Jair Bolsonaro e Paulo Guedes: debates sobre sustentabilidade fiscal estão no centro das atenções do mercado (Adriano Machado/Reuters)
Guilherme Guilherme
Publicado em 29 de setembro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 29 de setembro de 2020 às 10h11.
A bolsa brasileira acumula perdas de 437,3 bilhões de reais em valor de mercado desde que o Ibovespa, principal índice da B3, tocou a máxima pós-início da pandemia, em 29 de julho. Os dados são do sistema de informações financeiras Economatica.
As razões? As sucessivas sinalizações e declarações do governo do presidente Jair Bolsonaro de que a busca do reequilíbrio fiscal não é mais tão prioridade assim. E que bancar benefícios sociais pode ser encarado como ação mais importante do governo.
No fim de julho, corretoras e bancos de investimentos vinham revisando as expectativas do Ibovespa para cima, com alguns analistas chegando a projetar uma retomada para os níveis recordes até o fim do ano. Hoje, com 10,36% de desvalorização acumulada em dois meses e a caminho da segunda queda mensal consecutiva, daquele passado só resta a nostalgia.
Com as esperanças de reformas abaladas e bilhões de reais para mitigar os efeitos econômicos da pandemia, os temores sobre a condução fiscal do país se tornaram a principal ameaça à bolsa local, que ficou para trás em relação aos mercados internacionais.
Enquanto a recuperação do Ibovespa ficou pelo caminho a partir do fim de julho, os principais índices acionários continuaram subindo. Ainda que tenham sofrido com as recentes realizações de lucros de ações de tecnologia desde o início de agosto, o índice americano S&P 500 acumula alta de 2,46%, e o Nasdaq, de 3,46%, nesse intervalo de dois meses.
No mesmo período, o índice alemão DAX e o pan-europeu Stoxx subiram 1,98% e 4,53%, respectivamente, mesmo com a segunda onda de coronavírus assolando a Europa. No comparativo, o Ibovespa fica para trás até de outras bolsas emergentes, como a do México, que avançou 0,57% desde o fim de julho.
O retrato desse cenário de descolamento do Brasil em relação ao mundo foi observado mais uma vez, de forma inequívoca, no pregão desta segunda-feira, 28, quando o Ibovespa chegou a acompanhar o bom humor externo com expectativa de estímulos nos Estados Unidos e dados chineses, mas virou para queda logo após o anúncio do governo sobre o Renda Cidadã, que deve demandar gastos superiores ao Bolsa Família. Já a entrega ao Congresso da segunda parte da reforma tributária, que seria feita nesta segunda, foi adiada.
“O presidente Jair Bolsonaro percebeu que sua popularidade vem crescendo com o aumento dos incentivos sociais. A gente já viu isso em outros governos. Isso é muito preocupante”, comenta Gustavo Bertotti, economista da Messem.
O programa assistencialista, segundo o governo, será bancado em parte com recursos que seriam destinados a pagamentos de precatórios e com parte do dinheiro do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o que também foi visto com pessimismo por parte dos investidores. Usar dinheiro que iria para pagar dívida é "quase um calote", segundo analistas.
“O anúncio de que o governo iria usar a rolagem dos precatórios como fonte de financiamento do programa Renda Cidadã criou apreensão entre investidores, que viram na manobra certo calote. É uma palavra forte e não concordamos com essa leitura, mas o rumor foi este”, chegou a afirmar André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton em nota.
“A bolsa já vinha de queda e tinha tudo para ser um pregão de recuperação, mas o anúncio acabou trazendo mais temores ao mercado. Há um receio de tudo que vem de Brasília”, afirma Stefany Oliveira, analista da Toro Investimentos.
Conscientes sobre sua importância do para a credibilidade do país, membros do governo vêm repetindo que o teto de gastos será cumprido e que não hipótese de ele ser furado. Mas as promessas têm sido insuficientes para os investidores. “Todo mundo está defendendo o teto de gastos, mas, sem dúvida, ainda há uma desconfiança com relação a isso”, diz Bruno Musa, sócio da Aqcua Investimentos.
Para Rodrigo Franchini, a questão fiscal é fundamental para que a bolsa apresente ganhos consistentes. “No curto prazo, algumas notícias podem impactar positivamente e fazer o Ibovespa subir. Mas no médio e no longo prazo, não tem jeito. Precisa resolver a questão fiscal, senão a bolsa vai andar de lado ou cair. Na situação que estamos é bem factível um Ibovespa abaixo dos 90.000 pontos”, afirma.
Sem conseguir aproveitar os momentos de alta dos mercados internacionais, o mês de outubro deve se mostrar ainda mais desafiador para o Ibovespa, com eventos que prometem aumentar a volatilidade das bolsas globais, como os debates eleitorais que devem esquentar a reta final da corrida presidencial americana e a segunda onda de coronavírus na Europa.