falha humana. Mas o especialista acredita que isso seja uma distorção. "Normalmente não são feitas investigações profundas. A estatística oficial é montada em cima de registros de ocorrência, mas o policial não tem condições de, sozinho, avaliar a causa de um acidente. Nem todo acidente conta com perícia, que também ainda é pouco desenvolvida, principalmente no interior do país.  Assim, fica difícil direcionar os investimentos em segurança no trânsito", explica Kleinubing. 


 

Grandes e polêmicos

Defeitos nos freios, abertura inesperada de air bag, quebra da barra da direção, desprendimento das rodas, incêndio repentino, não funcionamento do sistema de direção. Esses são alguns dos defeitos que podem provocar ou agravar acidentes e que já levaram a recalls de veículos no Brasil. "A falha mais preocupante é a fadiga de metal. Tratamento ou material inadequado e até uma falha de projeto podem levar o metal a trincar. Isso é algo relativamente novo na engenharia. É uma preocupação recente", esclarece o perito Rodrigo Kleinubing.

O primeiro recall registrado no Brasil foi o de 50.000 unidades do Ford Corcel, no final dos anos 60. Mas foi a partir do ano 2000, quando ocorreu o maior recall da história do país, que as campanhas de chamamento ganharam maior visibilidade. Segundo o DPDC, as montadoras que realizaram mais recalls no Brasil até hoje foram a própria Ford, a Peugeot e a General Motors. E segundo o SOS Estradas, desde a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, em 1991, mais de 8 milhões de veículos já foram reconvocados, incluindo os exportados.

"O número de recalls aumentou nos últimos anos, mas isso não quer dizer que há mais carros com defeito. As montadoras estão mais preocupadas em cumprir o Código de Defesa do Consumidor. Eu diria que é uma evolução", afirma Kleinubung. Para a coordenadora da Pro Teste, a figura do recall está mais conhecida graças também à atuação dos consumidores. "Hoje em dia, com as mídias sociais e os blogs, o consumidor sabe rapidamente se o problema do seu carro também atinge outras pessoas. Há mais discussão em torno do problema", opina Maria Inês Dolci.

Algumas histórias de recall ficaram bem famosas, especialmente pela polêmica em torno delas. É o caso dos dois maiores recalls do país. O maior de todos foi em 2000, quando a GM precisou reconvocar mais de um milhão de Corsas e Tigras fabricados entre 1994 e 1999 por causa de um problema no suporte de fixação dos cintos de segurança dos bancos dianteiros. O equipamento podia se soltar em caso de impacto, o que aconteceu em 25 acidentes, sendo que duas vítimas morreram provavelmente por causa do desprendimento do cinto. Foi a primeira vez no Brasil que uma montadora reconheceu publicamente saber sobre os acidentes.

O que mais chocou a opinião pública, na época, foi a demora da GM em realizar o recall. O primeiro acidente chegou a seu conhecimento em abril de 1999, mas apenas no ano seguinte o recall foi feito. A família da primeira vítima, um rapaz recém-casado de trinta anos, recebeu 223.000 reais e a doação de dois veículos em um acordo extrajudicial celebrado na ocasião. Os executivos da GM tiveram que responder criminalmente pela demora na realização do recall e conseguiram uma pena alternativa: pagamento de multa no valor de 3,2 milhões, a doação de 22 veículos para a caridade e a realização de um segundo recall para atender quem não havia comparecido ao primeiro.

O segundo maior recall do Brasil, também bastante criticado, foi o dos modelos Fox, Cross Fox e Space Fox em 2008, quando a Volkswagen convocou preventivamente as mais de 500.000 unidades fabricadas desde 2003, embora o problema só tenha atingido 300.000 unidades. O caso ficou bastante conhecido pela natureza dos acidentes e pelas declarações da montadora. Ao tentar rebater o banco de trás pelo porta-malas, alguns usuários tiveram os dedos da mão mutilados por uma alça. Embora a Volkswagen tenha tomado conhecimento de pelo menos um dos acidentes na época em que ocorreu, o recall só foi realizado depois que os casos foram denunciados em uma reportagem da revista Quatro Rodas.


Por lei, as montadoras devem realizar o recall assim que constatam um problema de fábrica, o que não aconteceu no caso da Volks. Mas mesmo após os acidentes terem se tornado públicos, a empresa negou a necessidade de recall, alegando que bastava o usuário seguir o manual do veículo para evitar que seus dedos fossem feridos pelo equipamento de rebatimento dos bancos. Essa postura causou perplexidade na opinião pública, pois foi considerada uma tentativa de transferir a culpa dos acidentes para os usuários.

O manual já havia sido alterado em 2004, com o acréscimo de uma ilustração em que o motorista aparece baixando o banco por uma das portas traseiras, e não pelo porta-malas, posição que causava os acidentes. Apenas em fevereiro de 2008, a Volkswagen disponibilizou um anel de borracha para proteger a alça. Finalmente, em junho, após um acordo com o Ministério Público, a empresa resolveu fazer o recall.

A montadora Fiat não está entre os maiores realizadores de recall, mas ainda assim protagonizou diversas histórias controversas. Em 1996, a empresa foi obrigada a reconvocar cerca de 160.000 veículos do modelo Tipo, que poderiam pegar fogo espontaneamente após o desligamento do motor. Uma associação de vítimas desses incêndios contratou peritos que identificaram um problema na direção hidráulica. No entanto, a Fiat detectou um problema no tubo convergedor de ar quente e trocou-o no recall. Como o defeito era, de fato, na direção hidráulica, o problema persistiu e um segundo recall foi necessário.

Já no ano 2000, também por causa da divulgação na imprensa, tornou-se conhecido o problema do cinto de segurança do Fiat Palio, semelhante ao do Corsa. Estimulada pelo caso da GM, a revista Quatro Rodas realizou um crash test e detectou o defeito. A Fiat negou a necessidade de recall, alegando que seus crash tests seguiam outro padrão e que não haviam exposto a falha. A repercussão foi grande e, no fim das contas, a montadora precisou reconvocar 320.000 proprietários dos modelos Palio Weekend, Strada e Siena.

Mais recentemente, em 2010, cerca de 50.000 unidades do Fiat Stilo fabricadas desde 2004 foram reconvocadas para o reparo de um defeito que podia levar as rodas traseiras a se soltarem com o carro em movimento. Foram registrados 30 acidentes, sendo que o primeiro aconteceu em 2008. No início daquele ano, a Fiat já tinha conhecimento de seis acidentes supostamente provocados por esse defeito, mas alegava que, segundo as perícias, as rodas haviam se soltado depois da batida, e não antes.

Mais uma vez a montadora negava a necessidade de recall, o que desencadeou uma investigação do DPDC e do Denatran. Após laudo oficial atestando o defeito, a montadora foi obrigada a realizar o recall e pode ter de pagar multa de 3 milhões de reais. Para Rodolfo Rizzotto, o caso foi exemplar, pois foi de fato instaurada uma investigação pelo órgão competente. "E o número de recalls vai crescer ainda mais na medida em que os consumidores ficarem mais vigilantes."

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