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O fabuloso mercado das milhas

Em meio a prejuízos bilionários e quedas nos lucros das empresas de capital aberto, há um setor discreto que vem crescendo mesmo com a crise. O lucro de Smiles e Multiplus quase dobrou em dois anos, alcançando os 850 milhões de reais em 2015. Nos primeiros três meses deste ano, o lucro da Smiles subiu 70% e o […]

SMILES: os cadastros em programas chegaram a 77,9 milhões no terceiro trimestre de 2016 / Divulgação (Smiles/Divulgação)

SMILES: os cadastros em programas chegaram a 77,9 milhões no terceiro trimestre de 2016 / Divulgação (Smiles/Divulgação)

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Letícia Toledo

Publicado em 27 de maio de 2016 às 09h31.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h49.

Em meio a prejuízos bilionários e quedas nos lucros das empresas de capital aberto, há um setor discreto que vem crescendo mesmo com a crise. O lucro de Smiles e Multiplus quase dobrou em dois anos, alcançando os 850 milhões de reais em 2015. Nos primeiros três meses deste ano, o lucro da Smiles subiu 70% e o da Multiplus 27% na comparação anual. Tudo isso enquanto a demanda por voos domésticos encolheu 4,67% no trimestre. Como é possível?

Os números gordos, segundo analistas, são impulsionados pela alta geração de caixa dessas empresas, que tem origem nas milhas. Mais de 70% das milhas acumuladas nesses programas são oriundas de cartões de crédito, que são contabilizadas em dólares. Quando um cliente decide transferir as milhas de seu cartão de crédito para um desses programas, o banco faz o pagamento à Smiles ou à Multiplus em dólares. O câmbio ajuda a inflar os resultados. Como o acúmulo de milhas é sempre maior do que o resgate, as companhias aumentam constantemente seu caixa.

Junta-se a isso as despesas baixas e um aumento constante de compras com cartões de crédito – o que estimula o acúmulo e a troca de milhas. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços, o valor transacionado por cartões de crédito cresceu 23,7% nos últimos dois anos e somou 648 bilhões de reais em 2015.

A dependência das companhias aéreas

Nesse cenário, as companhias seriam o sonho de qualquer investidor. Seriam, não fosse o risco de depender de uma companhia aérea. A Smiles é controlada pela Gol e a Multiplus, pela Tam. Apesar de possuírem alguns acordos com outras empresas e oferecer aos clientes a troca de milhas por outros produtos, elas ainda dependem basicamente das passagens aéreas de suas controladoras. Em 2015, mais de 70% das milhas resgatadas na Smiles e na Multiplus foram trocadas por passagens aéreas da Gol ou da Tam.

Qualquer problema com as controladoras acende um sinal de alerta nos investidores das companhias de fidelidade. Em 2015, por exemplo, as ações da Smiles caíram 23,5% impactadas pelos problemas com a Gol. A concorrência, a queda na demanda e os altos gastos em dólares fizeram a companhia aérea fechar o ano com um prejuízo de 4,29 bilhões de reais e uma dívida de 9 bilhões de reais. As ações da Gol caíram 83% no período.

Este ano, as ações da Smiles descolaram das de sua controladora. No ano, os papéis da Smiles subiram 22,6%, enquanto os da Gol têm queda de 0,7%. Segundo analistas, a alta é explicada por resultados que continuam crescendo acima do esperado. O lucro da Smiles no primeiro trimestre foi de 118,4 milhões de reais, uma alta de 70%. Com isso, a companhia encostou no lucro da concorrente Multiplus, que foi de 127 milhões de reais no período (com uma alta de 20%).

“A Smiles tem uma política mais agressiva de preços que a Multiplus. Além disso, ela tem mais poder de barganha com a Gol. Como os voos da Gol estão mais vazios, a companhia oferece mais descontos e acaba dependendo da Smiles para ocupar os assentos”, diz Felipe Martins Silveira, analista da Coinvalores.

A Multiplus ainda leva vantagem em alguns números. Sua receita é 60% maior que a da Smiles e ela tem 28% mais participantes em seu programa de milhas. Apesar disso, a margem de lucro da Smiles é de 33,8%, enquanto a da Multiplus é de 22,4%. Os bons resultados fizeram o valor de mercado da Smiles encostar no da concorrente. Seu valor dobrou desde a abertura de capital, em 2013. Segundo dados da consultoria Economatica, a Smiles vale hoje 5 bilhões de reais na bolsa, enquanto o valor da Multiplus é de 5,77 bilhões de reais. A Gol vale 2,8 bilhões.

A concorrência aumenta

Por enquanto, a perspectiva é de que essas companhias continuem crescendo. Estima-se que apenas 5% da população brasileira participe ativamente de algum programa de milhas. Em países desenvolvidos esse percentual é de quase 50%.

O problema é que a concorrência também cresce. Smiles e Multiplus tinham 90% do mercado há alguns anos. Mas hoje os programas das companhias aéreas Azul e Avianca, já possuem uma fatia de 28% desse mercado. “Um mercado mais fragmentado pode criar uma situação na qual um banco irá firmar parceria com um programa de fidelização específico, que é o que aconteceu nos EUA devido ao maior número de companhias aéreas. Se isso acontecer, esperamos que os volumes para a Multiplus e Smiles sejam reduzidos”, estimam analistas do Santander em relatório.

O aumento da concorrência pode também pressionar a margem de lucro das empresas. Atualmente a Azul tem o programa de fidelização com o menor preço por milha, seguida por Amigo (da Avianca), Smiles e Multiplus.

Há ainda o risco de os bancos entrarem na disputa para lucrar com suas milhas. Hoje, mais de 70% das milhas acumuladas por clientes de Smiles e Multiplus tem origem nos cartões de crédito dos bancos, que precisam repassar esse valor às empresas se o cliente decidir transferir seus pontos. Para acabar com isso, o Banco do Brasil e o Bradesco criaram, em 2014, o programa de fidelidade Livelo, em que é possível trocar as milhas por passagens aéreas diretamente na plataforma, sem transferi-las para um dos programas de determinada companhia aérea. Com um mercado que se mostra tão atrativo mesmo em meio à crise, não faltarão empresas querendo levar seu quinhão.

(Letícia Toledo)

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