O mega-investidor americano Mark Mobius, (Divulgação/Exame)
Para o megainvestidor alemão-americano Mark Mobius, o Brasil ainda é um dos mercados mais promissores do mundo. Mesmo com as turbulências econômicas que está enfrentando nas últimas semanas.
Segundo o gestor da Mobius Capital Partners LLP, que gere cerca de US$ 300 bilhões, o país tem grandes oportunidades para os investidores internacionais. Os quais, todavia, estão olhando com muita atenção para as escolhas de política econômica do futuro governo.
Em entrevista exclusiva à EXAME Invest, Mobius explicou quais são os setores da economia brasileira que está olhando com mais atenção, demonstrou confiança em relação a atuação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e disse que quer expandir seus investimentos no Brasil.
O que o Sr. espera da política econômica do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva?
Lula foi eleito em 2002 e a economia foi muito muito bem. Ele fez um ótimo trabalho. Claro, em seguida houve o escândalo de corrupção da Operação Lava Jato, a economia acabou indo mal e um número considerável de membros do Partido dos Trabalhadores (PT) foi preso. Mas a boa notícia agora é que existem instrumentos de luta contra a corrupção muito mais incisivos. Então, a possibilidade de repetir um escândalo como esse no Brasil é muito baixo. A outra boa notícia é que a Petrobras (PETR3) vendeu muitos ativos, se tornou mais eficiente e pagou muitas dívidas. Empresas privadas de petróleo e gás estão surgindo no Brasil. Além disso, os bancos privados se tornaram mais importantes, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) perdeu fatias do mercado. São todas questões que considero muito positivas para a economia. E acredito que dificilmente o Lula vai querer reverter isso tudo. Ele vai acabar gastando mais para as camadas mais baixas da população, mas isso não é necessariamente algo negativo, pois vai impulsionar o consumo e, com isso, toda a economia.
Qual a opinião do Sr. sobre a economia brasileira nesse momento?
Em vários aspectos, o Brasil está, digamos, isolado do que ocorre no resto do mundo. Olhe para a inflação, no Brasil não está em uma situação ruim. Aliás, está muito melhor do que na maioria dos outros países. Eu estou bastante confiante sobre o Brasil. A situação é bastante positiva e o mercado e o Lula vão acabar se entendendo. Então estou muito otimista com a economia brasileira. Por isso que acreditamos que o Brasil é um dos mercados onde é necessário estar. O Brasil é um dos mercados onde mais investimos e a economia brasileira está indo muito melhor do que as economias de muitos outros países.
Quais setores o Sr. está olhando com mais carinho no Brasil nos próximos anos?
Estamos investindo em particular na industria de software. Acreditamos que é o setor mais importante no momento e a economia brasileira vai se tornar cada vez mais orientada para a digitalização da economia em muitos aspectos e muitas áreas. As empresas vai utilizar cada vez mais programas, soluções digitais e automação. Então esse é o setor onde queremos estar e estamos olhando casas de produção de programas que consigam melhorar a eficiência das empresas. A outra área que acreditamos que vai crescer muito, acreditamos, é o setor de saúde. Olhamos com atenção as empresas do setor de saúde, pois a pandemia colocou muita ênfase no setor. Mas mais importante do que isso, a renda no Brasil está subindo, então veremos maiores despesas por parte da população nessa direção. E, por último, na área de consumo, pois está crescendo muito e, acreditamos, vai crescer mais.
No caso do setor de programação, o Sr. acha que o Brasil é competitivo com países do sudoeste asiático ou com a Índia?
A Índia é com certeza muito competitiva, e está exportando esse tipo de serviços, mas no Brasil o setor vai crescer não tanto com as exportações, mas com o consumo interno. As empresas brasileiras que precisam de programas para tornar suas operações mais eficientes. E nesse nicho as empresas brasileiras estão na frente. Por exemplo, a Oracle opera no Brasil, mas atende apenas as maiores empresas. Existem centenas de milhares de pequenas e médias empresas que não são atendidas pela Oracle e que precisam de softwares, e esse é o setor onde queremos estar.
E o setor de commodities, o que o Sr. acha? O Brasil vai continuar sendo a "fazenda do mundo" ou vai se tornar uma potência industrial graças as mudanças geopolíticas que estamos vendo e ao reshoring?
O Brasil está fazendo um ótimo trabalho no setor de commodities, especialmente no petróleo e gás e na agricultura. E a inflação nos produtos agrícolas está subindo no mundo inteiro, e o Brasil poderia contribuir para reduzir esse aumento de custos no mundo inteiro. Por exemplo, nesse momento estou na África do Sul e os preços dos produtos alimentares está subindo muito, e vai ter uma demanda cada vez maior de produtos brasileiros. Por isso que o setor das commodities vai continuar sendo algo muito relevante para quem quiser investir no Brasil.
