Leão: Na Declaração apenas ocorre o ajuste de contas com o governo, boa parte do imposto já foi paga ao longo do ano (Euro-t-guide.com/Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 21 de março de 2014 às 16h39.
São Paulo – Se você acha complicado entender o imposto de renda, não se aflija, um dos maiores gênios que o mundo já conheceu também achava. “A coisa mais difícil de entender no mundo é o imposto de renda”. A frase é atribuída a Albert Einstein que, segundo o site Quote Investigator, fez o comentário a seu amigo, Leo Mattersdorf, que o ajudava a prestar suas contas ao governo.
Segundo o site, Mattersdorf respondeu dizendo que existia algo mais difícil, a Teoria da Relatividade, mas Einstein rebateu: “Não, isso é fácil”.
Ainda que a incompreensão de Einstein possa estar relacionada a questões mais profundas sobre os impostos, fato é que você não está sozinho se tem alguma dificuldade para entender o que fazer na hora de ajustar suas contas com o Leão.
Para facilitar um pouco a compreensão sobre a dinâmica do imposto de renda, que aparentemente gera dúvidas até para as pessoas mais geniais, EXAME.com conversou com duas especialistas na área.
Confira a seguir a lógica por trás do sistema de tributação e entenda de uma vez por todas o que a Receita Federal quer saber de você na sua declaração de imposto de renda.
1 A Declaração não existe apenas para que o imposto seja pago, mas sim para que você ajuste as contas com o governo
Ainda que imposto de renda pareça um assunto sazonal, com data marcada entre os meses de março e abril, o imposto é pago ao longo do ano. Na Declaração de Ajuste Anual apenas são feitos os ajustes sobre o que foi pago a mais ou a menos no ano anterior.
“Na declaração, o contribuinte reporta o que aconteceu ao longo do ano anterior e o programa calcula quanto efetivamente ele deve de imposto para depois comparar com o que ele já pagou ao longo do ano. Comparado o imposto devido com o que já foi retido, é feito um ajuste que pode gerar restituição ou imposto a pagar”, explica Eliana Lopes, coordenadora de IR de Pessoa Física da H&R Block no Brasil.
Conforme Eliana explica, nosso sistema de tributação segue o regime de caixa: o imposto é pago conforme é recebido o rendimento, não apenas em março e abril, portanto.
Os salários, por exemplo, já são recebidos com o desconto do imposto, e o imposto sobre a renda obtida com aluguel deve ser pago até o último dia útil do mês seguinte ao do recebimento.
É por isso que os proprietários de imóveis alugados a pessoas físicas devem baixar o programa Carnê-Leão, da Receita, que calcula o imposto devido automaticamente e gera o Documento de Arrecadação das Receitas Federais (DARF) para seu recolhimento.
2 O desconto do imposto pode acontecer de diferentes formas e não ocorre só no período da Declaração
Existem três tipos de rendimentos: os rendimentos que são isentos e não sofrem descontos; os rendimentos de tributação exclusiva na fonte e os rendimentos tributáveis.
Os rendimentos de tributação exclusiva têm o imposto retido no pagamento, pelo próprio pagador, como o 13º salário, ou pelo próprio contribuinte, como ocorre no caso do desconto sobre o lucro imobiliário. Nesse caso, o imposto é definitivo e a declaração não gera restituição sobre o rendimento. “É o que a gente chama de 'pagou, morreu'”, comenta Eliana Lopes.
Já os rendimentos tributáveis são passíveis de ajuste na Declaração e podem gerar imposto a restituir.
Como os impostos são retidos ao longo do ano, o imposto pago no momento da Declaração só ocorre se o programa calcular que as alíquotas de imposto aplicadas foram inferiores ao que o contribuinte devia de acordo com a sua renda.
Alguém que tenha recebido 100 mil reais de uma fonte e 36 mil reais de outra em 2013, por exemplo, sofreu o desconto na fonte de 27,5% no primeiro caso e de 15% no segundo. Apesar de as fontes serem diferentes, o contribuinte recebeu 136 mil reais no total, renda que se encaixa na faixa de tributação mais alta, de 27,5%. Afinal, o que importa é soma dos rendimentos tributáveis.
Nesse caso, ainda resta um pouco de imposto a pagar sobre os 36 mil reais.
3 A Receita não quer saber apenas quanto você ganha, mas também seu patrimônio
Se o imposto incide sobre a renda e não sobre os bens, por que é preciso declarar a posse de imóveis, ações, etc.? Porque ao declarar seus bens a Receita consegue verificar se algum rendimento foi ocultado.
“A pessoa informa que comprou uma casa e um carro e declara que ganhou 2 mil reais por mês. Da onde surgiu esse dinheiro? Nesse retrato o governo consegue pegar fraudes”, explica Tatiane Cataldo, consultora de Imposto de Renda da COAD.
Em outras palavras, ao observar a evolução patrimonial do contribuinte de um ano para outro, a Receita consegue verificar se algum rendimento escapou da mordida do Leão
4 Os rendimentos são mais importantes do que os gastos
Alguns contribuintes podem se perguntar por que não é preciso declarar gastos corriqueiros. Se você leu os itens anteriores, talvez já saiba a resposta. A Receita aplica o imposto sobre a renda, não sobre os gastos, por isso o que mais interessa para ela são os rendimentos obtidos.
Por esse motivo, despesas rotineiras, como as mensalidades de uma academia, por exemplo, não são o foco da declaração. Os gastos apenas entram quando são dedutíveis ou quando são mais vultuosos, porque assim a Receita consegue aferir se houve ocultação de renda.
Tanto isso ocorre que, quem se encaixa nas regras de obrigatoriedade de entrega do imposto, apenas deve declarar bens acima de 5 mil reais e se o contribuinte é isento, ele só precisa passar a declarar se tiver bens acima de 300 mil reais.
Os gastos dedutíveis, que são as despesas pagas durante o ano que podem ser abatidas da base de cálculo do imposto de renda, também são importantes justamente para que a Receita abata parte ou a totalidade dos impostos pagos sobre essas despesas.
5 A Receita não quer que você atualize o valor dos bens porque ela ganha com isso
Outra dúvida muito recorrente diz respeito à atualização do valor dos bens declarados a valor de mercado. Mas apesar da confusão, não é muito difícil errar: bens como imóveis, carros, jóias, etc. devem ser declarados sempre pelo seu custo de aquisição.
A lógica nesse caso é explicada pelo imposto sobre o ganho de capital, tributado à alíquota de 15%. Para apurar o ganho de capital, que é o lucro obtido na venda do bem, é calculada a diferença entre o preço de venda e o preço de compra do bem.
Uma vez que, quanto maior a diferença entre o preço de compra e o de venda, mais imposto é arrecadado, é interessante para a Receita manter o custo de aquisição e não ocorrer nenhum tipo de atualização desse valor.
"Os bens duplicam de valor, mas não podem ser atualizados para que o imposto seja maior. Se por um lado a Receita é muito eficiente na cobrança, ela tem uma defasagem grande em relação ao que é de interesse do contribuinte: as faixas de renda da tabela de alíquotas de IR estão defasadas, as deduções são baixas, e existe uma gama muito grande de despesas que não se pode restituir", comenta Eliana Lopes.