Dólar abaixo de 5 reais é sonho irrealista, diz Alfredo Menezes
Sócio da gestora Armor diz que maioria dos modelos para o câmbio não levava em conta a inflação, que se descolou do cenário externo, e aponta ano difícil para a indústria de risco em 2022
Bianca Alvarenga
Publicado em 17 de novembro de 2021 às 06h02.
Última atualização em 17 de novembro de 2021 às 06h34.
Um dos maiores especialistas em câmbio do mercado, Alfredo Menezes, sócio e fundador da gestora Armor, não está muito animado com os rumos da economia brasileira. Na visão do gestor, a piora nos indicadores de inflação, a alta dos juros e a crise política são a combinação perfeita para um dólar mais alto no médio e longo prazo.
"Vemos o real cada vez mais depreciado e talvez o sonho do dólar abaixo de 5 reais não exista mais, até porque a inflação corroeu boa parte disso", disse Menezes em entrevista exclusiva à EXAME Invest.
O gestor, que diz não pertencer ao time dos mais otimistas, prevê em 2022 um PIB estacionado e uma alta persistente da inflação e dos juros, apesar dos esforços do Banco Central. O mergulho da economia deve levar a um aumento do desemprego, contexto que é ainda mais inflamável em ano de eleição.
Para o mundo dos gestores de ativos de risco, principalmente os de fundos multimercado e de ações, o ano que vem deve ser "um dos piores da história".
Para quem acreditava em uma recuperação do Ibovespa, que bateu em inéditos 130 mil pontos em junho, Menezes tem uma má notícia: na sua avaliação, não é impossível que a bolsa desça para o degrau dos 90 mil pontos, especialmente se a eleição for muito polarizada, como tudo indica até o momento que será, entre Bolsonaro e Lula.
Veja abaixo a entrevista completa com Alfredo Menezes, sócio e fundador da Armor Capital:
Depois de ceder para os 4,90 reais em junho, o dólar tem ficado persistentemente na casa de 5,40 e 5,50. Podemos ver uma reversão desse cenário?
Não sou dos mais otimistas com o real. A maioria dos modelos do mercado não levava em consideração inflação, porque a alta dos preços não estava aparecendo, mas agora descolou completamente do cenário externo. O Brasil teve uma inflação muito maior do que a de outros países.
Nossa conta capital, que sempre financiou o déficit do balanço de pagamentos, agora está se deteriorando. O investimento estrangeiro direto, que tem forte correlação com o crescimento da economia, deve sofrer mais em 2022, porque o PIB não vai crescer nada. Talvez a economia não fique no negativo, porque temos um carry trade grande, mas a projeção da Armor é de um crescimento de perto de 0%, e com viés negativo.
Vemos o real cada vez mais depreciado e talvez o sonho do dólar abaixo de 5 reais não exista mais, até porque a inflação corroeu boa parte disso. Se o Banco Central não tivesse vendido 5 bilhões de dólares semanas atrás, o dólar estaria na casa dos 5,80.
O que vai determinar esse cenário ruim para a economia em 2022?
Basta olhar, por exemplo, para os dados de crédito que o Banco Central divulgou: os bancos estão com carteiras mais frágeis, a inadimplência está subindo, e não dá para perceber de cara, porque a base de empréstimos aumentou. Mas olhando linha a linha, todas as modalidades pioraram. Esse é um índice antecedente importante, porque indica que os bancos vão fechar as torneiras do crédito. Sem crédito, e com juros mais altos, vamos ter um 2022 muito difícil.
Como o senhor avalia o risco político?
Bastante delicado. Vamos ter uma eleição presidencial complicada pela frente. No Brasil, eu só vi uma disputa sem emoção, que foi a reeleição do Lula, em 2006. Fora isso, as outras sempre foram complexas. Mas a corrida presidencial de 2022 tende a ser pior, porque estamos indo para eleição de dois populistas. Particularmente, acho difícil termos uma terceira via, exceto se um dos dois desistir. Ou seja, será ruim para o país de qualquer jeito. 2022 tende a ser um ano tumultuado, com crescimento pífio.
E a questão fiscal? Como fica, na sua visão?
Acho que a relação dívida/PIB melhorou muito, mas somente por causa da inflação. Tivemos uma inflação de 10% e juro real de 4,5%. Se tivéssemos juros acima da inflação, mesmo que fosse um juro real zero, a dívida não teria melhorado. Na prática, demos um "totó" na dívida. Isso significa dar um chapéu em quem investiu em título público, que recebeu menos que a inflação.
Daqui para a frente, o que nos espera é uma política restritiva, de juro alto e dívida interna crescendo. Se tivermos um quadro de dominância fiscal (quando o BC não tem espaço para aumentar os juros, em razão do desequilíbrio fiscal causado pelo aumento do custo da dívida pública) em ano eleitoral, será como botar fogo na gasolina. Com isso, acho que não dá para se animar com a bolsa, é um cenário muito preocupante. Se você perguntar se eu acredito que o Ibovespa pode bater 90 mil pontos, a resposta é que não é impossível.
Podemos mesmo viver esse cenário de dominância fiscal?
Ainda é cedo para ter medo disso, até porque o desemprego tende a aumentar, a atividade vai dar uma mergulhada, então tenho dúvidas se inflação vai ter força suficiente para tanto.
Quais são suas apostas na bolsa, apesar de tudo?
Olhando para o longo prazo, minha principal aposta é no setor de saúde. Apesar de termos poucas oportunidades na bolsa brasileira no setor, não tenho dúvidas de que as farmacêuticas e as outras empresas do segmento de saúde vão ganhar importância, com o envelhecimento da população. Além disso, em um país com um território enorme como o nosso, precisamos de boas empresas de logística.
Por outro lado, vejo as maiores instituições financeiras sofrendo com a inadimplência no curto prazo e perdendo espaço para as fintechs e as novas plataformas. A receita dos grandes bancos está caindo, então eles estão pisando fundo no crédito, mas fica difícil apostar nisso com a inadimplência subindo.
Como vai ser o trabalho dos gestores de investimentos diante de tantos desafios?
Acredito que teremos um dos piores anos para a indústria de risco, seja a de fundos multimercado ou de ações. Certamente 2022 não vai ser um ano de captação de novos clientes, até porque o investidor brasileiro está muito habituado a olhar para os juros nominais, que estarão mais altos no ano que vem. Para entrar em ativos de risco, o investidor vai pensar duas vezes. Por isso, acredito que os gestores vão tomar uma postura mais defensiva.
O senhor é considerado um dos gestores mais agressivos do mercado. Há oportunidades nessa crise?
Costumo falar que ser agressivo sem disciplina é burrice. Nunca estou em uma ponta só, sempre busco estar alocado em ativos diferentes, a ponto que minha agressividade seja capaz de "me aleijar", mas não de "me matar". Faço sempre um cenário de estresse de caixa. Se tudo der errado, eu vou conseguir pensar ou vou precisar partir para o caixa? Alguns gestores ficam tão alavancados que, se algo der errado, eles são obrigados a se desfazer das posições.
Esteja sempre informado sobre as notícias que movem o mercado.Assine a EXAME.