Pegando o gancho da sua estadia na África do Sul, membro dos BRICS, o Brasil aparentemente é o único grande país emergente que está fora de confrontos geopolíticos ou de turbulências internas. O que o Sr. acha dessa situação? Os investidores vão investir mais no Brasil por causa disso?
Acho que é exatamente assim. O Brasil se posicionou como neutral nas disputas entre Rússia e Ucrânia ou China e Estados Unidos. Então o país pode não se preocupar sobre essas questões geopolíticas. Para os investidores internacionais, o Brasil está em uma posição muito interessante em relação ao que está acontecendo no resto do mundo. Uma posição muito boa.
Em 2022 assistimos a um afluxo recorde de investimentos estrangeiros no Brasil, o Sr. acredita que essa tendência vai continuar mesmo com o futuro governo Lula?
Se o Lula mantiver ou melhorar os parâmetros econômicos que o Brasil conheceu nos últimos anos, sim, acredito que podemos ter até um aumento dos fluxos de investimentos estrangeiros diretos no Brasil. A situação macroeconômica brasileira está muito mais estável do que no passado, e os investidores estão muito impressionados com isso tudo. A moeda, a inflação, entre outros, estão muito mais estável do que no passado. E isso é algo muito positivo e vai atrair mais investidores estrangeiros.
A China, por sua vez, está crescendo muito menos. Esse ano, por sinal, sequer temos dados econômicos sobre o PIB chinês. E se a China crescer menos, o Brasil vai exportar menos para seu principal parceiro comercial. O Sr. não acha que isso pode afetar o crescimento do Brasil nos próximos anos?
Sim, a redução do crescimento da China é um problema não somente para o Brasil, mas para o mundo inteiro. Isso pois a China é um grande importador de commodities. Mas se o crescimento chinês será provavelmente menor do que no passado, não devemos esquecer da Índia. Um país que também tem mais do que um bilhão de habitantes, com a idade média menor do que a China, está crescendo em ritmos incríveis, e acreditamos que se tornará o maior mercado para as exportações brasileiras. A Índia poderia ser uma grande oportunidades para o Brasil compensar a perda, ou o declino, das exportações para a China.
O Sr. não tem preocupações sobre um possível risco fiscal? Afinal, existe o risco de um aumento dos gastos públicos descontrolado e um incremento da relação dívida/PIB.
Sim, são todas questões que devemos olhar com muita atenção, pois durante a pandemia houve um aumento importante dos gastos públicos, que devem voltar a estar sob controle, pois a dívida pública do Brasil é grande. E isso poderia ser um problema para a economia do país. Mas nesse momento não vejo isso como um problema insuperável. Especialmente pelo fato que muitas das reformas aprovadas nos últimos cinco-seis anos vão fazer efeito nos próximos anos, e isso vai manter a dívida pública sob controle, deixando-a sustentável. E, além disso, o que me deixa mais tranquilo é que o Brasil não possui uma dívida em dólares, mas é em moeda nacional. Mas o governo deverá ser mais prudente do que foi no passado, e vamos ter que olhar com atenção o que vai acontecer.
A alta dos juros que está ocorrendo no mundo inteiro, especialmente nos EUA e na União Europeia, será um problema para a atração de investimentos no Brasil, já que os capitais tendem a ir em direção de "portos seguros" em detrimento de mercados emergentes?
Acredito que mais do que um problema de atração de investimentos teremos uma possível desvalorização do real em relação ao dólar. Esse é um ponto que devemos considerar com atenção. Em um país onde a moeda se desvaloriza muito rapidamente, a economia sofre consequências graves. Todavia, até o momento, aparentemente, o real demonstrou uma certa resiliência. Mas é algo que devemos olhar com atenção. Espero que o futuro governo seja responsável com os gastos públicos. É algo que os investidores internacionais olharão com atenção, pois influenciará o nível da dívida pública, o câmbio do real, a inflação, a taxa de juros, entre outros.
Quanto o Sr. está investindo no momento no Brasil? E quanto o Sr. planeja aumentar, ou diminuir, nos próximos anos?
No momento temos cerca de 10% de nosso portfólio investido no Brasil, pois a maior parte está investido na Ásia. Nosso portfólio total é de US$ 300 bilhões. Mas no futuro queremos aumentar nossas posições no país. Mas isso dependerá das oportunidades que o pais oferecer, das empresas e do retorno sobre o capital. Espero chegar no Brasil em janeiro ou fevereiro para ver o que está acontecendo.